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3.2 Motivações econômicas

3.2.1 Expansão do capitalismo

Como vimos acima, a expansão do capitalismo na Europa produziu grandes transformações estruturais no campo e nas cidades e este seria o principal fator de expulsão que daria início à Grande Imigração da Europa para o Continente Americano. Mas, não apenas lá. A expansão do capitalismo na Europa mudaria progressiva e permanentemente o modus vivendi de milhares de pequenos produtores agrícolas e manufatureiros localizados no outro lado do Mar Mediterrâneo. As mudanças tecnológicas introduzidas na indústria e nos meios de transportes a partir do século XIX resultaram em incrementos sucessivos da produtividade industrial e aumentos na frequência, abrangência e rapidez da entrega de mercadorias e matérias-primas a preços cada vez mais reduzidos. A consequência foi o aumento da oferta de produtos industrializados na Europa que começaram a chegar a todas as regiões do planeta a custos sem precedentes e no Oriente Médio não seria diferente, afetando a pequena produção artesanal, bem como, a pequena produção agrícola e pecuária de subsistência da região, que foi gradativamente sendo substituída por uma agricultura comercial voltada para atender à demanda crescente das cidades locais ou de mercados europeus, fornecendo alimentos e matérias-primas industriais (fotografias 16 e 17).

Fotografia 16: Tecelão de lã em Ramallah durante a Fotografia 17: Ceramista. Período do mandato ocupação otomana. Início do Século XX britânico, primeira metade do século XX Fonte: WEIR, 1989, p.27 Fonte: KHALIDI, 1986, p.152

Um exemplo emblemático da expansão capitalista no Oriente Médio diz respeito à participação da indústria têxtil francesa nos territórios árabes que atualmente fazem

parte do Líbano e em menor escala da Síria e da Palestina. A entrada do capital internacional expandiu a sericultura e aos poucos, a agricultura tradicional da região foi sendo substituída pelas plantações de amoreira para alimentar o bicho-da-seda. Num segundo momento, a industrialização iria criar uma forte demanda por mão-de-obra, que seria suprida pelas famílias camponesas da região, principalmente por mulheres jovens que eram preferidas por aceitarem salários mais baixos que os homens e por serem mais “dóceis” e disciplinadas. A inserção da mulher no mercado de trabalho e a nova divisão de trabalho familiar, com as mulheres trabalhando nas fábricas e os homens permanecendo na pecuária e nas lavouras tradicionais49, propiciaram um aumento da renda familiar e marcou a inserção de muitas famílias no mercado de consumo de produtos importados até então inacessível à maioria dos povos árabes. Este fato não significava somente uma ‘melhoria’ de qualidade de vida para os povos árabes da região, mas acima de tudo, marcaria a expansão do mercado mundial em áreas ainda não dominadas e subordinadas ao capital ocidental (ROCHA PINTO, 2010, p.33).

Como argumenta Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto, ao invés de um quadro de pobreza e opressão, os novos estudos sobre a imigração árabe para o Brasil mostram que os anos de 1860 até 1880 foram caracterizados pela ausência de conflitos e ao mesmo tempo, de relativa prosperidade econômica, com melhoria da qualidade de vida e grande crescimento populacional. “Nesse contexto, a emigração vai surgir em épocas de crise como estratégia para manter o padrão de vida alcançado e não como resultado inexorável da miséria”. A crise viria a partir da década de 1880. Com a abertura do canal de Suez em 1869, verificou-se uma queda drástica dos custos de transporte das mercadorias entre a Ásia e a Europa, particularmente da seda chinesa e japonesa, fazendo com que os preços do produto caíssem vertiginosamente nos mercados europeus. Isso provocou uma diminuição das áreas dedicadas à sericultura seguido do fechamento de inúmeras fiações e tecelagens. O resultado final seria um considerável aumento do desemprego e uma acentuada queda da renda em regiões do Oriente Médio (ibidem, p. 33-34). Concomitantemente, à medida que as unidades produtivas eram eliminadas pelo sistema capitalista, a posse de dinheiro se tornava cada vez mais importante e valorizada. O capitalismo substituiu também o consumo de bens artesanais de subsistência pelo consumo de bens produzidos em larga escala. E este, só era possível através do dinheiro.

49 Principalmente uva, trigo e azeitona. No começo do século XX, novos produtos seriam incorporados ao

O relato de Josefina Demes, uma síria cristã nascida em Khabab, uma cidade próxima à capital Damasco e que imigrou para Floriano na primeira metade do século passado, dá a sua versão das dificuldades enfrentadas pelos árabes naquela época:

[...] A inauguração do Canal de Suez em 1869 com a presença da família imperial francesa foi a concretização da velha aspiração que remontava ao tempo dos faraós. Um novo caminho ligando o Oriente ao Ocidente abriu-se, e com ele, o despertar de novas esperanças para os que careciam de novas oportunidades. As outrora florescentes cidades sírias esvaziaram-se e as ruidosas caravanas silenciaram-se por completo. Os navios europeus sequer tocavam os portos da Síria, já que o Canal de Suez, situado mais ao Ocidente, os levava diretamente ao Sudeste Asiático, onde, no Japão, os manufaturados de seda com mão de obra mais barata e preços competitivos foram a pá de cal na já debilitada economia síria. A pobreza, a miséria, as doenças campeavam em toda a região, acrescido da pobreza do solo exaurido por devastações milenares. (PROCÓPIO, 2006, p.22).

Embora o relato acima descreva especificamente a crise enfrentada pelos produtores de seda no Líbano e na Síria, países vizinhos à Palestina, representam um ‘retrato’ fiel das dificuldades que se abateu a toda a região e serve para ilustrar o que aconteceu com diferentes segmentos da economia palestina, como a produção de azeite de oliva, de vinhos e de lã, por exemplo, e de grande parte da indústria artesanal doméstica que foi inviabilizada pela concorrência capitalista. Segundo Hanna Safieh,

Os pais desejavam uma vida melhor para os filhos deles e também tinha medo, primeiro porque a crise econômica era forte [...], poucas condições financeiras. O Império Otomano estava na falência total no final do século 19. Era chamado o “Homem Doente” [...]. A economia era muito ruim, o Império era falido, o regime era ditatorial. Não existe um regime ditatorial onde as pessoas podem prosperar.

A narrativa de Giries Nicola Elali (ELALI, 1995, p.195-198) mostra a situação econômica da Palestina desde o século XIX de seus avôs até a década de 1960 quando ele resolve emigrar para o Brasil:

Durante a segunda metade do século dezenove, o povo de Belém começou a emigrar para a América devido à crise econômica, ao desemprego, a opressão, e à cobrança de altos impostos aos seus habitantes, bem como, em face do serviço militar obrigatório. Desta forma, muitos habitantes de Belém e de seu Distrito foram forçados a partir para o estrangeiro em busca de trabalho e de uma vida melhor. [...] Meu pai estudou na Escola Alemã situada no Largo Madbesah. Como a maioria das pessoas em Belém, trabalhou com contas (do rosário) e coisas semelhantes. Como estava insatisfeito com as condições de vida do País e tinha ambições, viajou para a Bolívia, começando a vida como mercador ambulante. Depois, montou um armazém, fez uma razoável economia e voltou para Belém. Ali, expandiu os negócios do seu pai e comprou dois sítios de terras cultivadas com oliveiras. [...] Estudei Ciências Elementares na Escola Nacional (Pública) e concluí a sétima classe (1º grau), que era o máximo. Não havia escolas de segundo grau, como também não havia universidade. As circunstâncias eram difíceis e as condições políticas, instáveis. Aconteciam conflitos entre árabes e judeus, e mesmo a ida para Jerusalém, era cercada de perigos. Poucos pais eram ricos o suficiente para mandar seus filhos estudarem fora da Palestina. Assim, fui obrigado a continuar meus estudos por correspondência [...] Infelizmente, começou a segunda

Guerra Mundial e a suspensão do correio internacional [...] Quando as condições pioraram, emigrei para o Kuwait, onde trabalhei na engenharia civil por sete anos [...] Depois disso, retornei a Belém e ocupei o posto de engenheiro chefe da Prefeitura de Belém [...] As condições de vida continuaram a se deteriorar, desencorajando planos e dificultando o meu trabalho. Assim, a fim de garantir um bom futuro para os meus quatro filhos, renunciei ao cargo na prefeitura de Belém e resolvi viajar para me unir aos meus irmãos, no Chile, ou aos irmãos de minha esposa, Issa e Tawfic Jiries Masrieh Hasbun, que viviam na cidade de Recife [...] Visitei ambos os países e optei pelo Brasil devido à oferta de trabalho na minha área. Pensei ficar somente cinco anos, período após o qual eu esperava que a compreensão e a paz seriam enfim alcançadas entre palestinos e judeus e eu poderia retornar ao meu País, a minha cidade, e viver ali em paz... Os dias se passaram rapidamente. De fato, trinta anos transcorreram desde a nossa chegada ao Brasil, País pacífico e hospitaleiro, sem que tenha sido estabelecido nenhum acordo em minha terra e até hoje o mundo inteiro aguarda que a paz seja restaurada na Palestina.