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3.3 Motivações políticas

3.3.3 Protetorado britânico e sionismo

Formalmente, o Protetorado Britânico da Palestina foi instituído pela Liga das Nações apenas em 1922, mas desde dezembro de 1917, um ano antes do final da Primeira Guerra Mundial, quando “as forças otomanas de Jerusalém se renderam às forças aliadas dirigidas pelo general britânico Allenby, a Palestina ficou sob administração militar britânica” (SAFIEH, 2001) (mapa 9). O mandato concedido aos ingleses para governar a Palestina perdurou até o dia 15 de maio de 1948 e para os palestinos foi um dos períodos mais difíceis e conturbados de sua história recente. Depois de lutarem pela sua independência ao lado de seus aliados, viram a sua liberdade mais uma vez se esvair por ‘entre os dedos’. Ainda enfrentaram com os britânicos as adversidades da Segunda Guerra Mundial, conviveram com terrorismo sionista e ‘assistiram’, ao lado de seus ‘aliados’ que nada fizeram, a criação do Estado de Israel51 em 14 de maio de 1948, no penúltimo dia do mandato britânico na Palestina.

Durante todos esses anos de protetorado, europeus e americanos se empenharam em resolver a questão do antissemitismo que se disseminava rapidamente na Europa. Por essa razão a Declaração de Balfour foi posta em prática imediatamente pelos ingleses e milhares de judeus não assimilados começaram a chegar ao País (fotografias 20 e 21). A reação dos palestinos contra a ocupação britânica e a sua política sionista foi imediata e no princípio caracterizou-se por uma série de “revoltas e protestos pacíficos, culminando com uma greve geral decretada pelos comitês nacionais palestinos em 1936”.

51 Para os palestinos, esse episódio ficou conhecido como a Nakba, ou desastre, catástrofe, em português. Um dia

antes do prazo estipulado para o fim do mandato britânico e para a retirada dos ingleses do território palestino, os judeus sionistas fundaram o Estado de Israel e ocuparam a maior parte do território palestino. Nos meses seguintes espalharam o terror nas aldeias e cidades do País, expulsando de suas casas quase um milhão de árabes que se refugiaram em países vizinhos e nunca mais puderam retornar à Palestina.

Mapa 9: Palestina na década de 1920 e a distribuição das colônias sionistas nos primeiros anos do mandato britânico

Fonte: KHALIDI, 1986, p.84

Fotografias 20 e 21: Imigração ilegal dos judeus sionistas na Palestina durante o protetorado britânico Fonte: KHALIDI, 1986, p.339 e 342

Não produzindo nenhum efeito, os palestinos iniciam a primeira revolta armada para combater a imigração judaica, impedir a criação do Estado de Israel no território da Palestina e alcançar a independência nacional (fotografias 22 a 25). Pressionado pelas revoltas e pelas ações guerrilheiras dos palestinos que se prolongaram até 1939, os ingleses concordaram em limitar a imigração judaica e a conceder a independência da Palestina. “Em 1939 o governo britânico emitiu uma ‘Carta Branca’, na qual anunciou a sua intenção de limitar a imigração judia na Palestina a 75 mil pessoas durante os cinco anos seguintes e de outorgar à Palestina a sua independência dentro de dez anos”. Diante das promessas britânicas, a revolta palestina foi suspensa (SAFIEH, 2001).

O fato de ter havido alguma prosperidade econômica neste curto período de tempo representado pelo mandato britânico, contudo, não foi suficiente para atrair de volta os palestinos na diáspora. Alguns até retornaram nesse período, mas, os conflitos frequentes com os judeus sionistas que chegavam em grande quantidade da Europa naquele quarto de século era razão suficiente para manter ativo o fluxo emigratório dos palestinos e até de intensificá- lo. João Asfora Neto, filho do imigrante Hissa Abdallah Asfora, me deu o seguinte depoimento sobre a vinda de seu pai para o Brasil:

[...] Foi na época da grande imigração de judeus [durante o mandato britânico, quando o sionismo foi mais intenso] e as autoridades inglesas chamaram todas as lideranças [palestinas] e mandou chamar os filhos para assistirem ao enforcamento dos nacionalistas palestinos de Belém. Quando isso foi feito, meu avô disse ‘não dá pra gente ficar mais de jeito nenhum. A gente tem de sair’. [...] Nessa mesma época, teve um incidente com papai na escola. Um guarda britânico passava sempre embaixo da muralha do colégio. Aí ele juntou-se com outro palestino para matar o guarda jogando uma pedra lá de cima. Quando o diretor da escola pegou, escondeu eles e disse a meu avô. Aí, juntou esse episódio com o do enforcamento e eles vieram para cá.

Apesar das imensas dificuldades enfrentadas pelos palestinos em sua terra natal, sabe-se que o ritmo da imigração palestina para o Brasil reduziu de forma significativa a partir do início da década de 1930. Primeiramente porque esse foi um tempo particularmente difícil para muitas famílias palestinas radicadas no Recife que se dedicavam ao comércio ou à pequena indústria. Quase todas, direta ou indiretamente, foram atingidas pelos ‘estilhaços’ da Grande Depressão de 1929, que começou nos Estados Unidos, atingiu em seguida os países industrializados da Europa ocidental e chegou às frágeis economias periféricas da Ásia, América e do restante da Europa.

Fotografia 22: Revolta palestina contra o mandato Fotografia 23: Comandante dos palestinos na região de britânico e o aumento do movimento sionista nos Jerusalém, durante a revolta armada de 1936 a 1939 anos de 1936 a 1939. Fonte: KHALIDI, 1986, p.209

Fonte: KHALIDI, 1986, p.201

Fotografia 24: Um trem descarrilhado pelos Fotografia 25: Um veículo blindado e uma agência Guerrilheiros palestinos durante as revoltas bancária britânica após um atentado palestino. De 1936 a 1939. Fonte: KHALIDI, 1986, p.220

Fonte: KHALIDI, 1986, p.220

Além disso, um segundo fator que restringiu a vinda de novos imigrantes de todas as nacionalidades para o Brasil foi o sistema de cotas adotado pela constituição de 193452, cujo objetivo era controlar a entrada de estrangeiros no País. Por detrás desse controle estava a campanha de nacionalização e seus ideais ‘eugenistas’ e assimilacionistas, motivo de intensos debates dentro e fora do País, antes mesmo da instituição do Estado Novo. Foi

52 A política imigratória já havia sido modificada antes mesmo da nova constituição a partir das disposições

restritivas e seletivas instituídos pelos decretos-leis 14.982 de 1930 e depois dela pelos decretos-leis 406 e 3.010, de 1938, já durante o Estado Novo de Vargas, que regulamentavam a entrada de estrangeiros no País (Rodrigues e Lois, s/d, s/n).

quando o Governo passou a escolher qual o imigrante ideal para colonizar seu vasto território, estabelecendo os critérios de seleção com base na ‘assimilabilidade’ e nas ‘características humanas mais adequadas’ dos futuros imigrantes e fazendo as intervenções necessárias para a ‘melhoria genética’ da população brasileira. Durante o regime ditatorial e autoritarista de Getúlio Vargas que se estendeu de 1937 a 1945, o assunto ganhou ainda mais destaque, resultando em restrições ainda mais severas à entrada de estrangeiros no Brasil, especialmente quando estes não apresentavam as ‘características adequadas’ que haviam sido previamente estabelecidas.