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Quando 8: Características da amostra

5.1 Conclusões

5.1.3 A diferença da mentoria

Uma vez levantadas as funções presentes nos relacionamentos de suporte, ficou aberto o caminho para se verificarem distinções entre relações de mentoria e relações de suporte social, não obstante poderem ambas ser consideradas como relações de desenvolvimento. Esse caminho passou pela peculiaridade da função aceitação-e-confirmação. Foram encontradas fortes aproximações entre o que Kram (1988) levantou para essa função e o que Rogers (1977b) chamou de “apreço, aceitação, confiança”. Dentro do que explica Rogers (e fazendo uma adaptação para a relação de suporte provedor-receptor), o provedor de suporte, imbuído de “apreço, aceitação, confiança”, encontra-se com o receptor, na base de pessoa-a- pessoa (com autenticidade), aceita-o assim como ele é e coloca-se em lugar dele (compreensão empática). Percebendo essa atitude do provedor, o receptor entra no processo estabelecendo apreço e confiança mútuos e se sente capaz de desenvolver-se. A confiança desenvolvida é principalmente de natureza emocional: a confiança do receptor na benevolência do provedor, isto é, a crença de que o provedor lhe deseja fazer o bem (MAYER; DAVIS; SCHOORMAN, 1995).

É dessa maneira que se estabelece a relação de mentoria autêntica, dentro do contexto de uma relação de social. Ou seja, é uma relação em que o mentor provê suporte instrumental ao mentorado e, ao mesmo tempo, existe uma conexão emocional de uma parte para a outra, por onde fluem apreço, aceitação, confiança (conexão emocional bidirecional). Se uma relação de desenvolvimento não tiver qualquer conexão emocional, não poderá ser uma relação de mentoria autêntica: será apenas uma relação de suporte social (não mentoral). Se houver conexão emocional em apenas uma direção, também não haverá mentoria, embora possa haver suporte para desenvolvimento. A relação continuará sendo de suporte social não mentoral. Neste caso, porém, as relações unidirecionais têm maior potencial para se transformarem em relações de mentoria autêntica, bastando para isso que se estabeleça a outra conexão emocional.

Com a tipologia de relações de suporte social gerada por este trabalho, contribui-se para uma maior clareza sobre a definição de relação de mentoria, diante de uma frequentemente declarada falta de consenso na literatura (e.g., CHANDLER; KRAM, 2007; CRISP; CRUZ, 2009). Também se permite, com esse recurso, lançar luz sobre os limites entre mentoria e suporte social, ainda um tanto obscuros, segundo a literatura consultada, que é mais pródiga em estabelecer semelhanças do que apontar distinções entre os construtos.

Avançando pelo campo das distinções, o trabalho também contribui para estabelecer a uma distância conceitual entre mentoria e coaching. Entende que este possui suas características instrumentais muito próprias (das quais o processo de mentoria pode valer-se), mas não prima pela utilização da função aceitação-e-confirmação, não recorrendo a interesse autêntico, por exemplo. Assim, há coaching na relação de mentoria, mas não há sentido em dizer que há mentoria no coaching. Este é apenas um elemento funcional daquela.

Foi sugerido, ainda, que essa tipologia de relações pode ser entendida em um contínuo que se estende desde a relação de suporte social não mentoral sem conexão emocional até a relação de mentoria autêntica, havendo, em posições intermediárias, relações com conexão emocional unidirecional. Do extremo não mentoral ao mentoral, poderá haver um saldo relacional positivo, gerado por diversas interações de boa qualidade entre as partes. Se houver, a relação inicial pode tornar-se uma relação de mentoria. Cada interação positiva corresponde a um episódio de mentoria, conceito apresentado por Fletcher e Ragins (2007). A tipologia e o contínuo aqui apresentados podem contribuir para o estudo da formação da relação de mentoria, particularmente em relação à dificuldade alegada por McManus e Russell (2007): saber quando se dá, no contínuo, o ponto de inflexão a partir do qual a relação se torna de mentoria. É provável que a ideia de conexão emocional e, particularmente, o princípio da conexão emocional bilateral possam ajudar a identificar onde se inicia a relação de mentoria. O ponto de inflexão se daria quando a segunda conexão acontecesse.

5.1.4 Mentores autênticos: fontes especiais

A resposta à questão norteadora 4 é decorrência da tipologia das relações de suporte social a qual levou ao conceito de relação de mentoria autêntica. Em outras palavras, o mentor – que neste estudo passou a ser denominado mentor autêntico – é o provedor de suporte da relação de mentoria autêntica.

A identificação dos mentores autênticos foi uma tarefa possível, em alguns casos, em função da metodologia qualitativa e da interação face-a-face propiciada pela entrevista em profundidade. Tendo em vista que os traços distintivos da mentoria autêntica residem no campo emocional, alguns detalhes da manifestação do entrevistado contribuíram para que sinais afetivos fossem percebidos no discurso. Por exemplo, o tom de voz entusiasmado, o brilho nos olhos e gestos de emoção (como levar a mão ao coração) pontuaram a descrição de interações em que o interesse autêntico e a disponibilidade-com-dedicação foram

evidenciados. Seria pouco provável que o método quantitativo alcançasse tamanha riqueza de informação subjetiva.

Observou-se que os mentores autênticos predominaram na adesão (15 mentores, contra 2 na pré-adesão) e que, entre estes, a grande maioria foi formada por professores de educação física (12). A maior parte destes são professores da Academia Chesf (8). Não houve qualquer entrevistado que não tivesse referido pelo menos uma fonte de suporte em no mínimo uma das fases. Mas 6 entrevistados não tiveram mentores em qualquer das fases.

Os professores de educação física da Chesf foram as fontes de suporte mais destacadas deste estudo, principalmente porque formam o maior grupo de mentores autênticos, com larga margem de diferença em relação às demais fontes. Correspondem quase à metade de todos os mentores e a pouco mais da metade dos mentores que influenciaram na fase de adesão. Entre os 10 entrevistados que tiveram mentores na adesão, 8 tiveram como mentor um professor de educação física da Academia Chesf. Efetivamente esses profissionais são as pessoas que maior influência direta exercem sobre os entrevistados. Além disso, contribuem para contrariar o conceito tradicional de mentoria, na medida em que possuem idade inferior à dos mentorados na maior parte das relações de mentoria de que fazem parte.

Uma achado da pesquisa contribuiu com dados objetivos para lançar luz sobre uma provável associação entre a mentoria e a adesão à atividade física: a maior presença de relações de mentoria entre os alunos entrevistados que tiveram maior nível de frequência às aulas da Academia Chesf. Embora considerando a influência de outras variáveis sobre a frequência, esse achado sugere, no mínimo, uma oportunidade para aprofundamento da pesquisa quanto à associação encontrada. Poderiam ser utilizadas amostras maiores e até procedimentos quantitativos, porém com muita cautela quanto aos instrumentos utilizados, no que tange à necessidade de aferir a presença das funções psicossociais, conforme comentado acima.

Quando se analisam em conjunto todas as fontes de suporte, vêm à tona conceitos como o de constelação de relacionamentos (KRAM, 1988), constelação de desenvolvimento (HIGGINS; THOMAS, 2001) e rede de desenvolvimento (HIGGINS; KRAM, 2001). Ou seja, no processo de adesão à atividade física, os indivíduos contaram com mais de uma fonte de suporte (desenvolvedores). Nem todos os desenvolvedores foram mentores. Assim, pode- se dizer que uma rede (ou constelação) de desenvolvimento – independentemente de se considerar a participação dos desenvolvedores como simultânea (HIGGINS; KRAM, 2001) ou ao longo do tempo (HIGGINS; THOMAS, 2001) – se compõe de provedores de suporte entre os quais pode ou não haver mentores. Esse conceito é de fundamental importância no

estudo da mentoria e das relações de desenvolvimento, mas é preciso alertar para algum risco ou incongruência dele decorrentes. Primeiramente, ao se colocarem sob um mesmo rótulo (“desenvolvedores”) os mentores e os não mentores da rede de um determinado indivíduo, corre-se o risco de perder de vista a distinção entre a relação de mentoria autêntica e as relações que provêem suporte embora não sejam mentorais. Se isso ocorrer, poderá ser prejudicado o entendimento mais preciso da contribuição que cada provedor de suporte da rede proporciona ao indivíduo. Portanto é necessário manter a distinção: desenvolvedores podem ser ou não verdadeiros mentores (HIGGINS; THOMAS, 2001). Esse alerta é dirigido principalmente a estudantes que se iniciam no tema e que podem ter alguma dificuldade ao depararem com a liberdade com que a literatura utiliza a expressão “desenvolvedor”.

Além disso, a literatura tem defendido que funções de mentoria podem ser providas por não mentores (RAGINS; KRAM, 2007). É possível entender que, por exemplo, o oferecimento de coaching ou a abertura pra uma amizade podem realmente ocorrer fora de uma relação de mentoria. Ocorre, porém, que, nesse caso, chamar coaching e amizade de “funções de mentoria” ou significa valorizar demais uma interação que não alcançou o poder de uma relação de mentoria ou significa banalizar a mentoria, provocando o uso incongruente da expressão “função de mentoria” para casos em que efetivamente não ocorre mentoria. Wanberg, Welsh e Hezlett (2003) afirmam que a relação de mentoria é a mais intensa e poderosa relação de desenvolvimento um-a-um, trazendo em si mais influência, identificação e envolvimento emocional. Baseado nessa ideia do poder da relação de mentoria (e defendendo-a, pela especificidade que entende existir nesse poder), o pesquisador propõe que, em princípio, as funções passem a ser chamadas de “funções de desenvolvimento”, expressão coerente com “constelações de desenvolvimento” ou “rede de desenvolvimento”. Só se passaria a chamá-las de “funções de mentoria” a partir do ponto em que a relação estivesse caracterizada como uma relação de mentoria autêntica.

Para fazer essas últimas colocações, o pesquisador revela ter-se imbuído de uma preocupação didática, reflexo de seu intuito de contribuir para que, cada vez mais, um número crescente de pessoas possuam maior clareza sobre o que significa mentoria e sobre a força transformadora que ela pode ter em favor do desenvolvimento humano. E assim encerra as conclusões deste estudo.

5.2. SUGESTÕES

Apresentam-se nesta seção final, sugestões que decorrem da realização desta pesquisa e do aprofundamento de temas para os quais este estudo sinaliza.