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Quando 8: Características da amostra

2.2 Mentoria

2.2.6 Funções de mentoria

2.2.6.2 Funções de mentoria segundo Kram

2.2.6.2.2 Funções psicossociais

Funções psicossociais são os aspectos de um relacionamento que aprimoram no indivíduo o seu senso de competência, identidade e eficiência em um papel profissional. Na literatura se encontram outras denominações para essas funções: emocionais (JOHNSON, 2007b; ONO; KATO, 2003), intrínsecas (OLIAN et al., 1988), socioemocionais (BOZIONELOS, 2006). Foram identificadas por Kram quatro funções psicossociais, que a autora denominou de aceitação-e-confirmação, aconselhamento, amizade e modelagem de papel.

a) Aceitação-e-confirmação

À medida que o mentorado vai desenvolvendo competência no trabalho, o mentor lhe dirige apreciações positivas que o apoiam e estimulam. A função pode operar inversamente: a aceitação-e-confirmação do mentorado em relação ao mentor fazem com que este se sinta útil aplicando seu conhecimento e sua experiência. Assim, ocorre uma afeição e um respeito mútuos, e a relação ganha sustentação psicológica. É transmitida uma confiança básica que torna a perspectiva de riscos pelo mentorado menos assustadora, encorajando-o a experimentar novos comportamentos. Ele sabe que a ocorrência de erros não implicará rejeição por parte do mentor (KRAM, 1988).

Citando Rogers (1961), Johnson e Ridley (2008) defendem a ideia de que essa função assume a condição de uma consideração positiva incondicional12, uma forma de aceitação, cuidado não possessivo e respeito. O mentor escuta pacientemente, transmite interesse verdadeiro e aceita as falhas do mentorado. A aceitação positiva incondicional pelo mentor compreende: (a) a comunicação de um compromisso de trabalhar com o mentorado a partir de uma livre disposição de fazê-lo (esse compromisso é demonstrado pela disponibilidade de atender o mentorado e pela manutenção da confidencialidade); (b) a realização de esforços para entender o mentorado, por meio de perguntas que conduzem a esclarecimentos e de uma postura não impositiva sobre ele; (c) a expressão de uma atitude não-julgadora: o mentor não julga os pensamentos, sentimentos e ações do mentorado; em vez disso, aceita-os e procura ajudar o mentorado a entender como cada um deles pode influenciar a conquista de suas aspirações.

12 Rogers (1977a) revela que a expressão “consideração positiva incondicional” não é dele: foi colhida do trabalho de Standal (1954).

b) Aconselhamento

O mentorado pode ser tomado por conflitos internos derivados de sua experiência organizacional. Disso resulta que ansiedades, medos e sentimentos conflitantes acabam por prejudicar a sua produtividade. Nesse cenário, o mentor assume o papel de “caixa de ressonância” confiável que serve à exploração e avaliação dessas questões. Ele oferece sua experiência pessoal, sugere alternativas. Apoia através de feedback e escuta ativa. No processo, o mentor se torna um confidente e o mentorado se sente confortável por ter alguém com quem pode compartilhar suas preocupações sem se expor a outras pessoas e abordar problemas que interferem na sua eficiência e autovalorização. Com tudo isso, o indivíduo se sente mais capaz de lidar eficazmente com suas preocupações e dilemas (KRAM, 1988). O’Neill (1997) sintetiza, afirmando que essa função se perfaz através de orientações e conselhos sobre questões pessoais providos com apoio emocional.

A maior parte das preocupações e dificuldades dos mentorados, de acordo com Johnson e Ridley (2008), podem ser divididas em três categorias: preocupações sobre desenvolvimento de competência profissional e satisfação com a carreira (percepção de incompetência – “síndrome do impostor”13 – e dúvidas sobre o quanto o mentorado está alinhado com o caminho que sua carreira está tomando); preocupações sobre o gerenciamento de relações profissionais (contatos com pessoas difíceis – pares ou superiores) e preocupações com o gerenciamento de demandas conflitantes entre a carreira e a vida pessoal (papeis diversos assumidos no trabalho, na família e na comunidade). Para esses mesmos autores, no exercício da função de aconselhamento o mentor deve entender que há três aspectos inevitáveis: a responsabilidade de dar conselhos baseados em sua sabedoria, oferecer liberdade para o mentorado explorar questões pessoais e profissionais e reconhecer as limitações de seu papel, ou seja, nunca tentar assumir o papel de um profissional de saúde mental, como um psicoterapeuta.

c) Amizade

Afeição e compreensão mútuas – ao lado de trocas informais agradáveis sobre experiências dentro e fora do mundo do trabalho – são consequências da interação social entre mentor e mentorado. Essa função satisfaz a ambos, visto que melhora as experiências no trabalho. Na prática, eles compartilham experiências e fazem atividades em conjunto, não necessariamente no ambiente de trabalho. Isso aproxima o mentorado da impressão de ser um

13 Sentimento de que as conquistas não acontecem por merecimento próprio, apesar das evidências em contrário. A pessoa se sente como um impostor porque acredita intensamente que não é inteligente e que de fato enganou as pessoas que a consideram altamente capaz (CLANCE; IMES, 1978).

colega do outro. Ao longo do tempo, por sentir-se mais à vontade em relacionar-se com alguém de um nível mais alto, ele circula mais facilmente entre os que se situam nesse patamar. Geralmente, porém, a função de amizade possui limites, para evitar conflitos gerados pelos papéis (pessoas separadas hierarquicamente e, ao mesmo tempo, amigas), como constrangimentos nas ocasiões em que é preciso julgar o outro (KRAM, 1988).

Johnson e Ridley (2008) consideram que na mentoria se pratica uma “amizade de colegas mutuamente crescente”. Essa mutualidade pode evoluir, à base de respeito, confiança e afeto, para uma relação que toma novos rumos. A esse propósito, Kram (1983, 1988) aponta que a amizade é uma das formas que o relacionamento pode tomar na fase de redefinição, quando as experiências de mentoria já foram amplamente vividas: a amizade segue agora entre pares, sem distinção hierárquica. Gardiner (2008) defende que na mentoria de caráter formal (planejada, não espontânea) a amizade é do tipo “profissional” e não pessoal. Ela é mais objetiva, apresentando um grau de distanciamento maior do que o que existe entre amigos pessoais.14

d) Modelagem de papel

É a função do exemplo, do espelhamento. O mentor serve como objeto de admiração, respeito e imitação para o mentorado, que vê naquele uma fonte de atitudes, valores e comportamentos dignos de serem seguidos. É um processo de aprendizagem por observação, tácito. A modelagem de papel tem efeito porque é formado um vínculo emocional. Esse papel pode até mesmo ser exercido sem que o mentor esteja consciente disso. Também o mentorado pode não estar consciente de sua identificação com aquele modelo. Não necessariamente o modelo será imitado em sua totalidade: alguns aspectos podem ser admirados e outros, relegados (KRAM, 1988). Ensher e Murphy (2005) apontam a situação especial em que um indivíduo pode servir de modelo sem ser parte de uma relação: o “mentor inspirador”. Ele é um exemplo admirado em virtude da filosofia que assume, pela forma como realiza suas aspirações ou pelo seu modo de vida. Alguns estudos posteriores ao de Kram (1980), que serão apresentados mais adiante, sugerem que a modelagem de papel constitui uma categoria independente, configurando o modelo de mentoria com três dimensões funcionais.

14 O conceito de amizade é ambíguo (KRACKHARDT; STERN, 1988), a tal ponto que um dos problemas fundamentais na literatura sobre amizade é o que se quer dizer por amigo (YAGER, 1998). O tratamento dessa questão se limitará ao aqui exposto, pois o seu aprofundamento exigiria ultrapassar o escopo deste trabalho.