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CAPÍTULO I – Cinema, mercado e Estado no Brasil

1.1 Cinema e Estado no Brasil: uma breve retrospectiva histórica

1.1.3. A ditadura civil-militar e a ascensão da TV

O golpe se inicia com a derrubada do governo de João Goulart, e estabelece um regime militar que durou 21 anos e pelo qual passaram diferentes governos militares. Neste período, houve uma busca pela centralização da administração do país, incluindo um debate sobre como elaborar uma política nacional de cultura.

O Estado passa a investir em órgãos de comunicação, sendo reformulado o Conselho Nacional de Cultura e criado o Conselho Federal de Cultura (CFC – 1966), cuja

16 Jânio Quadros – da União Democrática Nacional, um partido conservador – renunciou em agosto de 1961 ameaçado, segundo suas próprias palavras, por “forças ocultas”. Seu vice – João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro, de cunho popular – encontrava-se em visita à União Soviética e à China. Alegando risco do país cair nas mãos de grupos comunistas, uma Junta Militar assumiu o governo para impedir a posse de Jango. A resistência democrática de respeito à Constituição se iniciou em Porto Alegre – Movimento da Legalidade – liderada por Leonel Brizola, então governador do estado do Rio Grande do Sul. Através de uma rede de rádios que aos poucos foi se nacionalizando, Brizola conseguiu o apoio do III Exército, sediado no Sul, e reverteu o quadro político. Intensa negociação que envolveu, inclusive, a mudança do presidencialismo para parlamentarismo, garantiu a posse do novo presidente e atrasou por três anos o golpe de 1964.

função era analisar os pedidos de verba ao MEC, direcionando apoio a uma série de ações, assim como a recuperação das instituições nacionais, tais como a Biblioteca Nacional (CALABRE, 2007, p. 91).

Nesse período, foram criadas as empresas Telebrás e Embratel com o objetivo de nacionalizar e manter o controle estatal no setor das telecomunicações. Também são deste período as secretarias estaduais de cultura, o Ministério de Telecomunicações (1967), a Radiobrás (1976) e a Funarte (1975), tendo a criação dessas instituições o objetivo de implementar “[…] a gestão de uma política para a cultura que estava em consonância com o desenvolvimento do capitalismo do Brasil”.

Nesse cenário, foi criado o Instituto Nacional de Cinema (INC), em 1966, que assumiu as funções de promover e estimular o cinema, assim como as políticas públicas para o setor.

O projeto de criação do INC – de seu envio ao Congresso à decisão autoritária – passa a ser, então, um novo marco de referência em torno do qual se colocarão os grupos do campo cinematográfico que, desde os anos 50, lutavam por uma política de cinema. A corrente universalista, à frente do GEICINE, é clara e explícita na sua concepção do que seria o novo órgão, quais suas tarefas e raio de ação. Centralizar a administração do desenvolvimento cinematográfico, criar normas e recursos, e respeitar uma “política liberal” para a importação de filmes, esses eram os seus pontos de apoio. (RAMOS, 1983, p. 51).

A partir desse momento, o papel do Estado foi efetivo no cinema, dado que uma visão industrial só foi colocada em prática com a criação de órgãos culturais federais conduzidos pelos mesmos rumos econômicos e políticos do governo militar. Sendo assim, a partir daí o Estado tornou-se o ator principal para a existência de uma indústria cinematográfica. O grupo nacionalista ficou fora do processo e, portanto, reagia ao INC. Lideranças do Cinema Novo, como Glauber Rocha, integravam protestos criticando a falta de participação dos cineastas no órgão e alertando para o perigo do “dirigismo estatal” e da abertura da produção ao capital estrangeiro17 (RAMOS, 1983, p. 52).

Neste momento a televisão se expandiu e passou a desempenhar um papel fundamental na nacionalização da cultura. Diferentemente do cinema, a televisão brasileira teve seu financiamento via publicidade e isso foi um dos aspectos que a auxiliou a se firmar enquanto indústria, se consolidar e se popularizar através de suas telenovelas e jornalismo no

17 Ainda que houvesse exceções ligadas ao Cinema Novo, como Gustavo Dahl, que eram favoráveis à existência do órgão, a corrente crítica era a maioria.

imaginário nacional. A televisão começou na região Sudeste em 12,4% dos domicílios, sendo que nos anos 80 já estava em 74,1%, alcançando em 2006 praticamente 100% (BAHIA, 2012, p. 161).

O principal ator desse processo de desenvolvimento foi a Rede Globo18. Criada em 1965, aderiu ao projeto do governo militar e beneficiou-se dele, uma vez que essa adesão lhe permitiu se consolidar como a emissora dominante desde então. A estreia em rede nacional do Jornal Nacional, em 1969, apresentava o acordo de interesses que havia entre os empresários da televisão e os militares, apresentando em um mesmo programa “a procura de respeitabilidade da empresa na sociedade e a busca pela ditadura militar do controle de informação” (AUTRAN, 2013, p. 93). Diante de seu amplo poder de alcance, houve uma preocupação por parte de setores da cultura com o impacto sobre as culturas regionais e populares. As telenovelas e séries da Globo foram sendo aprimoradas e são até hoje o grande produto da emissora19, tanto nacional quanto para exportação. O poder de influência da Globo era bastante amplo e repercutia no cinema, quando passaram a ser feitos filmes de astros da emissora como os Trapalhões, que foram sucesso de bilheteria.

Enquanto em outros países, especialmente na Europa e América Latina, o desenvolvimento da televisão ajudou a fortalecer o cinema, no Brasil, a televisão cresceu e desenvolveu-se, principalmente durante o regime militar, sem contribuir efetivamente para desenvolver o setor cinematográfico. (BARONE, 2009, p. 88).

18 O então governador do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, logo após a inauguração da TV Globo (26 de abril de 1965), denunciou o acordo com o grupo norte-americano Time-Life que envolvia alguns milhões de capital estrangeiro na empresa brasileira, que não era permitido pelo artigo 160 da Constituição brasileira, que proíbe a interferência estrangeira em questões nacionais. O acordo envolvia o investimento da empresa norte-americana na compra de equipamentos e na construção da emissora. Isso resultou em uma campanha contra a TV Globo que contou com o deputado João Calmon que era presidente da Abert (Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão) e um dos proprietários dos Diários e Emissoras Associados (grupo ao qual pertencia a TV Tupi). Um processo foi aberto para a investigação no Conselho Nacional de Telecomunicações e posteriormente o deputado Eurico de Oliveira apresentou um requerimento à Câmara pedindo uma CPI. Em 1966 o parecer resultante da Comissão de parlamentares foi desfavorável à emissora, uma vez que alegava que a empresa norte- americana participava na orientação administrativa e intelectual da Globo. Em 1967 o consultor-geral da República Adroaldo Mesquida da Costa emitiu parecer favorável dizendo não haver sociedade entre as empresas e dessa maneira a emissora ficou legalizada.

19 A empresa dispõe hoje de uma infraestrutura rica, como o complexo Projac, centro de produção situado na cidade do Rio de Janeiro, com uma área aproximada de 400 mil metros quadrados, que comporta estúdios dos programas da emissora, cidades cinematográficas, cenários e uma equipe técnica capaz de produzir em escala industrial. A Globo produz e exibe o seu próprio produto, quase não sendo necessária a compra de produção externa, algo que complica muito a situação do audiovisual brasileiro. Ainda assim a Globo costuma exibir filmes em sua programação, e estes são, em sua maioria estrangeiros. Segundo Bahia (2012, p. 175), o número de filmes estrangeiros exibidos na televisão aberta nacional ainda é gigantesco: e, no mais das vezes, trata-se de filmes que a própria emissora coproduziu, exemplo o programa Festival Nacional de 2003.

Ao mesmo tempo em que a televisão servia à ditadura civil-militar como um elemento para integrar e unificar o país, ela era vista por setores cinematográficos como pouco artística, cuja função primordial seria de entreter, diferentemente do cinema, cuja função social seria de conscientização e politização, como um conjunto considerável dos filmes do Cinema Novo.

A colaboração da Rede Globo com a ditadura militar auxiliou que esta se sustentasse no poder, e em troca a emissora teve seus interesses atendidos. O governo investiu na construção de infraestrutura que possibilitasse a disseminação da televisão no país, como a criação da Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel) em 1965, responsável por modernizar as telecomunicações e instalar a conexão via satélite. Para garantir que a programação chegasse ao público foi elaborada uma política de estímulo a crédito para compra de aparelhos televisivos, proporcionando o aumento da atuação da Rede Globo. O governo também foi responsável por altos investimentos publicitários na emissora, o que auxiliou na sua capitalização, e por “fornecer apoio político para aprovação da legislação de seu interesse”. (FERNANDES, 2014, pp. 108-109).

Apesar das críticas de ser um veículo ideologicamente enviesado e um mecanismo exclusivamente de entretenimento, a iniciativa nos anos 1970 com o Globo Shell Especial, depois intitulado Globo Repórter, abriu espaço para diretores como Eduardo Coutinho, Maurice Capovilla, João Batista de Andrade, Walter Lima Jr, entre outros, que puderam trazer uma visão diferente de Brasil.