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CAPÍTULO III – A relação entre o Estado e as políticas para o cinema e o audiovisual na

3.1 Um breve histórico

3.1.1 Da III República à Segunda Guerra Mundial

Basicamente, a institucionalização dos assuntos culturais na França se dá a partir da segunda metade do século XIX, no final do Segundo Império, quando Napoleão III nomeia Alexandre Colonna Walewski como ministro de Estado responsável pelas Belas Artes. Este inicia, em 1862, a construção da Ópera Garnier e apresenta um projeto de lei sobre a propriedade artística e literária. Sucede o ano de 1870, início da guerra entre a França e a Prússia, da qual a primeira sairia derrotada no ano seguinte. Neste período vemos duas tentativas frustradas consolidar a cultura por meio da criação de instituições. Em maio de 1870, o governo de Émile Ollivier cria o Ministério de Belas Artes, posteriormente ampliado para Letras, Ciências e Belas Artes, e o confia a Maurice Louis Richard. No entanto, esse ministério não integra os museus, os quais permanecem sob a tutela da Casa do Imperador, e a nova pasta não vai durar além do próprio ano de 1870. Suas atribuições serão basicamente repartidas entre o ministério de Trabalhos Públicos e o de Instrução Pública. A tentativa seguinte se deu em 1881, quando Léon Gambetta nomeou Antonin Proust ao recém-criado posto de secretário de Belas Artes, com estatuto de ministério. Proust criou instituições como a Escola do Louvre, de ensino de história da arte e museologia, porém seu mandato não durou

mais que três meses. Daí por diante, até a década de 1930, a institucionalização da cultura não teria peso político. Para Dubois, com a efêmera exceção da pasta de Antonin Proust, a partir de 1870 e

ao longo da III República, o tratamento governamental das belas artes permanece parcialmente assegurado por uma simples direção ou subsecretariado de Estado (criado em 1875) com atribuições que variam muito. Consideradas e debatidas repetidas vezes, a formação de um novo ministério e, com ela, a formalização de uma política artística não foram, no entanto, jamais alcançadas. (DUBOIS, 2001, p. 229).

A III República, o regime republicano mais longo da história da França (1870- 1940), será um momento também de instabilidade gerado, principalmente, pelas três guerras que se sucederão neste período: a guerra franco-prussiana, que o inaugura, a Primeira Guerra Mundial e a Segunda, que o encerra. Após as duas experiências curtas e caóticas supracitadas no âmbito da cultura, os governos apenas instituirão um subsecretariado de Estado para as Belas Artes inserido no Ministério da Instrução Pública. Até os anos 1930, mais de uma dezena de subsecretários passarão pela pasta com ações pouco notáveis.

O ano de 1895 é dado como o ano oficial do nascimento da cinematografia, e já no ano seguinte tem início a época dourada do império Pathé. A inauguração da sociedade Pathé Frères é realizada com o objetivo de fabricar aparelhos elétricos, especialmente fonógrafos. Em 1897 a eles se associa Claude Grivolas que, juntamente com o financista Jean Neyret, fundam a Compagnie Générale de Cinématographes, Phonographes et Pellicules91

com foco na exploração comercial da nova tecnologia. A Pathé Frères se apresenta na Exposição Universal de 1900 e, já então, haviam passado da venda de aparelhos para a produção de filmes. Nos anos seguintes recebe pedidos de filmes do mundo inteiro e em 1904 abre seu primeiro escritório nos Estados Unidos, sob protestos americanos que reivindicavam monopólio do mercado nacional. Meliés e sua empresa Star Film já estava por lá desde 1902. Em pouco tempo a Pathé abocanha metade do mercado norte-americano. Desde 1904 também haviam se instalado em Moscou e Bruxelas.

Em 1905 abriram sucursais em Berlim, Viena e São Petersburgo. A partir de 1906 começam a abrir salas de cinema em Paris, com uma cláusula de exclusividade para seus filmes. Os concorrentes se apressam em abrir outras salas e em pouco mais de um ano Paris já contava com 100 salas de cinema. Vinte delas são afiliadas à Pathé, que alimenta duzentos

cinemas na França e Bélgica. De excelente qualidade, cada sala possuía sua própria orquestra sinfônica, cantores e, às vezes, uma equipe para reproduzir ruídos. A Pathé passa a conceder o monopólio a grupos regionais para a reprodução de seus filmes, fornecendo a esses grupos todo o material necessário, garantindo a exclusividade para eles (e deles) e recebendo uma porcentagem dos lucros. Em 1909, esse sistema foi aceito como nova norma pelo Congresso Internacional dos Produtores de Filmes, com sede em Paris. A ênfase da empresa foi dada à distribuição, ficando a produção em segundo plano. Em 1908 é fundada a Le Film d’Art com o objetivo explícito de produzir filmes a partir de roteiros assinados por autores contemporâneos e com artistas consagrados. Desta mesma época é a Société Cinématographique des Auteurs et Gens de Lettres (SCAGL), da qual Charles Pathé é acionista. Se entre 1906 e 1908, a Pathé havia liderado o mercado cinematográfico de Nova York com um terço dos filmes apresentados naquela cidade, isso não significava que os americanos não reagiriam. Em 1909 é criado nos Estados Unidos um órgão oficial de censura - o National Board of Censorship. A saída da Pathé é se voltar para a Europa central e oriental, regiões que ela já controlava através da seção fonográfica da empresa. A Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918, mudará para sempre a face da Pathé, já que, com o final da guerra, a concorrência aumenta. Os norte-americanos D.W. Griffith e Mary Pickford, ele um diretor de sucesso e ela uma das grandes divas do cinema mudo, juntam-se a dois outros famosos: Douglas Fairbanks, ator, e o brilhante Charles Chaplin para fundar a distribuidora United Artists em 1919.92 Os alemães tentam recuperar o tempo perdido inaugurando um grande estúdio conhecido pela sigla UFA, que será responsável por grande parte da idade de ouro do cinema daquele país.

Se os maiores estúdios do mundo estavam na França, entre os quais o Gaumont,93 por todos os lados surgiam novos partícipes no mercado. Os cineastas de países dos dois lados do Atlântico tinham conhecimento das inovações lançadas. O mestre do cinema americano, David Wark Griffith não foi o ‘inventor’ da montagem propriamente dita, mais um experimentador esclarecido da narração cinematográfica vinda das experiências francesas.94 Abel Gance tirará partido das lições de Griffith, de quem teve oportunidade de assistir a O Nascimento de Uma Nação (Birth of a Nation) em 1915, em Londres.

92 Cf. FINLER, 1997, p. 137.

93 A Gaumont produz em 1927 o filme épico de 6 horas sobre a vida de Napoleão, dirigido pelo inovador Abel Gance.

94 Cf. MARINONE, Isabelle. Cinema e Anarquia. Uma História “Obscura” do Cinema na França (1895-

1935). Tradução Adilson Mendes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue Editorial Ltda, 2009, além de HAMUS-

Se o protagonismo na produção e distribuição marcou esta primeira etapa das grandes empresas, o surrealismo será a nova marca artística do cinema francês. Nas palavras de Artaud: “Há no cinema uma parte de imprevisto e de mistério que não encontramos nas outras artes”.95 A partir de 1924 o cinema surrealista rompe com qualquer forma narrativa ou sequência de roteiro. São notórias as experiências de Man Ray, de Hans Richter e de Fernand Léger. A partir de 1927, surgem nas telas A Concha e o Clérigo, de Germaine Dulac e Antonin Artaud, Um cão andaluz (1928) e A idade do ouro (1930), de Luís Buñuel.96 Este último é um dos primeiros filmes sonoros filmados nos estúdios Billancourt nos subúrbios de Paris. Marcado por protestos em suas exibições, o vínculo entre cinema e política aparecia em toda a sua extensão.97

Vale destacar que data do início do século XX o surgimento das chamadas Coletividades Locais, que desempenham um papel importante na política francesa de apoio à cultura. As coletividades trarão a intervenção das municipalidades nos setores artísticos e culturais, financiando, por exemplo, museus, bibliotecas e conservatórios de música, e, portanto compartilhando com o Estado o financiamento da cultura (POIRRIER, 2000, p. 27).

Se os anos 1920, em toda Europa, foram marcados por movimentos de contestação no campo das artes, isto pode ser observado também com relação à vida política de muitos países. Desde 1922 a Itália vivia a experiência fascista, sob o comando de Mussolini. A Alemanha debatia-se no confronto entre esquerda e direita, a profunda crise decorrente da derrota na Primeira Guerra e da crise de 1929 que levariam à queda do regime de Weimar e à ascensão do nazismo. Não seria diferente na França: desde o início dos anos 1930 o país passava por uma crise econômica e social que tem como consequência, em 1936, a chegada ao poder do Front Populaire98, uma frente de esquerda que se manterá no governo

até 1938. Será Léon Blum que dará a vitória ao Front Populaire e ficará à frente da primeira experiência socialista da III República. Seu governo foi determinante na maneira como o poder público abordou o setor artístico e cultural, maneira esta que pode ser esquematizada, segundo Poirrier, em três ideias-chave: (1) a convicção de que é necessário e legítimo que o Estado interfira financeira, administrativa e politicamente no domínio da cultura e isso passa pela construção de uma política; (2) a vontade de democratizar a cultura; (3) e, por fim,

95 Antonin Artaud, Ouvres Complètes, Tome III – Cinéma. apud MARINONE, I. 2009, pp. 186-333. 96 Cf. BUÑUEL, Luis. Meu Último Suspiro. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Cosac Naify, 2009. 97 Protagonizaram as ações de protesto principalmente os Camelots du Roi e as Jeunesses Patriotiques, movimentos de extrema direita.

98 Para mais informações, ver ORY, Pascal. La belle illusion: culture et politique sous le signe du Front Populaire (1935-1938). Pars : Plon, 1994.

dedicar uma atenção especial à educação nacional, notadamente à juventude (POIRRIER, 2000, p. 30-31)

No dia 3 de maio de 1936 ocorre o segundo turno das eleições legislativas da França. A maioria dos votos vai para a coalizão de esquerda, o Front Populaire, liderada pela figura carismática do socialista Leon Blum. Juntamente com Blum, faziam parte da coalizão Maurice Thorez, do partido comunista, e Edouard Daladier, do partido radical-socialista. Esta vitória cria uma grande expectativa nas classes populares, abaladas pelos anos de crise econômica e, tão logo o governo se instala, começaram a eclodir greves em todo o país. Fábricas, canteiros de obras, minas e casas de comércio são ocupadas. Apesar deste clima, o governo consegue realizar um acordo entre representantes patronais e os sindicatos – os Acordos de Matignon – que introduz várias reformas no campo dos direitos sociais: descanso semanal remunerado, semana de 40 horas (no lugar das antigas 48h) para todos os assalariados, fundo nacional de desemprego e aposentadoria para os velhos trabalhadores. Além disso, reforma a organização do Banco da França, estatiza as principais fábricas de armamentos, estabelece os princípios da escola laica e cria um departamento interprofissional do Trigo para controlar a distribuição dos cereais e lutar contra os especuladores. A França de então se via dividida por forças políticas que defendiam o governo e grupos simpatizantes da extrema direita que já dominava a Itália (fascismo de Mussolini) e Alemanha (nazismo de Hitler). A Ação Francesa (Action Française) e as Juventudes Patrióticas (Jeunesses patriotes) são exemplos de grupos que pensavam numa saída autoritária e anticomunista para o país. Como os comunistas seguiam as determinações da Terceira Internacional (luta contra a burguesia e ataque ao capitalismo), muito cedo se abre a crise dentro do próprio governo, pois os socialistas (SFIO) eram vistos como simples reformistas.99

A experiência do Front populaire foi extremamente marcante na história francesa, apesar do período restrito em que vigorou. Isto vale para o campo cultural onde, a entrada das massas populares no jogo político alterou a tradicional visão de consumo artístico. O cinema não ficou à margem dessas mudanças e vários cineastas registraram essas mudanças. Jean Renoir realizou filmes, hoje clássicos, sobre o período.100

99 Para maiores detalhes sobre o Front Populaire ver: Louis Bodin et Jean Touchard. Front populaire, 1936, Paris, Armand Colin, 1985 (1re éd. 1961), 233 p. Ver também THÉORÈME. Le Front populaire et le cinéma français (vol. 27). Revue de l'Institut de Recherche sur le Cinéma et l'Audiovisuel. IRCAV. Paris : Presses de la Sorbonne Nouvelle, 2017.

100 Filmes de Jean Renoir: 1936 – La vie est à nous; 1936 – Le crime de monsieur Lange; 1938 – La Marseillaise.

O Front Populaire tem a vontade de ‘popularizar’ a cultura, que considera muito elitista. Ele desenvolve os movimentos de educação popular e de juventude no Ministério de Educação Nacional […]. Essa tendência atinge todos os setores mas particularmente o teatro e os museus, com o surgimento da preocupação da conservação dos ‘savoir-faire’ (etnologia), e uma política de abertura de museus. Além disso, com a invenção das férias pagas, nasce a noção de lazer. (MOULINIER, 2010, p. 4).

Provavelmente os dois grandes nomes desse período são Léon Blum e Jean Zay. O primeiro, importante nome do socialismo francês, foi presidente do Conselho de Ministros, portanto chefe do governo francês, de junho de 1936 a 1937, época em que conseguiu importantes avanços sociais, bem como a nomeação de três mulheres como secretárias de Estado. Jean Zay, jovem advogado e deputado, assume o Ministério da Educação Nacional e Belas Artes com apenas 32 anos. Ele democratiza e moderniza o sistema escolar francês, e prepara a criação do CNRS (Centro Nacional da Pesquisa Científica) e do Festival de Cannes, cuja primeira edição teria se dado em setembro de 1939, caso a Segunda Guerra Mundial não tivesse começado. Sob seu governo, foram criados o Museu do Homem (herdeiro do Museu de Etnografia do Trocadéro), o Museu de Arte Moderna e o Museu Nacional de Artes e Tradições Populares.

Embora neste período tenham sido realizadas mudanças importantes no setor cultural, esta política encontrou dificuldades em função da situação econômica que atingia então a França, assim como do pouco tempo que durou o governo socialista, e mesmo em função de elementos próprios ao regime parlamentarista, visto que “as modalidades de funcionamento entre a Câmara dos Deputados e o Senado representam uma verdadeira máquina de ‘enterrar’ os projetos mais inovadores” (POIRRIER, 2000, p. 37).

Como o momento político e econômico também prejudicava o cinema, apareceu a necessidade de se criar um local que unisse os profissionais do cinema francês e definisse os limites de suas atividades. Foi Guy de Carmoy, inspetor de finanças que formulou um documento sobre as causas da crise que vivia o cinema francês e apresentou a Jean Zay. Neste documento ele previa a criação de um órgão corporativo único, obrigatório e soberano, que viria futuramente a tratar-se do Comitê de Organização da Indústria Cinematográfica (COIC). Esse relatório daria frutos poucos anos depois, ironicamente no período de ocupação nazista na França, com o Regime de Vichy, quando então o cinema seria repensado para se tornar uma indústria101.

Embora a passagem do Front Populaire pelo poder tenha sido rápida, ela estreitou a relação entre o Estado e a Cultura, prática que será um pilar para propostas que serão seguidas nos anos futuros. “[…] a relação entre Estado e o cinema remonta a bem antes de 1959, antes de 1946, e antes de 1940. São os debates dos anos 1930 que contribuíram a constituir os fundamentos dos mecanismos existentes ainda hoje”. (AUCLAIRE, 2014, p. 19). Após a invasão da Polônia pela Alemanha, em 1939, não tardou para que esta lançasse sua ofensiva ao ocidente, e a França foi ocupada em 1940. Um acordo foi firmado e a França foi dividida em duas partes: uma, que envolvia a região norte e ocidental, assim como a costa atlântica, administrada pela Alemanha; o restante do país teria um governo francês encabeçado por Philippe Pétain, a partir da nova capital na cidade de Vichy, no centro da França mas prestando contas ao invasor alemão.

Depois de assinado o Armistício102 (22 de junho de 1940) os cinemas de Paris reabriram e quatro ficaram exclusivos para as tropas alemãs (Rex, Marignan, Empire e Palais Chaillot). Os grandes centros de atividade cinematográfica foram diversificados, além de Paris, Marseille com os estúdios de Marcel Pagnol e Nice com os estúdios La Victorine. Foram proibidas as projeções de filmes americanos, deixando o mercado livre para a produção alemã, algumas italianas e as próprias francesas.

Segundo Bertin-Maghit (1978, pp. 91-93), a organização cinematográfica de 1940 a 1944 esteve na mão de um poder tricéfalo: o do governo, um Comissariado Geral da Informação, com um Serviço de Cinema que se tornará, em abril de 1942, a Direção Geral do Cinema; o do COIC (Comité de Organização da Indústria Cinematográfica), criado em outubro-dezembro de 1940; e o das autoridades alemãs por intermédio do Dr. Otto Dietrich e seus serviços de Propaganda Abteilung.103

O serviço de controle dos filmes que até então estivera ligado à Direção Geral de Belas Artes torna-se Serviço do Cinema e fica vinculado ao Comissariado Geral da Informação. Até 1942 vai depender do Vice-presidente do Conselho que passa a ser o Diretor

102 O Armistício foi o acordo realizado quando do cessar-fogo e o fim das hostilidades entre as tropas do Terceiro Reich e as da República Francesa. Simbolicamente assinado em Rethondes, no mesmo local onde tinham assinado o armistício de 11 de novembro de 1918 que pôs fim à Primeira Guerra Mundial. Pela França assinaram o general Charles Huntziger e pelo embaixador Léon Noël. Receberam do general do Reich, Maxime Weygand, o novo Ministro de Defesa, as instruções formais de cumprir as três exigências alemãs: a ocupação total de todo o território, a entrega da frota e a instalação dos alemães em território francês.

Geral do cinema, ligado ao Secretariado de Estado para a Informação, cujo ministro é Pierre Laval.104

O Serviço de Estado do Cinema tinha três seções: 1) da indústria cinematográfica; 2) da propaganda, dividida em atualidades, documentários e cinema educativo; 3) jurídica e financeira. Havia, também, o serviço de censura sob a responsabilidade do Serviço Geral de Informação ligado à seção das indústrias cinematográficas, exercido por um secretário geral juntamente com uma comissão consultiva constituída por membros dos ministérios de Relações Exteriores, do Interior, da Defesa e da Juventude, do Comissariado da Família, do COIC e da Legião francesa de combatentes (BERTIN-MAGHIT, 1978, p. 95).

Em julho de 1940 o Dr. Dietrich ‘convida’ os profissionais do cinema a constituir um grupo corporativo para cada ramo da indústria: proprietários e diretores de salas, distribuidores de filmes, indústrias técnicas, técnicos de arte, atores e atrizes, produtores. Esta será a base do COIC. A propaganda abteilung, sob o comando de Dietrich, trata da censura, do controle do COIC e da propaganda propriamente dita. A UFA, empresa alemã, cria uma filial na França – a Continental. Esta será responsável por 30 dos 220 filmes realizados no período da ocupação. Os filmes são distribuídos pela Aliança Cinematográfica Europeia (ACE), de capital alemão. A UFA dirige a realização das atualidades cinematográficas para a zona ocupada: as Atualidades Mundiais.

Apesar da ocupação e do fato de boa parte dos diretores e atores terem migrado para outros países,105 o cinema francês conheceu uma fase de expansão, principalmente entre 1942 e 1943. A receita do setor, que em 1938 era de 452 milhões de francos, passou para 915 milhões em 1943. Várias são as hipóteses para esse crescimento: provavelmente a mais relevante tenha sido a proibição da projeção de filmes americanos no território francês; mas não se pode negar a rearticulação do mercado, juntamente com a conjuntura de guerra – poucas atividades culturais e mesmo o conforto do cinema, em geral mais aquecido que a maioria das casas.

Contraditoriamente, através da Continental, o nível do cinema francês foi elevado em termos de padrão de profissionalismo e competência técnica. A reorganização da indústria cinematográfica também foi preparada através do COIC. E, ainda em janeiro de 1944, foi criado o Instituto de Altos Estudos Cinematográficos (IDHEC).

104 Pierre Laval, depois do Marechal Pétain é a figura mais importante do regime de Vichy. No final da guerra é preso e condenado por alta traição e fuzilado.

105 Estados Unidos e mesmo América do Sul receberam diretores e atores franceses: Jean Renoir, René Clair, Max Ophuls, Jean Gabin, Charles Boyer, Michele Morgan entre outros).

Com a desocupação da França pelos nazistas, o COIC será substituído pelo Gabinete Profissional do Cinema (OPC, na sigla em francês), que posteriormente se tornaria o Centro Nacional da Cinematografia (CNC).