• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II – O documentário brasileiro, uma análise dos dados estatísticos do mercado

2.2 O documentário nacional na sala de cinema: uma radiografia do setor

2.2.3. O resultado desta produção nas salas de cinema

2.2.3.2. O número de salas no lançamento (1995-2016)

De modo geral, os documentários brasileiros não costumam realizar lançamentos em um amplo número de salas de cinema. Essa realidade pode ser evidenciada no próximo gráfico.

81 Embora a ficção também concentre uma maior faixa de público em filmes de baixo orçamento, pode-se admitir que a presença dos documentários provoca alguma alteração com relação a uma análise exclusivamente de filmes ficcionais; todavia, ela não é significativa. A curva descendente observada em todos os gráficos que organizam as produções em faixas de público não faz senão ficar mais branda, mas ainda bastante acentuada.

Gráfico 13 – Máximo de salas de lançamento (1995-2016)

Dentre o conjunto de todos os documentários lançados entre 1995 e 2016, vemos que um quarto deles foi lançado em apenas uma ou duas salas; metade deles, em até cinco salas; e 78,2%, em até dez salas. Isso indica que o reduzido público em salas para esses filmes pode ser consequência do pequeno número de salas de exibição.

Mesmo assim, não há uma receita de sucesso simples a ponto de vincular o número máximo de salas e uma grande bilheteria. Há uma série de filmes que conseguiram alcançar um conjunto maior de salas, o que é importante para a sua carreira, mas que obtiveram um resultado relativamente fraco, diante do orçamento e do número de cópias distribuídas.82 É o caso de Damas do samba (2015), que com 9 cópias alcançou público de 716 espectadores; de Soberano 2 – A heróica conquista do mundial de 2005 (2012), cujas 51 cópias lhe renderam 13,6 mil espectadores; ou ainda de Pelé eterno (2004), que foi lançado em 150 salas com um orçamento de R$ 4,5 milhões e obteve 257 mil espectadores. Só para comparar com este último, tanto Todos os corações do mundo (1996) quanto Vinicius de Moraes (2005) conseguiram públicos superiores com número bem menor de cópias – 86 o primeiro, e 32 o segundo. Há exemplos contrários, que com um pequeno número de salas de exibição conseguiram alcançar muitos espectadores, como Justiça (2004), com três cópias e público de 28 mil, Pro dia nascer feliz (2007), com cinco cópias e 51 mil de público, e, caso extremo, Janela da Alma (2002), que foi lançado em quatro salas e obteve 141 mil espectadores.

O sucesso de um filme pode envolver variáveis que vão além daquilo que pode-se prever através do orçamento, número de cópias e salas de exibição, entre outros. Um elemento importante a ser avaliado com o número de salas de exibição é o tempo que um filme fica em cartaz, pois este pode ser exibido em um único cinema e construir seu sucesso ali. A título de exemplo selecionamos alguns filmes que fizeram bilheterias acima dos 50 mil espectadores e que tiveram um número baixo de salas exibindo-os: Paulinho da Viola – Meu tempo é hoje (2003), com 6 salas; Edifício Master (2002), com 7 salas; e Santiago (2007), com 3 salas. Vale destacar que todos os filmes listados foram distribuídos pela Videofilmes,83 que é uma 82 Podemos quantificar essa “taxa de sucesso” por meio de um índice de espectadores/cópia, que mostra a correlação entre o público que o filme alcançou e o número máximo de salas em que foi exibido. Tal índice não tem um valor científico, pois vimos de dizer que há muitos outros fatores envolvidos no sucesso de um filme. No entanto, é possível afirmar que um índice baixíssimo de espectadores por cópia – por exemplo 151, caso do documentário Cidade de Deus – 10 anos depois (2015), resultado de 3,6 mil espectadores divididos por 24 cópias – indica que havia uma expectativa por parte da produtora de atingir um público maior, expectativa essa que não foi alcançada.

83 A empresa Videofilmes foi criada pelos irmãos João Moreira Salles e Walter Salles nos anos 80. Eles realizaram publicidade, séries para televisão e cinema, sendo que, em um primeiro momento, a empresa era

das empresas responsáveis pela produção e distribuição de parte dos filmes analisados no período.

Mauricio Andrade Ramos,84 que foi diretor da empresa no momento da nossa pesquisa, opina que é muito difícil um documentário conseguir retorno financeiro: “Se considere um felizardo quem conseguir se remunerar, seja com seu trabalho de diretor, seja o trabalho de produtor, seja uma taxa de administração da produtora, quer dizer, já é uma coisa bastante difícil que você consiga ter um orçamento correto, justo.” (RAMOS, 2010).

Vemos, assim, que o retorno financeiro do documentário é algo difícil, porquanto se trata de um produto, na maior parte dos casos, com poucos atrativos comerciais. João Moreira Salles também compartilha da ideia de que dificilmente o documentário será um empreendimento lucrativo. Para ele isso se deve ao fato de ser um produto de nicho, visto e consumido por poucas pessoas:

O documentário não tem nenhuma característica da poesia, mas, assim como a poesia, conversa com menos leitores do que a ficção. E você não pode medir a poesia pelo número de leitores que tem. Quem lança poesia sabe que está lançando um livro que, com sorte, falará com 1.500 pessoas, uma tiragem de 3.000 é uma tiragem corajosa. Se você lançar um livro de poesia, achando que você vai lançar um livro de ficção, com 30 mil, você vai se frustrar. Isso não quer dizer que o poeta não queira e não se esforce para falar com essas 30 mil pessoas. (SALLES, 2010).

Para lançar um filme comercialmente, é preciso seguir algumas condições mínimas para que ele, independentemente de seu orçamento, “passe a existir”; caso contrário, a obra pode ter pouca ou nenhuma repercussão. Segundo Andrade Ramos, para um lançamento ser minimamente bem feito existem alguns elementos-chave que devem estar previstos no orçamento para não correr o risco de serem cortados por falta de verba: um número razoável de cópias, que varia conforme o orçamento; uma assessoria de imprensa;

destinada a projetos pessoais dos irmãos – posteriormente sendo ampliada para demais autores. Apesar de os dois atuarem em vários ramos do audiovisual, Walter demonstrou maior afinidade com a ficção e João com o documentário. Entre os filmes produzidos pela empresa se encontram, do próprio Walter, obras como Central do

Brasil (1998), Abril Despedaçado (2001) e Linha de Passe (2008), além de diretores como Fernando Meirelles e

Kátia Lund, com Cidade de Deus (2002), e Karim Aïnouz, com Madame Satã (2002). Entre os documentários, a Videofilmes produziu obras de João, como Santiago (2007), Entreatos (2004) e Nelson Freire (2003), além de diretores como Izabel Jaguaribe, com Paulinho da Viola – Meu Tempo é Hoje (2003), e Renato Terra e Ricardo Calil, com Uma noite em 67 (2010).

84 Mauricio Andrade Ramos: produtor e distribuidor. Atual diretor executivo da empresa de cinema e audiovisual de São Paulo (SPCINE). Foi diretor da empresa Videofilmes até 2011. Lá atuou na produção de filmes como: Central do Brasil (1998), Lavoura Arcaica (2001), Madame Satã (2002), Edifício Master (2002),

Paulinho da Viola – Meu Tempo é Hoje (2003), Santiago (2007), Jogo de Cena (2007), Quincas Berro D'água (2010), Uma Noite em 67 (2010), entre outros, sendo que em alguns desses citados dividiu a produção com João

cartazes, flyers e fotos em alta resolução do filme; cópias do filme em fita betacam, dvcam e DVD;e um trailer. Os valores destinados para um lançamento podem variar imensamente. A Videofilmes costuma ser ponderada neste aspecto. Se a empresa vai distribuir um diretor estreante, tais valores devem ser muito bem pensados.

Acho que R$ 150 mil é um documentário com um potencial, acho até uma soma alta. Agora, acho que por menos de R$ 30 mil, R$ 40 mil, você não faz um trabalho digno, e aí também o filme merece – independente do tamanho do seu público –, ele tem com certeza valores artísticos, tem valores didáticos, ele tem valor humano, independente do tema que ele escolhe. (RAMOS, 2010)

Uma estratégia de distribuição que merece ser mencionada é a do documentário Santiago (2007), de João Moreira Salles, realizada por Mauricio Andrade Ramos. O modelo adotado foi muito bem-sucedido. Segundo Ramos, houve um conjunto de fatores favoráveis e o filme “aconteceu”, tanto no nível da crítica como no de festival. Contou com distribuição própria e ultrapassou 50 mil espectadores. O filme teve três cópias. Uma delas ficou inicialmente no Rio de Janeiro e outra em São Paulo, tendo depois circulado pelo Brasil. A última ficou exclusivamente no Instituto Moreira Salles e lá permaneceu por um ano em cartaz, oferecendo uma sessão às 14h e fazendo uma média de público de 50 pessoas por sessão. Ramos considera que a disponibilização de muitas cópias pode tirar logo o filme de cartaz, por isso adotou a distribuição mínima.

O documentário é um tipo de produto que tem uma natureza de público especial e próprio: ele se torna conhecido num processo com um tempo diferenciado da ficção, precisando de um “boca a boca” para ir se mantendo em cartaz. João Moreira Salles considera que a redução do número de cópias pode ser uma boa aposta, sempre ponderando o tamanho do produto a ser lançado.

É melhor você lançar com 3 cópias e fazer 50 mil espectadores do que lançar 100 cópias e fazer 60 mil pessoas. O fracasso é maior e o desequilíbrio econômico é muito maior. Então, é preciso um pouco de bom senso e entender qual é o tamanho do seu público e querer ampliar esse público. (SALLES, 2010).

Conforme as palavras do documentarista, uma das questões fundamentais na distribuição de um produto é saber qual o universo de público daquele filme. Para Ramos, existem os “potencializadores” do filme – atores conhecidos, diretores, prêmios, tudo que seja um atrativo ao público –, mas ele ressalta que, no fundo, o que mais importa é o filme em si,

sua qualidade. No caso do documentário, os filmes musicais vêm se destacando por atrair plateias maiorias e “interagir com esse público, passar alegria, entretenimento e emoção”, em sua opinião.

É bastante comum, no mercado da distribuição nacional, especialmente com os documentários, que a empresa distribuidora não arque com o risco do filme. Em regra, o que ocorre é destinar parte do orçamento da produção do filme para a distribuição, ou viabilizar isso por meio de prêmios:

Teoricamente, o papel de uma distribuidora – aí eu vou ter que me reportar aos Estados Unidos, que é um papel perfeito – é de fazer um orçamento de distribuição, que é responsabilidade do produtor, e ela prova que o risco é dela. Se ela buscou na bilheteria, buscou; se ela não buscou, ok. Não há hipótese de ser feito isso no Brasil, ninguém arrisca um centavo, a não ser os tais 10 projetos de características comerciais ano. (RAMOS, 2010).