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CAPÍTULO III – A relação entre o Estado e as políticas para o cinema e o audiovisual na

3.1 Um breve histórico

3.2.1 A estrutura do CNC

3.2.1.2 Apoios e auxílios do CNC

3.2.1.2.2 Apoios seletivos

Uma vez que o apoio automático pode provocar o desequilíbrio mencionado, há um outro mecanismo de ajuda financeira que representa relevante contraponto a ele.

É importante lembrar que o apoio automático é calculado indistintamente do beneficiário e somente em função de critérios pré-estabelecidos. Já o apoio seletivo depende do projeto apresentado, se ele atende parâmetros específicos ou não. Para fazer essa análise, o CNC designa uma comissão da qual fazem parte agentes do mercado, como diretores, roteiristas e produtores. Essa comissão, que conta com um presidente, três vices e 25 membros e suplentes, é dividida em três colégios. O primeiro analisa os projetos de primeiros longas-metragens de realizadores (estreantes, portanto); o segundo, projetos de diretores que já realizaram ao menos um longa-metragem; o terceiro analisa os filmes após sua realização. Segundo o CNC, o total deste auxílio ultrapassa 25 milhões de euros por ano, sendo auxiliados cerca de 60 filmes anualmente, cada um com um valor médio de 400 mil euros.

Existem dois tipos de apoio seletivo: O adiantamento de receita antes da realização (Avance sur recettes avant réalisation) e após (Avance sur recettes après réalisation)

Esse mecanismo foi criado em 1960, através de um decreto, que direcionava uma verba para filmes de longa-metragem que tivessem poucas chances de conseguir mecanismos de financiamento tradicionais. Por sua ampla extensão e pela lógica de auxiliar filmes com menos apelo mercadológico, este se tornou um mecanismo muito importante na política cultural francesa e do CNC.

O adiantamento de receita antes da realização concede recursos a obras destinadas a uma primeira exibição em salas de cinema. Vale ressaltar que isso não impede que a obra seja exibida na televisão posteriormente, mas que o auxílio torna obrigatória a passagem pelo circuito exibidor. Para conceder essas ajudas pré-realização, os dois primeiros colégios consideram dos projetos a natureza do tema, características, qualidades e as condições de realização do filme. Essa classe de auxílios pode ser pedida pela empresa produtora, pelo

roteirista, pelo diretor ou coautor do projeto desde que tenham nacionalidade francesa, ou de algum país membro da União Europeia, ou que sejam estrangeiros residentes na França.

O adiantamento de receita após realização concede recursos a uma obra após esta ter sido realizada mas não tendo sido ainda exibida. O auxílio deve ser pedido pela produtora e será julgado pelo terceiro colégio. Para ser contemplado, o filme deve justificar um déficit de financiamento: o custo definitivo do filme deve ter ultrapassado o orçamento inicial. É necessário ainda que a produção: tenha respeitado convenções e acordos coletivos de trabalho; tenha pago todos os encargos e contribuições sociais; siga as regras necessárias para a obtenção da autorização de produção do CNC (agrément de production); ateste que sua contabilidade esteja em dia; e apresente um contrato de distribuição do filme em sala de cinema. O pedido deste auxílio deve ser feito em um prazo que permita à comissão julgá-lo antes do início da exibição da obra.

Existem atualmente diversas modalidades de apoios seletivos, algumas mais gerais, outras bastante específicas. Propomos aqui analisar alguns exemplos relevantes de apoios seletivos nas áreas de cinema e audiovisual (TV).

Auxílios Seletivos para o Cinema

A) Auxílio aos cinemas do mundo (Aide aux cinémas du monde)

Este auxílio visa a promover a diversidade cultural e é concedido a uma produtora estabelecida na França que faça uma coprodução com um outro país. Ele só incide sobre projetos de longa-metragem (ficção, animação ou documentário de criação) destinados a uma primeira exibição em sala. Os projetos são selecionados em função de sua excelência artística e da originalidade da perspectiva que apresentam. A produtora pode solicitar este mecanismo antes das filmagens, caso em que o limite do auxílio é de 250 mil euros, ou, não tendo recebido nesta etapa, após o filme pronto, podendo obter neste caso até 50 mil euros. É importante sublinhar que o montante conferido pelo CNC não pode ultrapassar 50% da parte francesa do investimento. No entanto, esse limite sobe para 80% se se tratar do primeiro ou segundo filme de um diretor; ou se tiver orçamento inferior a 1,25 milhão de euros; ou se for coproduzido com países de poucos recursos, segundo avaliação do CNC.

Em 2015, o CNC investiu 6 milhões de euros neste auxílio, e anualmente contempla cerca de 50 projetos.

B) Auxílio seletivo à distribuição 1º colégio – filmes inéditos (aide sélective à la

distribution)

Esse auxílio é destinado a empresas de distribuição sediadas na França ou em outro país da União Europeia que tenham uma atividade regular; ou devem ter distribuído três filmes nos dois anos anteriores à demanda; ou terem a intenção de distribuir outras duas produções no ano seguinte, caso em que devem comprová-lo com documentações. Além disso, os dirigentes das distribuidoras devem justificar experiência: terem distribuído ao menos três obras nos anos precedentes. O CNC abre uma exceção caso se trate de um filme de diretor estreante que tenha obtido o auxílio adiantamento de receitas. Dependendo do tamanho da distribuidora, o benefício pode ser concedido apenas para a obra, apenas para a estrutura da empresa, ou para ambos.

O objetivo desse auxílio é estimular a diversidade de filmes de qualidade nas salas de cinema. Por isso, serão avaliados das obras apresentadas itens como a qualidade artística, nacionalidade e ineditismo; e das distribuidoras, sua situação financeira e seu volume de distribuição. Este auxílio é direcionado para todos os gêneros e toca apenas a obras cujos gastos de lançamento não ultrapassem 550 mil euros, e tampouco pode exceder 50% do investimento do distribuidor. Este limite sobe para 70% no caso de primeiros e segundos longas-metragens, curtas-metragens quaisquer, e produções com orçamento inferior a 1,25 milhão de euros.

Os principais gastos contemplados por este auxílio são:

- Gastos envolvendo a cópia digital (o processo de duplicação, suporte físico, transporte ou armazenamento) da obra, do trailer, da dublagem ou da legendagem; - Despesas ligadas à encriptação146 dos arquivos digitais;

- Gastos em cópia película;

- Concepção e realização de trailer; - Dublagem e legendagem;

- Produção de material de divulgação e compra de espaço publicitário; - Eventos de promoção para público e imprensa.

Contudo, é importante notar que não são beneficiados gastos ligados à elaboração da programação (curadoria) nem a salários ou tributos sindicais.

146 Quando o distribuidor entrega as cópias do filme para os exibidores, para evitar que esta seja ilegalmente copiada, insere um sistema de encriptação.

C) Auxílio seletivo à distribuição 2º colégio – filmes de repertório (aide sélective à la

distribution)

Esse auxílio tem os mesmos moldes do anterior, porém diz respeito a filmes de qualquer nacionalidade realizados há mais de 20 anos e que não tenham sido relançados no cinema na última década. Além de respeitar o limite de 50% do investimento do distribuidor, a obra não pode acumular mais de 76,3 mil euros em auxílios seletivos à distribuição. Também neste caso é possível que o CNC conceda o benefício à estrutura da empresa ou ao programa de redistribuição da obra. Todos os gastos supracitados são contemplados.

D) Auxílio seletivo à distribuição 3º colégio – filmes para público jovem (aide sélective à

la distribution)

Este auxílio busca aumentar a oferta de filmes, inéditos ou relançados, para o público jovem. Também segue os mesmos moldes dos dois auxílios acima, porém com algumas especificidades. Os critérios levados em conta na avaliação do colégio são: as qualidades do filme (originalidade e tratamentos do tema); o valor do relançamento proposto; o trabalho de acompanhamento do público jovem ou dos professores e instrutores (incluindo eventuais materiais pedagógicos); e a conexão entre o filme, o público e o plano de relançamento. Além disso, o distribuidor se compromete a levar o filme a pelo menos 30 estabelecimentos cinematográficos no primeiro ano e a priorizar a exibição em salas Art et Essai147 no lançamento.

E) Auxílio a salas com programação difícil ante a concorrência (Aide aux salles

maintenant une programmation difficile face à la concurrence)

Esse auxílio é destinado aos exibidores que mantêm em suas salas uma programação de filmes considerados pelo CNC como pouco competitivos. Nessa rubrica se encaixam filmes como ficções independentes e documentários. Para receber o auxílio, o exibidor deve: estar em dia com o pagamento de taxas e declaração de receitas; estar em Paris ou em cidades com mais de 200 mil habitantes, ou, ainda, em cidades menores cujo somatório de ingressos tenha superado 1,5 milhão no ano anterior; e não ser proprietário de mais de 50 salas. Ademais, o CNC julgará a qualidade da programação do exibidor, a evolução do

147 Art et Essai é a classificação de algumas salas de exibição que destinam boa parte de sua programação a produções independentes, originais, documentários (produções classificadas pelo CNC como Art et Essai), e que por isso recebem um auxílio específico do CNC. Esse mecanismo será explicado mais adiante.

número de frequentadores, as condições de acolhimento do público e de projeção das obras, bem como a situação financeira do cinema.

Em 2017 foram beneficiados 32 exibidores em Paris e 10 no interior, num total de 1,9 milhão de euros. As salas Espace Saint-Michel e Reflets, na capital, receberam os auxílios mais vultosos (70 mil euros); os cinemas Saint-André-des-Arts e Lucernaire, tradicionais exibidores de produções documentais e independentes, também figuraram na lista, recebendo 58 mil e 15 mil euros, respectivamente.

F) Auxílio seletivo à criação e modernização de salas em zonas insuficientemente equipadas (aide sélective à la création et à la modernisation de salles en zone

insuffisamment équipée)

Esse auxílio visa a bem planejar a ocupação das salas de cinema no território de modo a democratizar o acesso da população ao cinema. Este mecanismo é concedido aos exibidores privados, público, ou associações para projetos de criação e modernização de salas de cinema para os quais o apoio automático foi insuficiente. O valor do benefício não é relativo à renda ou tamanho do exibidor, mas é decidido caso a caso. Uma comissão especial vai fazer uma análise seguindo alguns critérios como: utilidade social e papel na oferta de salas no território; participação das coletividades territoriais; e a qualidade da programação cultural prevista.

Auxílios Seletivos para o Audiovisual (TV)

a) Documentário: auxílio seletivo à pré-produção (documentaire: aide sélective à la

préparation)

Esse auxílio é destinado à etapa de pré-produção de um documentário audiovisual realizado por produtoras que não possuem uma conta automática. Elas devem ter um acordo ou contrato firmado com um canal de televisão ou serviço de VoD. O montante do benefício não pode ultrapassar 40% das despesas previstas. À exceção de outros mecanismos, este não exige a devolução do auxílio ao CNC caso o projeto não seja feito em dois anos, com a condição que o produtor justifique as despesas.

b) Documentário: auxílio seletivo à produção (documentaire: aide sélective à la

Esse auxílio é consagrado à etapa de produção de um documentário audiovisual destinado a uma primeira difusão em um canal ou serviço de VoD estabelecidos na França. O mecanismo é principalmente destinado a projetos de documentários de criação de qualquer duração realizados por produtoras que não possuam conta automática. No entanto, também são contemplados: programas documentais no formato magazine148 com duração até 45 minutos (neste caso, a produtora pode ou não ter uma conta automática); qualquer projeto de documentário cujo investimento do canal por hora de produção149 seja inferior a 12 mil euros por hora (uma vez que um coeficiente menor não permite o acesso ao apoio automático); documentários com menos de 24 minutos realizados por produtoras com contas automáticas.

Para serem beneficiadas, é vetado às produtoras serem controladas por empresas que dispõem de uma conta automática, ou terem ligação com canais de TV e serviços de VoD. As obras devem receber um aporte inicial do canal de TV ou serviço de VoD por meio de um contrato de compra antecipada de direitos de difusão. Além disso o CNC exige que a participação francesa do financiamento da obra seja de ao menos 30% e que mais da metade dos gastos de produção dessa parcela francesa tenham sido efetuados na França.

Via de regra, o montante dos benefícios não pode superar 40% do orçamento final da obra. Porém, o CNC pode aumentar esse limite para 60% para obras audiovisuais consideradas “difíceis” (que, com respeito ao tema, formato, realização ou condições de produção, apresentem aspecto inovador, pouco acessível ou delicado) ou “de pequeno orçamento” (até 100 mil euros por hora de produção). Adicionalmente, esse limite pode passar a 80% para documentários de criação “difíceis” cujo orçamento total seja menor que 150 mil euros por hora de produção.

c) Magazine: Auxílio seletivo (magazine: aide sélective)

Esse auxílio concerne todas as produtoras, sejam elas detentoras ou não de uma conta automática, que realizem obras audiovisuais no formato magazine que apresentem relevância essencialmente cultural.

Os critérios para a concessão do benefício são iguais aos do item acima: a obra deve ser difundida primeiramente em um canal ou serviço VoD francês, estes devem ter

148 Basicamente, é um tipo de produção documental formatado para a televisão, no qual não prevalece um ponto de vista de autor. Esta categoria será abordada mais adiante, no subitem “3.4 A reforma da Cosip: a construção de uma legislação em defesa do documentário de criação”.

149 Este coeficiente (apport du diffuseur horaire en numéraire – ADHN) foi detalhado na introdução do apoio automático à televisão.

firmado um contrato de compra antecipada de direitos de difusão, a participação francesa no financiamento da obra deve ser maior que 30%, sendo que metade deste valor deve ser gasto na França. Além disso, como no item acima, o montante dos benefícios tampouco pode ultrapassar 40% do orçamento final da obra, todavia nesta categoria não há exceções.

Outras fontes de financiamento

a) Apoios das coletividades territoriais

Rigorosamente falando, os apoios das coletividades territoriais (municípios, departamentos e regiões) não são provenientes do CNC, mas representam uma importante fonte de financiamento para os filmes.

b) SOFICA

As Sociedades de Financiamento da Indústria Cinematográfica e do Audiovisual (SOFICA) foram criadas em 1985. Trata-se de grupos (de particulares ou empresas) que vão investir nos filmes por meio de abatimento fiscal, tendo esses fundos bloqueados por alguns anos.

c) Crédito de Imposto

Basicamente é uma diminuição de impostos para os produtores responsáveis por um filme no que diz respeito às despesas efetuadas na França para a realização da obra. De certa forma, o mecanismo recompensa aquelas produções que movimentarem a economia da cadeia cinematográfica nacional.

d) IFCIC

Criado em 1983, o Instituto para o Financiamento do cinema e das indústrias culturais (IFCIC) é um estabelecimento de crédito que age como o fiador, como o garantidor de empréstimos para empresas do setor cultural, como produtores, exibidores e atores de outras áreas do setor cultural. É alimentado por fundos de órgãos públicos, sendo o CNC sua principal fonte. No fim de 2015, segundo o CNC, o IFCIC garantia quase 900 milhões de euros em créditos.

3.3 O CSA e as cotas de difusão de programação e investimento na produção de obras