• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I – Cinema, mercado e Estado no Brasil

1.2. O documentário na televisão

1.2.3. Lei da TV Paga e algumas considerações

Uma transformação importante no capítulo mais recente das relações entre o cinema e a televisão foi a aprovação, em 2011, durante o governo Dilma Rousseff, da Lei 12.48550, conhecida como a Lei da TV Paga. Ela representou um marco regulatório dos serviços de TV por assinatura no Brasil, criando uma obrigação de exibição de produção nacional nos canais fechados, numa tentativa de tornar a produção nacional acessível aos assinantes.

As cotas são aplicadas no chamado espaço qualificado, o qual é definido negativamente, ou seja, por aquilo que ele não é. Conforme o inciso XII do artigo 2º da lei, trata-se do “espaço total do canal de programação, excluindo-se conteúdos religiosos ou políticos, manifestações e eventos esportivos, concursos, publicidade, televendas, infomerciais, jogos eletrônicos, […] conteúdos jornalísticos e programas de auditório ancorados por apresentador”.51 Além disso, a lei define as obras audiovisuais de espaço qualificado como “aquelas, seriadas ou não, dos tipos ficção, documentário, animação, reality show, videomusical e de variedades realizada fora de auditório” (LIMA, 2015, pp. 46-47). Finalmente, define como canal de espaço qualificado aquele que veicule as obras acima descritas em mais da metade de seu horário nobre de programação (das 11h às 14h e das 17h às 21h, em canais para crianças, e das 18h à 0h nos demais).

A lei estabelece dois tipos de cotas, por pacote e por canal. A primeira exige que 1/3 dos canais de espaço qualificado ofertados no pacote seja brasileiro, sendo que destes canais nacionais, 1/3 deve ser programado por programadora nacional independente, e “ao menos dois por pacote devem veicular 12 horas diárias de conteúdo nacional independente” (HOLANDA, 2013, p.10). Esta cota é obrigatória somente até o limite de 12 canais brasileiros.

Já a cota de canal estabelece que os canais de TV por assinatura que exibem conteúdo de espaço qualificado em seu horário nobre terão que veicular semanalmente 3h30 de conteúdo nacional, sendo 50% de produções independentes.

Os recursos utilizados nas produções que serão exibidas na televisão provêm do FSA, e têm auxiliado a fomentar esta produção que se destina à televisão, como a linha A e B

50 Íntegra disponível no site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12933.htm>. Acesso em: mai/2018.

51 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12485.htm>. Acesso em: jul/2018.

do Prodav. A Ancine fiscaliza o cumprimento dessas cotas pelos canais, sem que haja interferência no conteúdo.

Segundo Sousa, “a demanda por mais de mil horas de programação anual fez com que se ampliasse de maneira significativa o campo de atuação da produção independente. Desde a aprovação da lei, a ABPI52 registrou um aumento da ordem de 200% no número de associados” (2016, p. 61). Esse aumento nessa demanda amplia igualmente o número de empresas interessadas em trabalhar no audiovisual, e por consequência, profissionaliza aquelas que já estão no mercado, o que pode ter contribuído com o aumento no número de associados da ABPI desde a aprovação da lei. Ademais, é importante pontuar que esse aumento no número de profissionais reunidos em uma instituição deve igualmente contar positivamente como força política pela luta de direitos da categoria.

Os números referentes à TV paga passaram a ser organizados e disponibilizados pelo Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual53. É um trabalho que envolve a organização dos dados de programação enviados mensalmente pelos canais que é, portanto, bastante recente. Nesta pesquisa não aprofundaremos essas informações, pois elas demandariam um estudo inteiro à parte destes números, e já existem pesquisas sendo feitas especificamente sobre essa recente legislação. O objetivo aqui é mostrar que esses dados, embora ainda muito recentes, estão sendo produzidos, e tecer algumas breves considerações sobre o efeito dessa legislação na presença das produções documentais nos canais fechados.

É importante pontuar que o documentário, através da lei da TV Paga, passou a ocupar a televisão com mais força. Embora já existissem alguns canais que exibissem documentários, ou ainda os coproduzissem, como é o caso do Canal Brasil, isso se constitui em exceção em um mercado repleto de canais internacionais que exibem majoritariamente filmes estrangeiros.

Podemos afirmar que, com a Lei da TV Paga, abriu-se um espaço para a exibição de documentários das seguintes formas: aqueles que foram exibidos em sala de cinema anteriormente agora podem ter a TV como a sua segunda janela;54 filmes históricos ou que 52 A Associação Brasileira de Produtoras Independente de Televisão (ABPITV) mudou seu nome em 2016 para BRAVI (Brasil Audiovisual Independente).

53 Dados mensais sobre a TV paga disponíveis no site: <https://oca.ancine.gov.br/resultados-mensais-tv-paga>. Acesso em: jun/2018.

54 Os exemplos abaixo fazem parte da tabela Listagem de Obras Brasileiras Veiculadas na TV Paga por Mês e por Canal – 2016. Essa listagem foi extraída a partir dos relatórios de programação dos canais que compõem as amostras dos Resultados Mensais da TV Paga e foi disponibilizada por Cainan Baladez para esta pesquisa. Dentre os longas-metragens documentais exibidos em 2016, podemos citar: Canal Film e Arts (canal argentino que cobre o território Latino Americano) exibiu: Uma longa Viagem (2012) e O Samba que mora em mim

foram lançados há mais tempo em sala também podem encontrar espaço em canais especializados; e a produção nacional de documentários longas-metragens, telefilmes,55 séries, para os canais, através dos recursos do FSA focados na TV, tem seu número ampliado com este destino.

Segundo Cainan Baladez, coordenador do OCA,

é possível observar pelos dados publicados no OCA que o documentário ainda encontra espaço no mercado de salas de exibição. Ainda que o resultado de bilheteria possa ser considerado baixo, o mercado exibidor continua programando documentários em suas salas em uma quantidade próxima à exibição de ficções. Já no mercado de TV Paga o documentário apresenta grande inserção, inclusive com canais com programação dedicada exclusivamente a este tipo de obra audiovisual.56

Abaixo apresentamos alguns dados levantados sobre os resultados da Lei 12.485. A partir de 2016, o Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (OCA) passou a fazer um relatório mensal sobre a TV Paga que mensura, entre outras informações, a presença da programação brasileira nos canais pagos de televisão. Nele, podemos verificar como está a situação da difusão de obras nacionais no cenário pós-Lei da TV Paga. O relatório de dezembro de 2017, por exemplo, contabilizou as informações de 15 canais nacionais e 82 internacionais de espaço qualificado.57 No acumulado anual, foram registrados 2.225 títulos brasileiros exibidos, excluídas as reprises.

Nos canais brasileiros, 53,3% da programação foram destinados a conteúdos nacionais (dos quais 31% obras independentes). Em horas, isso significa 96h40min por semana. Nos canais estrangeiros, este índice ficou em 8% (4,1% independentes), o que corresponde a 11h30min de programação nacional por semana. Se analisada exclusivamente a faixa do horário nobre (das 18h à 0h), os percentuais sobem: nos canais nacionais, para

(2011). O canal History 2 exibiu documentários com um perfil mais histórico que se encaixaram no perfil do canal: O dia que durou 21 anos (2013), Tancredo Neves- a travessia (2011), Utopia e barbarie (2010) e Cássia

Eller (2015). O canal THC The History Channel exibiu os já citados Tancredo Neves- a travessia (2011) e Utopia e barbarie (2010). O Eurochannel exibiu os documentários Doutores da Alegria (2005) e Amazônia desconhecida (2013). O canal BBC Earth exibiu o filme 500 Almas (2007) e Amazônia eterna (2014). O canal

nacional Arte 1 exibiu Jogo de cena (2007), Oscar Niemeyer – a vida é um sopro (2007), Dominguinhos (2014), O diário de sintra (2009), Fabricando Tom Ze (2007) e Janela da Alma (2002). O Paramount Channel o documentário A música segundo Tom Jobim (2012). O canal HBO Family exibiu o Elena (2013).

55 Telefilme, segundo a Ancine é uma obra documental, ficcional ou de animação, com no mínimo 50 (cinquenta) e no máximo 120 (cento e vinte) minutos de duração, produzida para primeira exibição em meios eletrônicos.

56 Comunicação pessoal feita por e-mail em 2017.

57 Canais de espaço qualificado são aqueles que exibem obras audiovisuais de espaço qualificado em mais da metade de seu horário nobre de programação. A definição mais detalhada foi dada no capítulo 1, subitem “1.2.3. Lei da TV Paga e algumas considerações”.

67,8%, e nos internacionais, para 15,5%, em ambos também havendo preponderância de conteúdos independentes.

A lei da TV Paga, vale lembrar, estabelece que os canais nacionais devem veicular no horário nobre no mínimo 21 horas semanais de conteúdo brasileiro, das quais ao menos 10h30 devem ser de obras independentes. No cenário de 2017, foram destinadas 29h07min semanais à programação nacional, sendo que 18h54min foram de produções independentes. Isso demonstra que os canais estão veiculando não apenas o que exige a legislação, mas razoavelmente mais, um cenário positivo para a programação nacional.

No que diz respeito aos canais estrangeiros, a mesma conjuntura favorável pode ser vista. No caso deles, a lei obriga a veiculação de 3h30 semanais de conteúdo brasileiro, das quais ao menos 1h45 devem ser de obras independentes. Na média de 2017, foram contabilizadas 5h37min por semana de programação nacional, das quais 4h14min para produções independentes. Se lembrarmos que os canais pagos de televisão estrangeiros são a grande maioria no mercado do Brasil, essa margem positiva de horas de conteúdo nacional se torna ainda mais relevante.

Finalmente, vale ressaltar que, das dez obras brasileiras com mais horas de programação no horário nobre dos canais nacionais, duas delas são programas documentais; e quando analisamos o mesmo dado nos canais estrangeiros, vemos que cinco das obras são documentários. Porém, afora esta discriminação entre documentários e outros tipos de produções, o OCA não estabelece uma separação por gênero nos dados disponibilizados.

CAPÍTULO II – O documentário brasileiro, uma análise dos dados