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CAPÍTULO I – Cinema, mercado e Estado no Brasil

1.1 Cinema e Estado no Brasil: uma breve retrospectiva histórica

1.1.4. A Embrafilme e a ‘época de ouro’ do cinema nacional

Somente nos anos 1960, o Estado daria o primeiro passo no sentido de buscar, efetivamente, construir uma indústria de cinema no país. Em 1966, como já mencionado, o recém-criado Instituto Nacional do Cinema (INC) assumiu as funções de promover e estimular o cinema, assim como políticas públicas para o setor.

Em 1969 foi criada a Embrafilme, empresa vinculada ao INC e que desempenharia um papel estratégico tanto por seu poder político e econômico na atividade cinematográfica, quanto por participar, em um primeiro momento, da produção e distribuição. Ao longo do tempo, as funções da empresa passaram a se sobrepor ao INC, que terminou perdendo sua função e sendo extinto em 1975.

Durante a ditadura civil-militar, o cinema brasileiro era visto como um elemento estratégico para a integração nacional, assim como um instrumento de educação e, portanto, deveria ser mantido e protegido frente ao cinema norte-americano. Com esse intuito é que foi

criada a Embrafilme, seguindo a lógica de “desenvolvimentismo cinematográfico”, buscando um cinema de proporções industriais, possibilitando a coprodução com empresas estrangeiras, havendo um certo controle sobre a entrada dos filmes estrangeiros no país (RAMOS, 1983, p. 53).

A Embrafilme buscava distribuir e promover os filmes fora do país e desempenhou um papel político e econômico na atividade cinematográfica. Entre seus objetivos estava fortalecer a atividade cinematográfica, buscando desenvolver uma indústria regulada pelo Estado.

Outro fato relevante é que a empresa tinha uma preocupação em fornecer dados sobre o mercado cinematográfico, algo que até então era particularidade das majors.

Se a primeira Embrafilme estava sob o domínio dos industrialistas, a empresa que estava por vir cairia sob o poder do grupo “nacionalista”, vinculado ao Cinema Novo. Entre 1970 e 1980, a empresa viveu um período próspero sob a gestão do cineasta Roberto Farias, momento em que se constatou a volta do público às salas de cinema para assistir a filmes nacionais. “Na transição para o governo Geisel, os vínculos entre o cinema e o Estado se estreitaram com a indicação do produtor/cineasta Roberto Farias para a direção Geral da Embrafilme, em 7 de agosto de 1974, com o apoio explícito da classe cinematográfica” (AMANCIO, 2011, p. 41).

Foi também o momento em que a empresa passou a comandar os três pilares da indústria: produção, distribuição e exibição, quando o Brasil chegou a alcançar até 36% do seu mercado (AUTRAN, 2004, p. 9). Em resumo: buscava-se desenvolver uma indústria cinematográfica nacional forte e capaz de competir com o cinema norte-americano.

Um fato relevante é que a Embrafilme se tornou, ao longo de sua existência, coprodutora dos filmes. Dessa maneira, o Estado passaria de um simples financiador para um produtor direto e, sendo assim, arcaria com os riscos econômicos que essa atividade apresenta.

[…] é a partir de agora que a EMBRAFILME, introduzindo de fato o sistema de coprodução, no qual assume o risco do investimento em projetos, e ampliando o volume das operações de distribuição, modelará sua mais ousada configuração, enquanto intervenção estatal na atividade cinematográfica, já que a cumplicidade estabelecida na associação financeira a um projeto e a responsabilidade requerida para a sua comercialização levarão para o interior da EMBRAFILME a absoluta gerência administrativa do produto fílmico, até então delegada aos setores privados. (AMANCIO, 2011, p. 44).

Graças à empresa, houve um grande aumento na produção de filmes no país – atingindo o pico de 103 longas-metragens em 1980 – na extensão do circuito exibidor, bem como no hábito de ir ao cinema.

Nesse período áureo do cinema brasileiro, em meados da década de 1970, surgiu um conjunto de circuitos de arte brasileiros espalhados pelo Brasil. Eram empresas que criaram associações com o objetivo de ampliar sua influência: Circuito Arco-íris, Fama Filmes, Cinematográfica Haway, Companhia Serrador, Araújo e Passos, Campineira de Cinema, Rede Severiano Ribeiro, ArtFilms e Condor. Com uma rede exibidora tão ampla, o Brasil, em meados dos anos 1970, dispunha de 3.276 salas de cinema20.

Em 1970 foi criado o Departamento de Assuntos Culturais (DAC) dentro do Ministério de Educação e Cultura (MEC) para ampliar o foco na cultura, visto que a educação sempre havia sido o elemento principal do Ministério. Na gestão de Jarbas Passarinho, de 1969 a 1973, foi elaborado o Plano de Ação Cultural (PAC), cujo objetivo era subsidiar eventos ligados à capacitação de pessoal, patrimônio e atividade artísticas, sendo lançado em 1973 um calendário de eventos culturais que seriam subsidiados pelo Estado (CALABRE, p. 91, 2007).

Em 1972 realizou-se o I Congresso da Indústria Cinematográfica Brasileira, em que um conjunto de produtores brasileiros – entre os quais podemos citar Luiz Carlos Barreto, Walter Hugo Khouri e Oswaldo Massaini – solicitavam mudanças na Embrafilme.

Com a abertura política do período Geisel (1974-1978), uma tentativa de reaproximação com o universo da cultura se intensificou. Em 1975, criou-se o Plano Nacional da Cultura, assim como a Radiobrás, a Fundação Nacional de Arte (FUNARTE) e o Centro Nacional de Referência Cultural.

No ano seguinte, foi elaborado o Conselho Nacional de Cinema (Concine), que substituiu o INC e, segundo Lia Bahia (2012, p. 51), era o braço regulatório da indústria cinematográfica nacional, enquanto a Embrafilme era o operativo, sendo a política de incentivo aplicada por esta e a de regulação e fiscalização, por aquele. Nesse período ainda foram criados o Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), o Plano Nacional de Ação Cultural, o Centro Nacional de Referência Cultural (1975) e a Secretaria de Cultura do MEC.

20 Pode-se dizer que o público do cinema acompanhou esse crescimento quando se observa o grande sucesso de bilheteria do filme Dona Flor e seus Dois Maridos (1976), de Bruno Barreto, que vendeu mais de 10 milhões de ingressos.

A chamada “transição”, que nas palavras de Geisel, deveria ser “lenta, gradual e segura”, se inicia no final da década de 70 e finaliza com a posse de Sarney na Presidência da República. Esse processo traumático vivido pelo país envolveu momentos de renovação cidadã com as Diretas Já e momentos de grande frustração com a derrota da emenda das eleições diretas e a criação do Colégio Eleitoral21. A sequência da morte de Tancredo Neves e a posse de políticos ligados ao antigo regime ditatorial mostraram os limites da nova democracia. A instabilidade política do país causava reflexos na cultura. Havia trocas de cargos a todo momento no setor cultural e a crise econômica atingiu primeiramente a essas políticas, consideradas, desde sempre, como secundárias.

No início dos anos 1980, a Embrafilme começou a sofrer uma crise administrativa e orçamentária, o que resultou em um esvaziamento político e econômico da atividade cinematográfica nacional, colaborando para o encerramento de suas atividades (GATTI, 1999, p. 9). Os anos 1980 e 1990 foram também o momento em que o discurso do livre comércio começou a ser propagado com mais intensidade, principalmente aos países em desenvolvimento, como o Brasil.

[…] é nesse momento que o livre comércio e a abertura de fronteiras nacionais aparecem como recursos para o recolocar-se na competição econômica, sendo vendida – sobretudo aos países menos desenvolvidos – a promessa de novas oportunidades para impulsionar suas políticas e economias a partir da integração dos mercados e do livre comércio. (SILVA, 2010, p. 24).

Paralelamente ao processo de saída de cena do Estado do centro da política cinematográfica do país, houve um processo de internacionalização da economia do setor e uma consolidação das majors no país. Nesse período o público frequentador das salas de cinema no país caiu drasticamente e muitos estabelecimentos começaram a sofrer baixas e fechar suas portas.

Não bastasse a concorrência dos programas de televisão, com a abertura democrática do regime militar, liberaram-se os filmes pornográficos. Os exibidores se viram diante de um fenômeno de grandes bilheterias e não tiveram a mínima condescendência em transformar antigos “palácios de cinema” que, neste momento, estavam vazios, em salas pornográficas (LUCA, 2010b, p. 58).

21 O Colégio Eleitoral foi a solução encontrada para compatibilizar governo e oposição frente à derrota da Emenda Dante de Oliveira, que propunha eleições diretas para presidente da república e que foi derrotada na votação do Congresso em 1984.