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As temáticas e os diretores envolvidos nos documentários exibidos em sala

CAPÍTULO II – O documentário brasileiro, uma análise dos dados estatísticos do mercado

2.2 O documentário nacional na sala de cinema: uma radiografia do setor

2.2.2. Como esses filmes são realizados e como movimentam o setor cinematográfico

2.2.2.2. As temáticas e os diretores envolvidos nos documentários exibidos em sala

As temáticas da produção documental contemporânea são outro elemento essencial de análise. Dentro da produção de documentários, no final dos anos 90, Fernão

71 Visa incentivar o reinvestimento em produções nacionais de parte do imposto devido sobre a remessa de lucros de empresas audiovisuais estrangeiras que exploram seus produtos no Brasil. Ou seja, o eventual sucesso dessas empresas na ocupação do mercado brasileiro - na maioria dos casos as majors – permite que elas reinvestam em contratos de coprodução com produtoras independentes nacionais. No caso do documentário nacional, a maioria dos filmes que obtiveram maior público foram os distribuídos pelas majors e que por consequência tiveram mais “poder de fogo” na competição pela exibição nas salas.

72 É análogo ao Artigo 3°, só que direcionado ao imposto devido por empresas exibidoras nacionais (majoritariamente televisões) que compram conteúdo audiovisual (cultural e esportivo) estrangeiro para exibir. 73 Isenta empresas programadoras de TV a cabo estrangeiras do Condecine, desde que estas destinem 3% do valor da remessa de lucros em obras cinematográficas e videográficas independentes brasileiras, programas de televisão com viés educativo e cultural independente, minisséries e telefilmes.

74 O artigo 25 da Lei Rouanet destinava-se a obras audiovisuais como projetos de longas-metragens, séries, telefilmes, minisséries e programas de televisão de caráter educativo e cultural. Permite que pessoas jurídicas possam deduzir do imposto de renda devido 30% do valor utilizado no patrocínio de projetos e 40% dos valores doados a projetos e obras audiovisuais, sendo que o contribuinte pode deduzir esses valores como despesa operacional.

Ramosconstata que existe uma parcela considerável – no documentário e na ficção – que aborda temática do Outro popular. “No conjunto da produção artística brasileira, o cinema tem se mostrado particularmente sensível às questões éticas e políticas que envolvem a representação da alteridade social que chamamos povo, espaço do outro que não é o mesmo de classe. A imagem do povo é um traço recorrente no documentário brasileiro contemporâneo” (RAMOS, 2008, p. 205). Como exemplo, podemos citar os filmes Ônibus 174 (2002) e Garapa (2009), de José Padilha; À margem da imagem (2004) e À margem do concreto (2007), de Evaldo Mocarzel; Fala tu (2004), de Guilherme Coelho; Justiça (2004), de Maria Augusta Ramos; O prisioneiro da grade de ferro: auto-retratos (2004), de Paulo Sacramento; A pessoa é para o que nasce (2005), de Roberto Berliner; Estamira (2006), de Marcos Prado; e O aborto dos outros (2008), de Carla Gallo.

A produção documental brasileira é sem dúvidas riquíssima em diversidade de temas e estilos, mas pode-se apontar algumas recorrências. Dentro dessa abordagem de temáticas sociais e políticas, há uma tradição do documentário brasileiro de retratar a convulsão sociopolítica causada pela ditadura civil-militar, tanto por seus aspectos mais públicos quanto por suas consequências pessoais, tragédias familiares e questões psicológicas provocadas pelos anos de tortura e autoritarismo. Podemos destacar nesta classe de filmes produções como Cidadão Boilesen (2009), Diário de uma busca (2011), Dossiê Jango (2013), O dia que durou 21 anos (2013), Em busca de Iara (2014) e Orestes (2015).

Além disso, observa-se uma reincidência do universo da música e de seus personagens, assim como do esporte, preferencialmente futebol. Estas temáticas acabam sendo aquelas que obtêm um maior retorno de público nas salas, e em alguns casos, como já tratado, as que têm maiores orçamentos. No caso da música como podemos citar Um certo Dorival Caymmi (2000), Coração vagabundo (2009), A música segundo Tom Jobim (2012), Tropicália (2012), Cássia Eller (2015), entre outros.

No caso dos documentários sobre futebol podemos mencionar 23 anos em 7 segundos - O fim do jejum corinthiano (2009), 1983: O ano azul (2009), Grêmio 10x0 (2010), Soberano – seis vezes São Paulo (2010), 12 de Junho de 1993 - O dia da paixão palmeirense (2014) e 1976 - O ano da invasão corinthiana (2016).

Com relação às produções exibidas em sala de cinema de nosso recorte temporal, importa destacar alguns diretores relevantes para este cenário por conta da qualidade e volume de sua obra documental. Dentro da tradição de filmes políticos, podemos mencionar a

filmografia de Silvio Tendler, documentarista que desde os anos 1980 trabalha temáticas políticas em sua obra (mas não exclusivamente)75. Restringindo-nos ao período pós-1995, elencamos documentários como Glauber – o filme, labirinto do Brasil (2004); Encontros com Milton Santos ou: o mundo global visto do lado de cá (2007); Utopia e barbárie (2010) e Tancredo Neves – a travessia (2011).

Outro consagrado documentarista brasileiro foi Eduardo Coutinho76, com uma longa tradição no campo, que teve seus filmes exibidos em sala ainda nos anos 1990. Podemos citar como exemplo Santo Forte (1999), Babilônia 2000 (2001), Edifício Master (2002), Peões (2004), O fim e o princípio (2005), Jogo de cena (2007) e As canções (2011).

Também importante agente do cenário documental é João Moreira Salles, que realizou no período filmes como Nelson Freire (2003), Entreatos (2004) e Santiago (2007). Atuou igualmente na produção de documentários, principalmente dos filmes de Eduardo Continho.

Outro exemplo que podemos trazer é Evaldo Mocarzel, que conta com uma produção recorrente de documentário exibidos em salas como À margem da imagem (2004), Parteiras da Amazônia (2005), Do luto à luta (2006), À margem do concreto (2007), Raul: o início o fim e o meio (co-direção com Walter Carvalho/2012) e Cuba Libre (2014).

Destaca-se também Carlos Nader com os filmes Preto e Branco (2005), Pan- cinema permanente (2008), Soberano – seis vezes São Paulo (co-direção Maurício Arruda/2010), Eduardo Coutinho 7 de Outubro (2015) e Homem comum (2015).

Finalmente, cabe mencionar Maria Augusta Ramos, que dirigiu, entre outros, Futuro junho (2016) e a trilogia Justiça (2004), Juízo (2007) e Morro dos prazeres (2013), três documentários que dialogam entre si e também e perpassam a questão do sistema judiciário e da aplicação de penas no Brasil.

75 Diretor e produtor, Silvio Tendler foi responsável pela direção dos três maiores públicos do documentário: O

mundo mágico dos trapalhões (1981), 1,7 milhão de espectadores; Jango (1984), 1 milhão; e Os anos JK (1980),

800 mil. É proprietário da Caliban, empresa através qual realiza seus filmes. Silvio tem uma longuíssima carreira no documentário, trazendo personagens importantes da história do país para as telas, tendo dirigido longas, curtas e médias-metragens, seriados, além de ser professor na PUC-RJ.

76 Grande nome de referência no documentário, Coutinho até o final de sua vida trabalhou neste campo. Em sua longa trajetória chegou também a atuar como roteirista e produtor. Sua obra-prima é Cabra Marcado Para

Morrer (1984), filme interrompido pela ditadura militar de 1964, já que parte da equipe foi presa. Só foi

finalizado nos anos 80. Coutinho integrou a equipe do Globo Repórter também na década de 80 e já nos anos 90, trabalhando no Centro de Criação da Imagem Popular (CECIP) começou sua produção mais constante, e a partir de Babilônia 2000 (2001), toda sua obra será produzida pela Videofilmes. Seus últimos documentários foram

Os nomes citados acima não são notáveis apenas pela qualidade de seus filmes, mas também pelo fato de terem seus documentários exibidos com certa regularidade em sala de cinema. Produção que muitas vezes não tem reconhecimento fora de um pequeno círculo social, e que em geral tampouco dá retorno financeiro razoável, o documentário tem pouquíssimos diretores nele especializados no Brasil. Pode-se ressalvar que a frequência de produção não fala por si só, mas certamente ela contribui para o diretor sedimentar experiências, consolidar saberes da prática documental, criar laços com competentes parceiros de trabalho, bem como acumular o know-how das burocracias envolvidas na produção, distribuição e exibição, item importante sobretudo no caso de obras de menor orçamento, nas quais o diretor deve preocupar-se com praticamente todas as etapas de seu filme. Em razão disso, e porque pode ser um índice de certa profissionalização do documentário no Brasil, é interessante analisar a frequência com que diretores produziram e exibiram nos cinemas suas produções documentais desde 1995 até 2016.

Através da análise do gráfico abaixo, “Número de documentários por diretor”, que apresenta a produção que foi exibida em sala de cinema, vemos que ao longo de 22 anos, 451 diretores dirigiram documentários no país. Este número foi calculado com base na produção total do período, sendo contabilizados os diretores individualmente, e, no caso de coproduções, cada um dos realizadores sendo levado em conta uma vez.

Gráfico 9 – Número de documentários por diretor (1995-2016)

É possível constatar que, deste total de diretores, uma enorme quantidade deles (355, aproximadamente 79%) realizaram um único filme no período analisado. São exemplos

Anibal Massaini (Pelé eterno/2004); Paulo Sacramento (O prisioneiro da grade de ferro/2004) Miguel Kohan (Café dos maestros/2008); Miguel Gonçalves Mendes (José e Pilar/2010); Marcio Cavalcante (Bahêa minha vida/2011); e Camilo Tavares (O dia que durou 21 anos/2013). Apesar de estes serem filmes de relativo sucesso, o enorme número de diretores que em mais de duas décadas só produziu um documentário exibido no cinema mostra a falta de uma ideia de carreira no cenário documental brasileiro. Diferentemente do cinema de ficção, em que temos inúmeros exemplos de diretores com obras mais extensas e lançamentos frequentes, no documentário vemos ser muito comum o caso de diretores que se aventuram no documentário, mas não prosseguem em sua produção. Isso não contribui para uma sedimentação da produção do gênero no país, nem para a própria reflexão sobre o estado de arte do documentário, a qual, se não é feita por diretores com alguma experiência acumulada, é motivada pela própria obra artística, mais fértil quando mais madura. Ora, se uma obra madura, que reflete sobre os próprios limites do documentário e sua linguagem, é em geral resultado de uma direção experiente, vemos que o cenário de abundância de diretores que não passaram de uma produção é, nesse sentido, trágico.

Fonte: OCA/Ancine. Elaboração: autora.

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Um tema levantado em debates acadêmicos e discussões do mercado é a questão de o documentário ser a porta de entrada para a ficção. Nessa lógica, o documentário seria uma grande escola e a opção de entrada no meio cinematográfico, visão reforçada pelo fato de que muitos diretores que estão atualmente dirigindo ficções terem passado pelo documentário. Isso fica evidenciado, por exemplo, na fala de Silvio Tendler.

Eu acho que isso se deve, sobretudo, às novas tecnologias. Acho que houve um barateamento muito grande da produção e uma acessibilidade maior a equipamentos bem mais simples, menos sofisticados. […] A porta de entrada no cinema é o documentário. Quantas dessas pessoas efetivamente gostam de documentários? Quantas permanecerão? Eu não sei. Mas eu sei que a porta de entrada há muitas gerações no cinema é o documentário, que é ‘aparentemente’ mais fácil de fazer. E muitos vão conseguir migrar para a ficção, é o que muitos querem. (TENDLER, 2010).

Deve-se levar em consideração que, como alguns dos recursos do FSA são destinados à produção para televisão, alguns diretores optam por viabilizar seus projetos desta maneira, e por conta de nosso recorte, que se limita às obras exibidas no cinema, acabam não aparecendo nestas estatísticas.

Se analisarmos os diretores que realizaram 2 documentários no período, o número diminui para 64 (14,2%). Dentre desse universo podemos citar Arthur Fontes (Surf Adventures/2002); Miguel Faria Jr. (Vinicius de Moraes/2005); Marcos Prado (Estamira/2006); Lírio Ferreira (O homem que engarrafava nuvens/2010); Fernando Grostein Andrade (Quebrando o tabu/2011); Marcelo Machado (Tropicália/2012); Estela Renner (O começo da vida/2016), e Rodrigo Siqueira (Terra deu, terra come/2010).

Quanto a diretores que realizaram 3 filmes, contamos 17 diretores (3,8%), dentre os quais Cao Guimarães (A alma do osso/2010), Eduardo Escorel (O tempo e o lugar/2008), Helena Solberg (Palavra (En)Cantada/2009), João Jardim (Pro dia nascer feliz/2007), João Moreira Salles (Nelson Freire/2003), José Padilha (Ônibus 174/2002), Lúcia Murat (Uma longa viagem/2012), Marcelo Masagão (Nós que aqui estamos por vós esperamos/1999), Marília Rocha (A falta que me faz/2010), Murilo Salles (Todos os corações do mundo/1996), Vladimir Carvalho (Rock Brasília – Era de Ouro/2011).

Em seguida, dez diretores realizaram quatro filmes no período, por exemplo Izabel Jaguaribe (Paulinho da Viola – Meu Tempo é Hoje/2003); Maria Augusta Ramos (Juízo/2008); Silvio Tendler (Utopia e Barbárie/2010); Walter Carvalho (codireção de Janela

da Alma/2002); Nelson Pereira dos Santos (Raízes do Brasil/2004); e Roberto Berliner (A pessoa é para o que nasce/2005).

Com cinco filmes, há apenas dois diretores: Eryk Rocha (Pachamama/2010) e Nelson Hoineff (Caro Francis/2010). A partir daí, temos o diretor Carlos Nader, que realizou 6 filmes, entre os quais Soberano – seis vezes São Paulo (2010), Homem Comum (2015) e Eduardo Coutinho, 7 de outubro (2015); o diretor Eduardo Coutinho, que realizou 9 documentários, entre os quais Jogo de Cena (2007), Edifício Master (2002), Moscou (2009) e Últimas Conversas (2015); e Evaldo Mocarzel, que dirigiu 13 documentários, como Do Luto à Luta (2006) e Brigada Pára-Quedista (2008).