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A EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA

6. A Educação para a Cidadania na Educação de Infância

No sentido da educação para a cidadania, as OCEPE dão particular ênfase à Organização do Ambiente Educativo enquanto contexto de vida democrática em que as

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crianças participam, onde contactam e aprendem a respeitar diferentes culturas. Neste sentido, acentua-se a importância da educação pré-escolar partir do que as crianças sabem, da sua cultura e saberes próprios. Isto porque, como é sabido, o ser humano desenvolve-se num processo de interacção social. E, nesta perspectiva, a criança desempenha um papel activo na sua interacção com o meio que, por seu turno, lhe deverá fornecer condições favoráveis para que se desenvolva e aprenda. Tal como reforçado pelas Orientações Curriculares “admitir que a criança desempenha um papel activo na construção do seu desenvolvimento e aprendizagem, supõe encará-la como sujeito e não como objecto do processo educativo” (DEB, 1997: 19). Assim sendo, respeitar e valorizar as características individuais da criança, a sua diferença, constitui a base de novas experiências e aprendizagens, vividas num contexto facilitador de interacções sociais alargadas com outras crianças e adultos, que têm, possivelmente, valores diferentes uns dos outros e que foram interiorizadas no seu meio de origem. Tal facto, permite que a criança – ao construir o seu desenvolvimento e aprendizagem – vá contribuindo para o desenvolvimento e aprendizagem dos outros. É nesta vivência, precisamente, que se inscreve a área integradora (visto estar presente em todas as outras) de todo o processo de educação pré-escolar: a área de Formação Pessoal e Social.

A área de Formação Pessoal e Social decorre da visão de que o ser humano se constrói em interacção social, sendo influenciado e influenciando o meio que o rodeia. Aqui reside, igualmente, o centro e a inspiração fundamental da obra de Vygotsky – “o sujeito não se faz de dentro para fora, não é reflexo passivo do meio, nem um espírito prévio ao contacto com as pessoas e com as coisas: ele é o resultado de uma relação” (Alves, 1991: 18). A Teoria de Vygotsky coloca, pois, a ênfase nas relações intrincadas e recíprocas entre o indivíduo e o contexto social.

Neste sentido, uma vez que “é nos contextos sociais em que vive, nas relações e interacções com outros, que a criança vai interiormente construindo referências que lhe permitem compreender o que está certo e errado, o que pode e não pode fazer, os direitos e deveres para consigo e para com os outros” (DEB, 1997: 51-52), esta área de conteúdo exulta a importância da educação para os valores, dado que, “(…) ao possibilitar a interacção com diferentes valores e perspectivas, a educação pré-escolar constitui um contexto favorável para que a criança vá aprendendo a tomar consciência e

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[sic] si e do outro” (DEB, 1997: 52). Essa consciência é-lhe dada pela vida em grupo: “a participação no grupo permite também à criança confrontar-se com opiniões e posições diferentes das suas, experimentar situações de conflito [ênfase adicionado]” (DEB, 1997: 37) e é esse “(…) confronto de opiniões e a solução de conflitos [ênfase adicionado] que permite uma primeira tomada de consciência de perspectivas e valores

diferentes [ênfase adicionado], que suscitarão a necessidade de debate e negociação

[ênfase adicionado], de modo a fomentar atitudes de tolerância, compreensão do

outro, respeito pela diferença [ênfase adicionado]” (DEB, 1997: 54). Compete, pois,

ao educador atender a essa necessidade, apoiando “(…) as tentativas de negociação e

resolução de conflitos [ênfase adicionado], favorecendo ainda oportunidades de

colaboração” (DEB, 1997: 37).

Assim sendo, “a educação para a cidadania, baseada na aquisição de um espírito crítico e da interiorização de valores, pressupõe conhecimentos e atitudes que poderão iniciar- se na educação pré-escolar através da abordagem de temas transversais, tais como: educação multicultural, educação sexual, educação para a saúde, educação para a prevenção de acidentes, educação do consumidor” (DEB, 1997: 55) e, pode também incluir-se, a educação para a resolução de conflitos, à semelhança do Programa de Resolução de Conflitos Sócio-Emocionais de Crianças Pacíficas5, levado a cabo por Boardman e Sandy (2000), nos Estados Unidos da América. Torna-se também pertinente referir o disposto no Relatório que decorreu do estudo Saberes básicos de todos os cidadãos no século XXI6, desenvolvido por solicitação do Conselho Nacional de Educação. O pressuposto essencial do estudo incidiu sobre a temática dos saberes básicos, isto é, “(…) competências fundacionais que se deseja que todos os cidadãos

na sociedade (…) possuam, harmoniosamente articuladas, para aprender ao longo da vida e sem as quais a sua realização pessoal, social e profissional se torna problemática [ênfase no original]” (CNE, 2004: 17). Os cinco saberes básicos são:

“Aprender a aprender, ou seja, mobilizar estratégias adequadas para procurar, processar, sistematizar e organizar a informação (…) [e] avaliá-la criteriosamente, tendo em vista transformá-la em conhecimento. (…)

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O Programa e currículo de Resolução de Conflitos Sócio-Emocianais de Crianças Pacíficas foi criado para colmatar a necessidade de uma abordagem adaptada ao desenvolvimento, baseada na teoria para promover o desenvolvimento de competências sócio-emocionais, cognitivas e de resolução de conflitos em crianças do ensino pré-escolar (dos 2 aos 6 anos de idade).

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A equipa responsável pelo estudo foi constituída pelos investigadores António Francisco Cachapuz/Universidade de Aveiro, (que coordenou), Idália Sá-Chaves/Universidade de Aveiro e Fátima Paixão/Instituto Politécnico de Castelo Branco.

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Comunicar adequadamente, ou seja, usar diferentes suportes e veículos de representação, simbolização e comunicação. (…)

Cidadania activa, ou seja, agir responsavelmente sob o ponto de vista pessoal e social no quadro das sociedades modernas que se querem abertas e democráticas, (…) agir no quadro de uma ética de responsabilidade, solidariedade e tolerância. [Diz também respeito à] (…) esfera do sócio-relacional, em que se tem em conta não só o ser para si mesmo mas também o ser com os outros. (…)

Espírito crítico, ou seja, desenvolver uma opinião pessoal com base em argumentos. (…)

Resolver situações problemáticas e [gerir] conflitos, ou seja, mobilizar conhecimentos, capacidades, atitudes e estratégias para ultrapassar obstáculos que se interpõem entre uma dada situação e uma situação futura identificada. (…) Por outro lado, e já na esfera relacional da resolução de situações de conflito, importa desenvolver saberes que permitam a gestão e superação de conflitos através de competências de mediação, negociação e assunção do risco” (CNE, 2004: 28-30).

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CAPÍTULO 2

O CONFLITO E A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS