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4. Formação Contínua de Professores

4.2 Paradigmas e Modelos de Formação Contínua de Professores

Eraut (1987), baseando-se na tipologia de Jackson (1971), sustenta a existência de quatro paradigmas de formação contínua de professores, são eles:

(i) o paradigma da deficiência – pode oscilar entre a perspectiva de “obsolescência” ou “ineficácia”. O professor pode tornar-se ou obsolescente, devido a lacunas da formação inicial, ou ineficaz, devido ao uso de competências inadequadas. Este paradigma considera a formação contínua como meio de colmatar deficiências da formação inicial e desenvolver competências práticas do docente, tendo como finalidade última, a melhoria profissional;

(ii) o paradigma do crescimento – pretende dar resposta à necessidade de desenvolvimento profissional dos professores, o qual deve ser encorajado pelas escolas, proporcionando ambientes nos quais seja possível aliar a experiência à reflexão através de, entre outras, actividades de auto-formação; (iii) o paradigma da mudança – baseado na necessidade do sistema educativo

manter-se a par, ou até mesmo antecipar, mudanças na sociedade. Tem que ver mais com iniciativas da administração central do que da escola, e perspectiva a formação contínua como forma de proporcionar dinâmicas de mudança institucional e de envolvimento em novos projectos, concepções e práticas educativas;

(iv) o paradigma de resolução de problemas – defende que a escola deve assumir-se como local estratégico para a concepção e dinamização de actividades de formação contínua, em que os professores consigam diagnosticar, solucionar e avaliar os problemas que emergem no seu interior.

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Ainda que também seja admitida a presença de consultores externos, os professores devem assumir uma atitude reflexiva e investigativa.

Em síntese, nos paradigmas da deficiência e da mudança, os professores e as escolas, necessitam de um estímulo extrínseco propiciador de formação; enquanto que nos paradigmas do crescimento e de resolução de problemas, o estímulo impulsionador para a formação é intrínseco. Alguns dos paradigmas visam o aperfeiçoamento do professor e a melhoria educativa das escolas, como é o caso dos paradigmas da deficiência e de resolução de problemas; e outros, como os paradigmas do crescimento e da mudança, visam reorientar os professores e as escolas. O quadro seguinte constata o que foi anteriormente referido.

Quadro 7: Paradigmas de Formação Contínua

Estímulo

Interno Externo

Objectivo Melhorar Resolução de problemas Deficiência

Reorientar Crescimento Mudança

Fonte: Eraut (1987: 734), tradução livre.

Assume-se neste trabalho a formação contínua de professores como forma de melhorar ou reorientar práticas, partindo, prioritariamente, de motivações intrínsecas dos professores, ou seja, defendem-se as opções do paradigma do crescimento bem como do paradigma de resolução de problemas.

Mas dar prioridade às motivações intrínsecas não significa ignorar diversos níveis de necessidades, entre os quais as necessidades sentidas:

“. pelo professor e suscitadas pelas situações de trabalho (lacunas, problemas, desejo de aperfeiçoamento científico, didáctico, relacional, de autoconhecimento…); . pelo aluno e captadas pelo professor de aprendizagem, motivação, integração no grupo-turma, individualização…;

. pela escola, originadas pelo seu desenvolvimento organizacional e pela concepção e realização dos seu projecto educativo;

. pelo sistema, geradas por novos problemas como o multiculturalismo da população escolar ou por problemas persistentes como o insucesso ou o abandono, por reformas e inovações;

. pela profissão e associadas aos movimentos de profissionalização que, embora com fundamentos científicos e ideológicos diferentes, visam desenvolver a autonomia dos docentes, aumentar o seu ‘empowerment’ e reconstruir a sua identidade;

. pela sociedade, ao pretender que o docente seja um agente de mudança e ao atribuir-lhe novos papéis (v.g., de educação sexual, ambiental, da saúde, de mediação de conflitos…) [negrito adicionado]” (Estrela & Estrela, 2006: 75).

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A formação contínua deve, pois, enquanto processo permanente, ter em consideração as diversas necessidades relacionadas com os alunos, os professores, as escolas, o sistema educativo e a sociedade em geral. A partir da identificação destas necessidades e dependendo da ênfase colocada em cada qual, procuram-se delinear modos de resposta, dando forma a diferentes modelos de formação contínua de professores.

Pacheco e Flores (1999), tendo em atenção diferentes tipos de necessidades: (i) pessoais, de auto-desenvolvimento; (ii) profissionais, quer individuais (satisfação profissional, progressão na carreira e valorização curricular), quer de grupo (sentido de pertença a um grupo profissional, partilhando uma cultura comum); e (iii) organizacionais, ao nível do contexto da escola (adequação às mudanças na sociedade, no sistema educativo e formativas, no sentido da actualização permanente); assim consideram a existência de três modelos distintos de formação contínua de professores.

O primeiro, modelo administrativo (ou transmissivo), pressupõe uma formação planificada por instituições de formação do Ensino Superior ou serviços do Ministério da Educação, que disponibilizam formações de curta duração. Trata-se de uma formação colectiva que procura responder às necessidades organizacionais ao invés das pessoais e profissionais. Este modelo perspectiva-se numa lógica de desenvolvimento do sistema educativo, que visa a reciclagem dos professores para as mudanças desejadas. Parece inserir-se nos paradigmas da deficiência e da mudança.

O segundo, modelo individual, centra-se nas necessidades individuais do docente e na escola, visando desencadear mudanças na sua prática. Perspectiva-se num duplo sentido: a autoformação (cada docente é o sujeito e objecto de formação) e a heteroformação (projectos formativos, dinamizados por um formador-professor para um grupo de docentes). Parece relacionar-se com o paradigma do crescimento.

O terceiro, modelo de colaboração social (ou de parceria), resulta da interacção dos modelos administrativo e individual. Parte do princípio que a formação dos docentes é uma arena social. Os docentes são co-responsáveis pelo seu processo de formação centrado na escola, organizado por instituições de ensino superior, cabendo ao Ministério estabelecer os critérios e parâmetros globais da formação contínua. Parece enquadrar-se nos paradigmas da resolução de problemas e da mudança.

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De modo a proporcionar uma leitura mais clara dos modelos de formação contínua apresentados por Pacheco e Flores (1999), elaborou-se um quadro-síntese que se encontra de seguida.

Quadro 8: Síntese dos Modelos de Formação Contínua Modelos

Aspecto

1. Administrativo 2. Individual 3. Colaboração Social

Entidade promotora

Instituições de Ensino Superior Serviços Regionais e/ou

Centrais do Ministério

Professor(es)

Parceria entre escolas e Instituições de Ensino Superior Aprendizagem cooperativa Pressupostos básicos Responder a necessidades organizacionais Responder a necessidades identificadas pelos professores, susceptíveis de um processo formativo

Articulação dos saberes práticos com os saberes

teóricos Modalidades/

estratégias de formação

Seminários, conferências,

cursos, workshops, etc. Auto e Hetero-formação

Conjugação dos dois modelos anteriores (1. e 2.)

Valoriza

A presença ao invés da participação dos professores

Professor enquanto sujeito e objecto de

formação

A participação de todos os actores, os professores têm uma participação directa e

são co-responsáveis pelo processo formativo

Finalidade

Preparar os professores para: - as mudanças desejadas - a inovação perspectivada

tecnologicamente

Conduzir a mudanças significativas nas práticas

Articular saberes práticos e teóricos

Paradigma Deficiência e Mudança Crescimento Resolução de problemas e

Mudança

Optar por uma formação contínua que assenta num paradigma que não tem em consideração as necessidades dos professores, é colocá-los numa posição passiva de meros receptores ao invés de participantes, que têm muito para receber, mas tanto ou mais para dar e partilhar. Para Pacheco e Flores (1999), um programa de formação contínua deve proporcionar a colaboração entre os participantes e a realização de projectos de investigação-acção-formação, que promovam o desenvolvimento profissional docente.

À medida que, progressivamente (a partir dos anos 50), a investigação educacional passou a dar ênfase à centralidade do sujeito no processo de investigação, o investigador passou a ser encarado como sujeito inserido e implicado num contexto histórico e social, e o objecto de investigação passou também a ser encarado como sujeito produtor de realidades e produtor de conhecimento, capaz de participar na investigação iniciada pelo investigador ou por ele próprio. Essa tomada de consciência do papel central do

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sujeito na investigação põe em relevo o papel activo do sujeito na construção do seu conhecimento (Estrela, 2002a, 2002b).

Estrela (2002a, 2002b), tendo em atenção o lugar ocupado pelo formando no processo de formação, caracteriza os modelos de formação contínua de acordo com três grandes categorias: (i) o professor como objecto de formação; (ii) o professor como sujeito da sua formação; (iii) o professor como sujeito e agente de formação dos outros.

A primeira categoria – o professor como objecto de formação – tem como enquadramento conceptual uma tradição objectivista e, quanto à sua fundamentação teórica, Zeichner (1983) designou este tipo de modelos de “comportamentalistas” (behavioristic); e quanto à natureza das suas práticas e da relação que estas estabelecem com a teoria, Ferry (1983) designou-os de “centrados nas aquisições” (centré sur les acquisitions), de saberes, saber-fazer e atitudes. São, ainda, associados ao “paradigma da deficiência” (defect approach), enunciado por Eraut (1987). Através da aplicação da ciência ao ensino, ou seja, a partir da investigação das práticas de ensino, por meio de observações sistematizadas das interacções professor-alunos, procura-se isolar as características que diferenciam as escolas eficazes das restantes (variáveis de correlação entre comportamento do professor e dos alunos).

Esse fundamento teórico serve de alicerce para os programas de formação de professores como técnicos do ensino e da aprendizagem. Os currículos dos programas de formação são definidos a priori, decorrendo mais da análise dos saberes científicos, da sociedade e da instituição escolar e da ordem social que a rege do que das necessidades dos formandos. As necessidades são perspectivadas, pelos formadores, enquanto privações e deficiências a transpor. Orientam-se, por isso, numa perspectiva de aplicação da teoria à prática.

A segunda categoria – o professor como sujeito da sua formação – reúne contributos da psicologia do desenvolvimento do adulto, construtivista e humanista. Zeichner (1983) designou os modelos que se baseiam neste quadro conceptual, de “personalistas” (personalistic) e Ferry (1983), de “centrados no percurso” (centré sur la démarche). De acordo com a nomenclatura de Eraut (1987), estes modelos de formação contínua encontram-se no domínio do “paradigma do crescimento” (growth approach).

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Nos modelos que se enquadram nesta categoria, a investigação põe em evidência, não as regularidades, mas sim as singularidades das situações e dos contextos, bem como a procura de sentido que os professores e os alunos conferem às situações em que interagem. A investigação deve, ainda, e, principalmente, ser posta ao serviço do auto- conhecimento.

As necessidades dos formandos são o substrato para a definição dos objectivos do currículo e são eles os principais agentes da sua formação, propondo-se a uma construção de saberes e sua aplicação em várias situações do seu quotidiano. Orientam- se, assim, para a transferabilidade dos saberes, construídos em situação problemática, de uma situação para a outra. A função da formação é ajudar a pessoa a tornar-se eficaz. Tal facto prende-se com um problema do desenvolvimento da pessoa do professor, o qual deve ser detentor de um adequado sistema de crenças sobre: a criança, a escola e o ensino.

A terceira categoria – o professor como sujeito e agente de formação dos outros – é constituída pelos modelos que Zeichner (1983) designa de “orientados para a pesquisa” (inquiry-oriented) e Ferry (1983) de “centrados na análise” (centré sur l’analyse). E na tipologia de Eraut (1987) podem enquadrar-se, dependendo da orientação da investigação, no paradigma da mudança (change paradigm) ou no paradigma da resolução de problemas (problem-solving paradigm). Em termos teóricos parece ter como fundamento a teoria sociocrítica. Pretende-se uma conjugação entre a teoria e a prática, que mutuamente se confrontam e se questionam. São modelos que têm subjacente uma lógica curricular dupla: por um lado são definidas as competências e saberes necessários ao futuro professor e por outro lado, há abertura quanto à selecção dos problemas que irão ser objecto de pesquisa, decorrente dos interesses dos formandos.

A preparação do professor para enfrentar situações complexas e mutáveis requer, para além de saberes e técnicas, capacidade de análise das situações profissionais em contexto (institucional e social, baseada numa atitude de questionamento, a qual se deve alastrar às consequências éticas e sociais do seu próprio ensino. O professor-formando detém um papel activo em relação quer à sua própria formação quer em relação à daqueles com os quais interage no seu local de trabalho. A investigação é a principal

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estratégia de formação, permitindo ao professor, com o recurso a metodologias e instrumentos de análise, aprofundar as suas impressões superficiais acerca de problemas surgidos no seu grupo de alunos ou na escola, através de um questionamento e reflexão permanentes que lhe proporcionem uma tomada de consciência crítica do real e das relações que com ele estabelecem, e ajudem a construir alternativas que levem à mudança.

De seguida apresenta-se um quadro-síntese, elaborado com base nas leituras dos textos de Estrela (2002a, 2002b), Zeichner (1983), Ferry (1983) e Eraut (1987).

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Quadro 9: Modelos de Formação de Professores

Paradigma/ Modelo Aspectos Deficiência (Eraut, 1987) Comportamentalista (Zeichner, 1983) ou

Centrado nas aquisições (Ferry, 1983) O professor como objecto de

formação (Estrela, 2002a, 2002b)

Crescimento (Eraut, 1987) Personalista (Zeichner, 1983)

ou

Centrado no percurso (Ferry, 1983)

O professor como sujeito da sua formação (Estrela, 2002a,

2002b)

Mudança ou Resolução de problemas (Eraut, 1987) Orientado para a pesquisa

(Zeichner, 1983) ou

Centrado na análise (Ferry, 1983)

O professor como sujeito e agente de formação dos outros

(Estrela, 2002a, 2002b) Fundamentos Epistemologia positivista Psicologia comportamentalista Epistemologia fenomenológica Psicologia construtivista, cognitivista e humanista Psicologia perceptiva e desenvolvimentista Epistemologia Sócio-Crítica Necessidades de Formação Carências, lacunas a ultrapassar

Aspirações, desejos ligados a preocupações e desejo de

evoluir

Desenvolver uma atitude de questionamento das consequências éticas e sociais

do seu ensino, partindo da análise de situações

profissionais Papel do Professor-

Formador

O professor como objecto de formação

O professor como sujeito da sua formação

O professor como sujeito e objecto de formação e agente

de formação dos outros Papel do Professor-

Formando Receptor passivo Sujeito activo Sujeito e agente activo

Objectivos da Formação

Definidos previamente (saberes, saberes-fazer e

atitudes) Decorrem da análise dos

saberes científicos, da sociedade e da instituição escolar e da ordem social

que a rege

Definidos em função das necessidades dos formandos

Analisar situações profissionais, dos contextos institucionais e sociais, através

do questionamento e reflexão Ajudar à tomada de consciência

crítica do real e das relações interpessoais

Lógica de construção do currículo de

formação

Aplicação da teoria à prática

Transferabilidade dos saberes, construídos em situação problemática, de uma situação

para a outra

Dupla: Apropriação de competências e saberes pré-definidos; Currículo aberto

relativamente aos problemas objecto de pesquisa, que decorre dos interesses dos

alunos Instrumentos de

Formação

Grelhas de observação sistemática, entre outros

Questionários, Narrativas (auto)biográficas, entre outros

Observação, Entrevista, Questionário, Estudo de caso,

Investigação-acção, entre outros

Professor competente

(definido em função:) Detentor de técnicas

Detentor de um sistema de crenças adequado (relativo à criança, à escola e ao ensino)

Detentor de capacidade de questionamento e reflexão

Visão de profissão

Compreendida como um trabalho intelectual de carácter técnico, baseada na

aplicação da ciência ao ensino e à escola (Professor

decisor, executor)

Associada a várias metáforas (Professor-facilitador, artesão, artista, inovador, entre outras)

Intervém fundamentadamente na turma/escola/sociedade (Professor inovador ou investigador) Conceito de profissionalismo

Assente numa ética universal do dever e em critérios de eficiência social

Assente no dever de auto- desenvolvimento e uma ética

do cuidado, contextualizada

Assente numa ética do dever, do compromisso e da justiça social (equidade) Processo de profissionalização Como transmissão de saberes e saberes-fazer É valorizada a autonomia do professor no processo de construção do seu conhecimento pessoal prático

Deve comportar a dimensão investigativa e colaborativa Metáfora Subjacente Metáfora da produção Metáfora do crescimento Metáfora da libertação

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De acordo com a opinião de Estrela (2002a), não existem modelos puros, podendo estes inter-relacionar-se entre si. E acresce que muitos dos modelos são de maior visibilidade na formação inicial, mas também podem ser encontrados na formação contínua.

Neste trabalho assume-se um modelo de formação de professores centrado no percurso e na análise (Ferry, 1983); personalista e orientado para a pesquisa (Zeichner, 1983); o professor como sujeito e agente da sua formação e da de outros (Estrela, 2002a, 2002b). Considera-se que se enveredou pelos paradigmas tanto do crescimento, como da mudança e resolução dos problemas (Eraut, 1987).

O estudo partiu dos problemas, necessidades e interesses dos sujeitos-participantes, cujas preocupações gravitavam em torno do centro da sua acção educativa – a criança. Procurou-se encontrar formas de aproximação ao ideal de actuação do educador no âmbito da mediação de conflitos, questionando e reflectindo criticamente acerca de quais as implicações éticas da sua actuação nessa área.