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1 Reacções dos

4. Formação Contínua de Professores

4.3 Enquadramento Jurídico

A complexidade das sociedades actuais faz com que a formação inicial, em qualquer que seja a profissão ou ocupação, seja cada vez mais insuficiente para garantir um bom desempenho ao longo da vida. Em Portugal, a formação contínua de professores é uma realidade relativamente recente, cujo gérmen desencadeador ocorreu nos anos 60, do século passado, com a massificação do ensino, em que uma das consequências foi o recrutamento de professores não qualificados para as escolas, levando ao declínio do nível de qualificação dos professores. É neste contexto que surgem fortes preocupações com a formação (inicial e profissionalização16) dos professores.

Durante os anos de 1960/1970, no Estado imperava uma lógica de reforma de pendor centralista e burocrático, orientada para a racionalização (ancorada na eficácia, eficiência, qualidade, etc.) e o controlo das instituições em geral e em particular a

16A criação da profissionalização em serviço, destinada aos professores provisórios aos quais o sistema teve de recorrer para fazer face às necessidades decorrentes da escola de massas, foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 287/88, de 19 de Agosto.

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escola. A partir da década de 80 emergiram “as ideias de descentralização, participação e autonomia e os inerentes apelos aos dinamismos locais (…). O local – o espaço local, os actores locais, as iniciativas locais – tornou-se o horizonte privilegiado do discurso e das políticas educativas” (Ferreira, 2008: 240-241).

No início da década de 80, um exame das políticas nacionais de educação realizado pela OCDE (1984), relata que: “A formação contínua, entendida como um processo organizado de actualização em função de uma carreira docente diversificada (…) e devidamente estruturado em termos de objectivos, execução e controlo, não tem existido em Portugal” (p. 173). Ainda nos anos 80, é institucionalizada a formação contínua de professores, enquanto direito e dever. Como um direito, através da publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) em 1986 (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro), a qual determina a necessidade de “formação contínua que complemente e actualize a formação inicial numa perspectiva de educação permanente” (Artigo 30.º) e, mais à frente prescreve: (i) o reconhecimento do direito à formação contínua para todos os educadores e professores de todos os níveis de educação e ensino; (ii) a diversificação dessa formação, de forma a “assegurar o complemento, aprofundamento e actualização de conhecimentos e de competências profissionais”, possibilitando ainda a “mobilidade e a progressão na carreira”; (iii) a responsabilidade das instituições de formação inicial, em cooperação com as escolas onde trabalham os educadores e professores, na organização da formação contínua; (iv) a institucionalização dos anos sabáticos como períodos atribuídos aos docentes para a formação contínua. (Artigo 35.º). E, como dever, mediante a publicação do Ordenamento Jurídico da Formação de Educadores de Infância e de Professores dos Ensinos Básico e Secundário (Decreto-Lei n.º 344/89, de 11 de Outubro), que define como objectivos da formação de professores: “a) melhorar a competência profissional dos docentes nos vários domínios da sua actividade; b) incentivar os docentes a participar activamente na inovação educacional e na melhoria da qualidade da educação; c) adquirir novas competências relativas à especialização exigida pela diferenciação e modernização do sistema educativo” (Artigo 26.º). Reconhece-se, assim, a importância da formação contínua para o desenvolvimento das competências científicas e pedagógicas dos docentes.

Em 1990, com a regulamentação do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, também designado de Estatuto da

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Carreira Docente (ECD), com o Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, foi consagrado um vasto conjunto de princípios que possibilitaram importantes avanços relativamente à formação contínua, nomeadamente para efeitos de progressão na carreira.

No ano de 1992 é criado, aprovado e publicado o Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores (RJFCP) – Decreto-Lei n.º 249/92, de 9 de Novembro, o qual confere ao docente o particular direito de “escolher as acções de formação que mais se adeqúem ao seu plano de desenvolvimento profissional e pessoal” (Artigo 35.º), salvaguardando o dever de participar naquelas que se integram nos programas regionais ou nacionais (Artigo 36.º). Estrela (2003: 47) chega a considerar que neste decreto “se abre uma concepção desenvolvimentista e personalista da formação”. Este decreto também instituiu mecanismos de acreditação e creditação das acções de formação articulados com a progressão na carreira dos professores.

O mesmo decreto (Decreto-Lei n.º 249/92, de 9 de Novembro) define, entre outros aspectos, os objectivos pelos quais a formação se deve reger, as áreas e as modalidades de formação. Enquanto objectivos fundamentais encontram-se:

a) A melhoria da qualidade do ensino, através da permanente actualização e aprofundamento de conhecimentos, nas vertentes teórica e prática;

b) O aperfeiçoamento da competência profissional e pedagógica dos docentes nos vários domínios da sua actividade;

c) O incentivo à autoformação, à prática de investigação e à inovação educacional;

d) A viabilização da reconversão profissional, permitindo uma maior mobilidade entre os diversos níveis e graus de ensino e grupos de docência. (Artigo 3.º).

Quanto às áreas, o Decreto-Lei n.º 249/92 estabelece que as acções de formação incidem sobre:

a) Ciências da educação e ciências da especialidade (…); b) Prática e investigação pedagógica (…);

c) Formação pessoal, deontológica e sócio-cultural; d) Língua e cultura portuguesa;

e) Técnicas e tecnologia de comunicação. (Artigo 6.º).

E, no que concerne às modalidades de acções de formação contínua, existem:

a) Cursos de formação; b) Módulos de formação;

c) Frequência de disciplinas singulares no ensino superior; d) Seminários;

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f) Estágios; g) Projectos;

h) Círculo de estudos (Artigo 7.º).

Para os professores, “a frequência de acções de formação e a obtenção dos créditos correspondentes passaram a constituir uma condição obrigatória para a progressão na carreira e, como tal, conduziram a um aumento exponencial da oferta e da procura, numa lógica predominantemente individual e instrumental” (Ferreira, 2008: 239).

Em 1994, com o Decreto-Lei n.º 274/94, de 28 de Outubro, é também criado o Conselho Científico-Pedagógico de Formação Contínua (CCPFC), órgão com competências a nível nacional para acreditar as entidades formadoras e as acções de formação, bem como para acompanhar e avaliar o sistema de formação contínua dos professores, e, ainda, estabelecer as prioridades de formação. Esta, por sua vez, não deve apenas centrar-se na sala de aula, mas também nas necessidades da escola e da comunidade educativa. Segundo o CCPFC, as modalidades de formação dividem-se em dois grandes grupos: as acções de formação centradas nos conteúdos (cursos, módulos e seminários) e as acções de formação centradas nos contextos escolares e nas práticas profissionais (círculos de estudos, oficinas de formação, projectos). O primeiro grupo de formações, promovem o desenvolvimento de conhecimentos, de capacidades e de competências dos professores, não garantindo, contudo, a aplicação dessas aquisições pessoais, na prática. O segundo grupo de formações, cujo objectivo se prende com a melhoria do processo ensino-aprendizagem dos alunos, pretende criar condições para uma formação centrada nos contextos escolares e nas práticas dos professores, orientada para a resolução de problemas das escolas. No caso particular das oficinas de formação, em que o objectivo é a intervenção sobre as práticas desenvolvidas em contexto de trabalho, havendo espaços de aplicação e espaços de reflexão, no sentido de avaliar sistematicamente os resultados, num processo de acção e de reflexão. Nos círculos de estudo e projectos, os professores podem, por iniciativa própria reunir-se, identificar um problema comum com necessidade de resolução e reflectir sobre as possíveis soluções.

Acresce-se que os círculos de estudo se desenvolvem numa relação estreita entre os formandos e a sua realidade experimental (prática/empírica), os quais buscam, através da reflexão conjunta, responder a questões problemáticas, com uma metodologia assente no trabalho colectivo, favorecendo a constituição de projectos a desenvolver num

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contexto educativo concreto. Esta modalidade centra a formação: (i) no questionamento e na mudança das práticas profissionais; (ii) no incremento de uma cultura democrática de colegialidade; (iii) no fortalecimento da auto-confiança dos participantes; e (iv) na consolidação do espírito de grupo, na capacidade para interagir socialmente.

Para a consecução dos objectivos enunciados pelo referido decreto (Decreto-Lei n.º 249/92, de 9 de Novembro), é conferido às instituições do Ensino Superior (Universidades e Escolas Superiores de Educação) e aos Centros de Formação, a responsabilidade de promover acções de formação. Surgem, entretanto, os Centros de Formação de Associações de Professores (CFAP) e os Centros de Formação de Associações de Escolas (CFAE), constituídos pelos Agrupamentos de Escola, da área geográfica. Perspectivou-se, como potencialidades destes centros, a promoção da reflexão dos professores sobre as suas próprias práticas, conduzindo-os a situações de inovação pedagógica ou de superação de muitas situações problemáticas vividas nas escolas.

Contudo, os formandos-professores, na maioria das vezes apenas desejavam que a formação fosse célere, com o mínimo de esforço e custos, e que conferisse os créditos necessários para a progressão na carreira (Ponte, 1994). Efectivamente, a questão da obtenção dos créditos para a progressão na carreira, conferidos pelas várias acções de formação, perverteu, desde o início, os objectivos delineados para a formação contínua, acima mencionados.

Assiste-se à desvalorização da acção formativa e, inversamente correlacionada, a sobrevalorização pelos docentes dos créditos que aquelas conferem. Ideia, aliás, implícita no ECD (Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril), o qual entendia a formação contínua como um dever do docente cujo não cumprimento implicaria graves consequências para o seu percurso profissional. Nestas circunstâncias, o ingresso num programa de formação contínua surgia, não como uma necessidade interior de evolução pessoal e profissional resultante de um processo auto-reflexivo, mas sim de uma condição externa imposta para se sobreviver e progredir na carreira. Ficou ameaçada a criação de grupos de trabalho cujas abordagens pudessem permitir a compreensão, melhoria e transformação da qualidade do ensino-aprendizagem, bem como da profissão-professor. Perante este cenário, pode depreender-se que o mais importante não

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parecia serem as repercussões da formação no desempenho do professor nem o conteúdo daquela, mas a soma dos créditos necessários à progressão.

Ao longo do tempo foram sendo introduzidas alterações ao RJFCP (Lei n.º 60/93, de 20 de Agosto; Decreto-Lei n.º 274/94, de 28 de Outubro; Decreto-Lei n.º 207/96, de 2 de Novembro; Decreto-Lei n.º 155/99, de 10 de Maio e o Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro). Destacam-se aqui dois desses diplomas, o primeiro é o Decreto-Lei n.º 207/96, de 2 de Novembro, cujo intuito é reorientar as práticas de formação contínua no sentido de as centrar na escola, nos projectos nesta desenvolvidos e nos contextos de trabalho dos docentes. São, então, reforçados e adicionados vários artigos. Refira-se o artigo 3.º do novo documento, cujos objectivos propostos, de um modo geral, vão no sentido de uma maior interacção das vertentes teórica e prática; e um maior envolvimento dos professores, não só ao nível de sala de aula, mas também ao nível organizacional, de forma a poderem dar o seu contributo na construção do Projecto Educativo de Escola e na autonomia das escolas, de modo a “gerar dinâmicas formativas”.

De forma mais particular, os objectivos dos Centros de formação vão desde o incentivo à auto-formação, investigação e inovação educacional até à divulgação das experiências pedagógicas, sendo ainda responsáveis por responder às necessidades detectadas nos estabelecimentos de ensino, adequando a oferta à procura de formação. É na autonomia e liberdade dos CFAE que assentam as suas opções formativas, através da elaboração e aprovação do respectivo Plano de Formação, entendido como o instrumento que organiza, orienta e permite a operacionalização das políticas de formação do próprio Centro, sendo aos professores que cabe, individualmente, procurar a formação do centro a que está ligada a escola onde trabalham, formação essa que deverá estar adaptada às necessidades diagnosticadas na própria escola, tendo, assim, como substrato, a formação centrada na escola. Tal como patente na opinião de Machado e Formosinho (2009: 287), a criação dos CFAE foi uma forma de “por um lado garantir o cumprimento das prioridades formativas nacionais e, por outro, contribuir para uma formação centrada na escola”.

Contudo, a relação Centro/Escolas Associadas evidenciou alguma falta de interacção entre essas duas instâncias, sendo os Centros sobretudo um dispositivo de gestão das

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carreiras dos professores. Esta relação é dificultada uma vez que, por um lado, existem constrangimentos externos na formação contínua dos professores resultantes da articulação da formação com a progressão na carreira e, por outro, grande parte das decisões é tomada em instâncias centrais, nomeadamente, os modos de financiamento, configurando, assim, uma lógica de controlo, em que a existência dos Centros parece servir apenas para justificar as verbas provenientes da União Europeia, no âmbito do Programa de Desenvolvimento Educativo para Portugal (PRODEP).

Conforme Barroso e Canário (1999: 42) explicitam, esta PRODEPendência contribuiu para que os Centros se configurassem mais como “agências de formação do que como centros de recursos das escolas associadas”. Esta situação resulta, por um lado, da “dependência administrativo-financeira relativamente à escola-sede” e, por outro, da “parca tradição de associações de escolas no nosso país” (Barroso & Canário, 1999: 42). Neste sentido, a rede de formação configurava-se como uma realidade incipiente em que o papel dos membros da Comissão Pedagógica era, sobretudo, o de articular o Centro e as Escolas, funcionando como canal de circulação da informação, em detrimento de um verdadeiro órgão político de decisão.

Resultava, deste modo, um entendimento da Comissão Pedagógica como órgão consultivo, delegando e confiando na iniciativa do director. Barroso e Canário (1999: 151) referem que “os directores dos Centros se sentiram ‘obrigados’ a desenvolverem processos de consulta aos professores sobre as suas ‘necessidades de formação’ mas foram poucos os que realizaram uma reflexão crítica que pusesse em causa os fundamentos deste processo de construção de uma oferta de formação”.

O segundo diploma a ser evidenciado é o Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, o qual determina que para efeitos de progressão dos professores na carreira, só podem ser creditadas as acções de formação contínua relacionadas com a área científico-didáctica do docente (dois terços, obrigatoriamente), bem como com as necessidades da escola, definidas no respectivo projecto educativo ou no plano anual de actividades.

Constata-se, pelo acima exposto, que nas últimas décadas, a política de formação contínua de professores tem assinalado alguma evolução, mas também retrocessos e, ainda, uma relativa mudança. Vários autores (Barroso, 2003; Barroso & Canário, 1999;