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DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES

1. Ser Professor numa Sociedade em Mudança

Actualmente vive-se numa sociedade em que as transformações se dão continuamente, a um ritmo alucinante. Cachapuz, Sá-Chaves e Paixão (2004) referem-se a este início de século como um tempo de mudanças, no qual se estabelecem, de forma constante, “dinâmicas de aceleração na produção de informação e no acesso à mesma (…), dificultando a sustentação de qualquer ideia de certeza, de continuidade, de permanência e de previsibilidade” (p. 15).

Concorda-se com Giddens (2010), quando o autor defende que a forma actual de viver em sociedade se encontra afectada por uma profunda reestruturação. Isto porque, as transformações que se fazem sentir devem-se essencialmente ao facto de se viver na era da globalização, dizendo esta respeito, tanto aos grandes sistemas mundiais como, por exemplo, o sistema financeiro, como ainda, a aspectos individuais e culturais, nomeadamente aos valores subjacentes à organização familiar, profissional e pessoal.

Estas transformações incluem, conforme relata Marchesi (2008), para além da já mencionada expansão do acesso ao conhecimento por via das novas tecnologias da informação e da comunicação; as alterações da dita família-padrão e dos alunos; as modificações no mercado de trabalho; os valores sociais emergentes; e a crescente diversidade cultural e linguística (com a grande afluência de imigrantes). Acresce-se, ainda, a superação das fronteiras (por via das telecomunicações, dos acessos e dos transportes), o comércio mundial de bens e serviços, a descoberta do digital e do virtual, entre outros aspectos que levam, inclusive, à própria redefinição dos conceitos básicos de tempo e espaço. Estas, são, efectivamente, características da sociedade actual, que provocam rápidas mudanças a todos os níveis (culturais, sociais, económicos e políticos), tendo repercussões em diversos domínios, entre eles, o da Educação. A globalização gerou, pois, diversificadas mudanças na sociedade em geral, com repercussões, inevitáveis em diversos domínios, em particular, para o da Educação.

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Deixou de se estar perante um saber fechado, estático e tranquilizador, dado que a forma de actuação das pessoas e das organizações tem vindo a sofrer grandes transformações, tendendo a passar do individual para o colectivo, emergindo e/ou intensificando-se parcerias e redes de relacionamento. Nas sociedades contemporâneas, os modos de vida, hábitos, valores e costumes estão em permanente mutação.

De acordo com Ramonet (2002), os desafios no início deste novo século prendem-se com aspectos variáveis e múltiplos, que se estendem das preocupações sociais até aos movimentos ecológicos, passando pelo terrorismo, as diversas guerras, as doenças como o HIV/SIDA, o cancro e o flagelo da fome, que aumenta desmesuradamente, afectando todos os Estados e incidindo, particularmente, nos mais pobres.

Ambrósio (2003) considera que a busca de adequação das políticas de intervenção às exigências da sociedade do século XXI, e à luta contra a discrepância de desenvolvimento entre países, representa a grande utopia actual: “le Développement humain est le but du progrès, des avancements et des changements; la croissance économique n’en est qu’un moyen. Les chemins du développement doivent être ouverts à tous [ênfase no original]” (p. 3).

A Declaração do Milénio, adoptada em 2000, por todos os Estados Membros da Assembleia Geral das Nações Unidas, veio lançar um processo decisivo da cooperação global no século XXI e um enorme impulso às questões do Desenvolvimento, com a identificação dos desafios centrais enfrentados pela Humanidade no limiar do novo milénio. A comunidade internacional, com base numa actuação concertada, aprovou os designados Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (Millennium Development Goals – MDGs)10, a serem atingidos num prazo de 25 anos, a saber: (i) erradicar a pobreza extrema e a fome; (ii) alcançar a educação primária universal; (iii) promover a igualdade do género e capacitar as mulheres; (iv) reduzir a mortalidade infantil; (v) melhorar a saúde materna; (vi) combater o HIV/SIDA, a malária e outras doenças; (vii) assegurar a sustentabilidade ambiental; (viii) desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento. De um modo geral, todos os objectivos apresentam uma forte conotação com a educabilidade dos cidadãos/Educação.

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Foram também estabelecidas metas quantitativas para a maioria dos objectivos, com vista a possibilitar a medição e acompanhamento dos progressos efectuados na sua concretização, ao nível global e nacional.

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Deste modo, existe um apelo cada vez mais forte para se assumir politicamente a mundialização de problemas resultantes das rápidas transformações das estruturas económicas, sociais e políticas e colocam-se, pois, grandes expectativas na eficácia da Educação, derivadas das novas exigências com que se depara.

Neste sentido, a missão educativa da escola é entendida, no sentido lato, como preparação para a vida numa sociedade complexa e rapidamente mutável, que se abre, cada vez mais, para a Europa e para o Mundo (Perrenoud, 1994). A Educação é, assim, expressão das inúmeras transformações sociais, culturais, económicas e políticas que se vivem no País, na Europa e um pouco por todo o Mundo.

Todas estas características da sociedade do século XXI afectam, indubitavelmente, o exercício da actividade docente, colocando constantemente novos e complexos desafios à escola (no sentido da reestruturação dos processos de ensino e aprendizagem e por meio de sucessivas reformas) e ao trabalho dos docentes (reequacionamento de competências, conteúdos, métodos, atitudes, atributos e capacidades), e exigindo respostas cada vez mais prementes dada a rapidez com que as mudanças ocorrem, numa sociedade cada vez mais global (Day, 2001; Kelchtermans, 2009; Marchesi, 2008; Moreira, 2010; Perrenoud, 1994).

Na actual sociedade do conhecimento, são cada vez mais e maiores as diversificadas necessidades, exigências e desafios com que os professores se deparam nos seus contextos escolares, face aos quais devem estar preparados para dar respostas adequadas e cada vez mais imediatas. O trabalho exigido aos professores nas escolas é, pois, cada vez mais diverso e complexo. O professor não é mais considerado, como outrora no ensino tradicional, um mero técnico, detentor e transmissor do conhecimento, mas sim responsável pelo desempenho de diversas funções e tarefas, que tornam o seu papel difícil de aferir. Tem de ter conhecimento pedagógico e didáctico, dominar conteúdos, promover a aprendizagem, organizar, diferenciar e diversificar actividades e estratégias de apoio tendo em conta os interesses e as várias necessidades (cognitivas, físicas, emocionais, afectivas, sociológicas, entre outras) de cada aluno. Deve, ainda, ser sensível às problemáticas sociais contemporâneas, tais como o abandono escolar, a violência, a pobreza, o desemprego, a diversidade cultural, as minorias étnicas (religiosas e linguísticas), a exclusão social, a desigualdade, entre muitas outras.

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No relatório Teachers Matter, publicado pela OCDE, em 2005, é evidenciada a existência destas situações que, por estarem presentes no quotidiano escolar, influenciam, inevitável e fortemente, a actividade docente:

The demands on schools and teachers are becoming more complex. Society now expects schools to deal effectively with different languages and student backgrounds, to be sensitive to culture and gender issues, to promote tolerance and social cohesion, to respond effectively to disadvantaged students and students with learning or behavioural problems, to use new technologies, and to keep pace with rapidly developing fields of knowledge and approaches to student assessment (…). Teachers need to be capable of preparing students for a society and an economy in which they will be expected to be self-directed learners, able and motivated to keep learning over a lifetime. (OCDE, 2005: 1-2).

De facto, actualmente, a escola, em geral, e os professores, de um modo particular, convivem com diversas e complexas situações sociais, com as quais não conviviam há algumas décadas atrás. Outrora predominava a visão do professor solitário e transmissor da informação nas práticas da sala de aula, actualmente é expectável que o professor assuma um papel de facilitador das aprendizagens e do desenvolvimento do pensamento dos alunos e, ainda, que desempenhe um papel moral, que tem que ver com a natureza das decisões e dos juízos dos docentes. Os professores sentem também uma pressão social crescente, dado que estão sob um escrutínio público cada vez maior (Day, 2001). A confiança, outrora depositada nos professores, de serem capazes de desenvolver um bom trabalho na escola, é questionada, despoletando nestes um sentimento de perda de confiança pública, com repercussões evidentes na prática pedagógica. A este respeito, num outro relatório Teachers Matter, de 2011, vem evidenciada a enorme expectativa relativa ao desempenho dos professores à medida que a economia e a sociedade evoluem, advertindo que “If the teaching profession is to retain the confidence of society it must adapt and act in a constructive manner within a fast-changing society” (OCDE, 2011: 7).

A educação aparece, pois, como fundamental no progresso das sociedades em mudança. As realidades escolares são particularmente susceptíveis às transformações que ocorrem na sociedade em geral e, por vezes, são aquelas as desencadeadoras dessas mesmas alterações. Autores como Perrenoud (1994: 12) e Day (2001: 37) advogam isso mesmo, o primeiro refere-se à escola como desempenhando um papel motor, e o segundo refere- se aos professores como iniciadores da mudança e não apenas meros recipientes da mudança política, iniciada fora das escolas e das salas de aula. Como Thurler (1994: 33) afirma: “a mudança em educação depende daquilo que os professores pensarem

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dela e dela fizerem e da maneira como eles a conseguirem construir activamente

[ênfase no original]”. Os professores são, assim, encarados como elementos centrais na construção da mudança em educação, são eles os agentes criativos geradores de acções inovadoras e promotoras do sucesso da educação. As estratégias adoptadas devem conduzir à mudança de atitudes e das práticas dos professores, bem como melhorar o funcionamento dos locais de trabalho onde aqueles interagem – as escolas. Também a UNESCO na sua publicação Educação – um tesouro a descobrir, destaca a importância do papel do professor enquanto agente de mudança, o qual deve favorecer a compreensão mútua e a tolerância, realçando que, efectivamente,

“são enormes as responsabilidades dos professores a quem cabe formar o carácter e o espírito das novas gerações. A aposta é alta e traz para primeiro plano os valores morais adquiridos na infância e ao longo de toda a vida” (Delors et al., 1998: 131).

No mesmo Relatório há, no entanto, um apelo a ter em conta para melhorar a qualidade da educação, que passa por “antes de mais, melhorar o recrutamento, formação, estatuto social e condições de trabalho dos professores” (Delors et al., 1998: 131), tendo estes que, para o efeito, possuir os conhecimentos e competências, as qualidades pessoais, as possibilidades profissionais e a motivação, indispensáveis à resposta que se pretende dos mesmos. Sachs (2009) acresce a esses requisitos, a flexibilidade para levar a cabo a mudança, a qual representa um desafio significativo, que está sempre presente na sociedade actual.

À semelhança de outros profissionais, os professores têm, pois, necessariamente, de actualizar as suas competências (pedagógicas) e os seus conhecimentos (de conteúdo). Contudo, o que caracteriza e distingue o professor de outros actores sociais e agentes profissionais, é a acção de ensinar – conceito que não é nem consensual nem estático. Em relação ao conceito de ensinar, segundo Roldão (2007), uma das controvérsias que se coloca é entre professar um saber e fazer os outros se apropriarem de um saber:

“Saber produzir essa mediação não é um dom, embora alguns o tenham; não é uma técnica, embora requeira uma excelente operacionalização técnico-estratégica; não é uma vocação, embora alguns a possam sentir. É ser um profissional de ensino, legitimado por um conhecimento específico exigente e complexo” (p. 102).

O acto de ensinar era praticado muito antes de sobre ele se produzir conhecimento sistematizado, porém a progressiva teorização do acto de ensinar começou a gerar novos conhecimentos que passaram a influenciar a forma de actuar dos profissionais da educação.

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Na natureza do conhecimento profissional docente configuram-se duas tendências interpretativas predominantes: (i) uma centrada na análise dos componentes, valorizando o conhecimento prévio necessário; (ii) outra centrada na valorização da prática profissional reflectida como fonte primária, valorizando o conhecimento emergente da prática e da reflexão sobre ela. Para Roldão (2007), a predominância do praticismo na cultura profissional dos docentes, não contribui para o crescimento da profissão, num mundo em que conhecer é poder. A autora considera necessário haver um salto na profissionalização dos professores, o qual depende da “afirmação e o reforço de um saber profissional mais analítico, consistente e em permanente actualização, claro na sua especificidade, e sólido nos seus fundamentos” (Roldão, 2007: 102).

A acção docente está vinculada ao processo formativo do professor. Tornar-se professor é, segundo Pacheco (1995: 45) “um processo dinâmico e evolutivo que compreende um conjunto variado de aprendizagens e de experiências ao longo das diferentes etapas formativas”, num processo de transformação e reconstrução, de aprendizagem contínua de carácter formal ou não formal11, que vai para além da aquisição de conhecimentos e destrezas, constituindo uma questão de individualidade.

Sá-Chaves (2002: 5) acresce que “a profissionalidade que as novas condições sociais exigem é a capacidade de assumir uma perspectiva crítica que, trabalhando com conhecimentos actualizados, permita enfrentar com sabedoria os problemas complexos, tomar decisões oportunas e adequadas e implementar soluções socialmente negociadas que possam transformar positivamente as realidades de cada contexto [ênfase no original]”.

Enquadrado na mesma linha de raciocínio, encontra-se Hargreaves (2000), o qual considera que, efectivamente, em resposta a estas mudanças e tempos difíceis, se torna necessário um profissionalismo emergente.

11 A aprendizagem formal decorre em instituições de ensino e formação e conduz a diplomas e qualificações reconhecidas; a aprendizagem não formal decorre em paralelo aos sistemas de ensino e não conduz necessariamente à certificação, pode ocorrer no local de trabalho e ser ministrada através de organizações criadas em complemento aos sistemas convencionais e, por último, a aprendizagem informal é um acompanhamento natural da vida quotidiana e não é necessariamente intencional e pode não ser reconhecida como enriquecimento dos seus conhecimentos e aptidões (CCE, 2000).

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Pacheco (1995) realça que o trabalho do docente é muitas vezes descrito como prático, decisor, altamente racional e consciente, porque constrói, progressivamente, o conhecimento no decorrer da interacção com o contexto sociocultural que intervém e por outro lado, constrói, continuamente, esse contexto colocando em prática a sua própria teoria sobre o mundo.

Vários são os autores (Marchesi, 2008; Morais & Medeiros, 2007; Nóvoa, 2009) que abordam a temática da emergência de novas responsabilidades necessárias ao desempenho da profissão docente no século XXI. Apresentam diferentes papéis (Morais & Medeiros, 2007) ou atributos (Nóvoa, 2009) ou competências (Marchesi, 2008; Perrenoud, 2000) essenciais à profissão de professor. Como aspectos transversais aos referidos autores, encontram-se: o conhecimento, a cooperação com os pais, o

trabalho em equipa e a colaboração entre colegas.

Hargreaves (2000: 176) afirma que “teachers need to become more proactive rather than reactive, more outward-looking than being defensively introspective, to embrace the ‘paradoxical challenge’ of becoming ‘professionally stronger’ by becoming ‘more publicly vulnerable and accessible”.

Também Nóvoa (2009) é bastante incisivo em relação a este último aspecto. O autor enuncia cinco disposições que considera serem essenciais à definição dos professores nos dias de hoje, a saber: (i) o conhecimento – o professor deve levar os alunos a aprender, à aquisição e compreensão do conhecimento; (ii) a cultura profissional – a profissão aprende-se no contacto com os colegas. A evolução e inovação ocorrem quando há o registo das práticas, a reflexão sobre o trabalho e o exercício da avaliação; (iii) o tacto pedagógico – requer capacidade de comunicação e de relação, bem como calma, necessária para se dar ao respeito e levar os alunos a aprender. As dimensões profissionais são inseparáveis das dimensões pessoais; (iv) o trabalho em equipa – reforçado pelas dimensões colectivas e colaborativas da nova profissionalidade docente. O exercício profissional organiza-se no contexto de movimentos pedagógicos, estabelecendo dinâmicas exteriores à escola, e também, cada vez mais, em torno de “comunidades práticas”, no seio escolar; (v) o compromisso social – no sentido de ajudar a criança a transpor qualquer tipo de obstáculo que se lhe apresente devido à sua condição familiar ou social. O ethos profissional docente implica o envolvimento e

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intervenção no espaço público educativo. A este propósito, o autor havia já proferido que: “Hoje, impõe-se uma abertura dos professores ao exterior. Comunicar com a sociedade é também responder perante a sociedade. Possivelmente, a profissão tornar- se-á mais vulnerável, mas esta é a condição necessária para a afirmação do seu prestígio e do seu estatuto social. Nas sociedades contemporâneas, a força de uma profissão define-se, em grande parte, pela sua capacidade de comunicação com o público” (Nóvoa, 2007: 26).

Face à crescente complexidade e célere mudança da sociedade actual, e considerando a educação enquanto campo dinâmico e profissional, o desenvolvimento profissional deve ser considerado o cerne para a melhoria da educação, a par e em relação com o desenvolvimento das organizações. No cerne desta relação enfatiza-se a importância das culturas de escola e das suas lideranças, simultaneamente, motores e condições de desenvolvimento profissional e organizacional.