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O CONFLITO E A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS NA EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA

2. O Conflito na Infância

3.1 Origens e Conceito

As práticas de mediação remontam a tempos ancestrais. Este facto é constatado por muitos dos autores consultados sobre a temática da mediação (Boqué, 2008; Guillaume- Hofnung, 2000; Six, 1995; Torrego, 2003; Vasconcelos-Sousa, 2002). Bonafé-Schmitt (2009) destaca que no início dos anos 70, o processo de mediação começou a desenvolver-se, em França e nos Estados Unidos da América (EUA), enquanto forma alternativa de resolução de disputas – ADR (Alternative Dispute Resolution) ou resposta não violenta aos conflitos, entre as quais se destacam: a negociação, a conciliação, a mediação e a arbitragem. Estes processos constituem alternativas aos métodos utilizados para determinar os vencedores e os perdedores, a culpa, o erro e a punição (Littlejohn & Domenici, 1999).

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Inicialmente, a mediação constituiu-se, pois, como uma alternativa ao sistema judicial, expandido o seu campo de acção para o domínio familiar e penal e, posteriormente, para o domínio empresarial, comunitário, escolar, intercultural, internacional, entre outros. Boqué et al. (2005) testemunham que o acréscimo da violência no contexto social e a corrida ao armamento, no âmbito internacional, levou a que, nos anos 70, nos EUA, começassem a surgir os primeiros programas de mediação escolar, os designados currículos de resolução alternativa de conflitos. Um dos primeiros programas a ser criado, em 1972, e ainda vigente, foi The Children’s Creative Response to Conflict (CCRC), com os seguintes objectivos: (i) capacitar as crianças para estabelecerem uma comunicação aberta; (ii) ajudar as crianças a compreenderem e a partilharem os seus sentimentos; (iii) ajudar as crianças a compreenderem e a confiarem nas suas capacidades; (iv) ensinar as crianças a prevenirem e a solucionarem os conflitos de um modo criativo. (Boqué et al., 2005: 16).

Os programas de mediação escolar foram-se disseminando por todo o continente americano e também pelo europeu. Em Portugal, a mediação de conflitos é relativamente recente, sendo que o primeiro estudo avaliativo de um projecto de mediação intitulado “Mediação em Acção”, data de 2002, elaborado por Elsa Ferreira, numa escola na Benedita.

Dada a extensão do campo de aplicação da mediação e a diversidade de práticas que lhe está associada, a noção de mediação torna-se difícil de aferir, porque versátil. Contudo, este trabalho centra-se, essencialmente, no âmbito da gestão de conflitos em contexto educativo. Efectivamente, como apontado por Martínez (1999: 77), a mediação é aplicável a todos os âmbitos de relação humana, tendo adquirido particular importância ao nível da gestão de conflitos entre alunos, nas escolas.

A mediação é um processo activo, no qual os litigantes recorrem, voluntariamente, a uma terceira pessoa – o mediador, dotado de um conjunto de competências e técnicas de acção, das quais faz uso no decurso do processo de mediação. O mediador deve criar um clima de confiança, não tem qualquer poder de decisão, deve manter-se imparcial, escutar activamente ambas as partes, guardar confidencialidade, agir no sentido de restabelecer a comunicação, levando-as a encontrarem uma solução conjunta.

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Figura 6: Esquema Geral do Processo de Mediação

Fonte: Boqué (2008: 54)

Como se pode observar na figura acima, o processo de mediação apresenta cinco momentos, a saber: (i) Entrada – etapa fulcral, pois é estabelecido o primeiro contacto com as partes mediadas. Este é o momento em que o mediador torna claras as regras da mediação, procurando incluir ambas as partes na construção de uma directriz partilhada, de tolerância, de confiança e de compreensão; criando assim, um sentido de responsabilidade que pode vir a facilitar o desenvolvimento dos momentos seguintes; (ii) Conta-me – o mediador ouve, atentamente, cada uma das partes e apela a que cada qual escute activamente a perspectiva da outra. É aqui importante a capacidade de observação do mediador, relativamente às reacções mútuas; (iii) Situar-se – o mediador enceta por definir a situação como partilhada, passando de um sentimento de competitividade (eu ganho/tu perdes), para um momento de tentativa de colaboração (eu/tu ganhámos), o nós. Identificam-se os sentimentos subjacentes e procura-se definir os pontos em comum, levando as partes a explorar as diferenças enquanto oportunidades e não ameaças.; (iv) Concertar – é seleccionado um aspecto sobre o qual os protagonistas podem trabalhar, colaborativamente, demonstrando reconhecimento pela outra parte e fortalecendo a relação. Pode haver necessidade de retroceder às duas fases anteriores, caso surjam impedimentos para avançar. Tornando a este momento, é fomentada a chuva de ideias, enquanto fase criativa liderada pelos protagonistas e de onde podem advir possíveis soluções comuns; (v) Acordo – as partes elaboram um plano de acção conjunto, o qual prevê o papel a desempenhar por cada uma das partes. Na maioria dos casos é redigido um documento, no qual são explicitadas as tarefas atribuídas aos protagonistas em acções futuras (Boqué, 2008: 54-58).

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Torrego (2003) faz a distinção entre mediação formal e informal. Na primeira é tudo mais organizado, relativamente a espaço, procedimentos, normas, tempos, técnicas, finalidades, fases, etc.. Na mediação informal, as técnicas são muito etéreas e próprias da comunicação diária entre as pessoas (empatia, escutar, parafrasear, ajudar a reformular, ajudar a procurar soluções, etc.); as normas são mais flexíveis, pois qualquer pessoa que actue de modo intuitivo e espontâneo numa qualquer situação de conflito do quotidiano, em qualquer que seja o contexto, pode ser o mediador; e não se pretende necessariamente um acordo, mas uma melhoria das relações.

Six (1995) faz também referência a duas correntes de mediação, uma que procura a institucionalização da mediação; outra que pretende uma autonomia da mediação. Para discerni-las é necessário efectuar uma dupla distinção: por um lado a origem dos diferentes mediadores (institucionais e cidadãos) e, por outro lado, o seu respectivo modo de acção. Six (1990, citado por Guillaume-Hofnung, 1995), apresenta quatro tipos de mediação: (i) Mediação criadora – cujo objectivo é criar relações novas entre as pessoas ou grupos; (ii) Mediação renovadora – cujo objectivo é reactivar relações; (iii) Mediação preventiva – cujo objectivo é evitar o aparecimento de um conflito; e (iv) Mediação curativa – cujo objectivo é ajudar as partes em conflito a encontrar soluções.

Guillaume-Hofnung (1995) propõe uma visão alternativa, agrupando-as e propondo uma tipologia nova. Assim sendo, considera as duas primeiras como sendo mediações sem conflitos ou mediações de diferenças e as outras duas como sendo mediações conflituosas ou mediações de diferendos. A primeira – mediação de diferenças – é considerada a mediação de direito comum, uma vez que a sociedade constrói-se entre e/ou com diferenças, mediante o estabelecimento de pontes entre as diferenças (Guillaume-Hofnung, 1995). A relação estabelece-se através do mediador por excelência que é a linguagem. Esta mediação produz-se naturalmente, de forma inconsciente. A mediação pode, então, ser construtora do tecido social (mediação criadora), preencher déficits ou restabelecer a comunicação (mediação renovadora). O grande objectivo deste tipo de mediação é, pois, desenvolver a relação, tal como a autora designa “La médiation de différences est une médiation entre les indifferences (…)”(Ibid: 74). A segunda – mediação de diferendos – pode prevenir os conflitos ou pode ser curativa, recorrendo à mediação reparadora, na qual o mediador encaminha os

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mediantes9 para a busca de uma solução. O grande objectivo deste tipo de mediação é combater eficazmente os conflitos.

A autora sugere, ainda, um terceiro tipo de mediação – mediação de urgência – em que o é o próprio mediador a suscitar a mediação, quer quando há sofrimento evidente para uma ou ambas as partes, quer quando as partes estão bloqueadas, sem perspectivas de solução para o seu problema (Ibidem: 76). De salientar que o mediador se impõe pela convicção e não por intermédio da força. Posteriormente terá de haver a aceitação voluntária dos mediantes para o prosseguimento da mediação, que poderá enveredar por uma mediação de diferenças ou de diferendos.

Na perspectiva de Guillaume-Hofnung (1995: 76), a mediação é globalmente definida como:

“un mode de construction et de gestion de la vie sociale grâce à l’entremise d’un tiers, neutre, indépendant sans autre pouvoir que l’autorité que lui reconnaissent les médieurs qui l’auront choisi ou reconnu librement”

A autora chega mesmo a fazer algumas observações relacionadas com essa definição: (i) a mediação tem por missão o (r)estabelecimento da comunicação; (ii) a mediação encontra-se vocacionada também para a resolução de conflitos, ainda que na sua definição global não seja feita qualquer alusão ao conflito; (iii) a mediação é inexistente sem a presença de um terceiro elemento, e é ternária quer na sua estrutura quer no resultado (Ibidem: 76-77).

Antes de iniciar qualquer tipo de mediação é indispensável distinguir os conflitos que se podem mediar daqueles que requerem outro tipo de abordagem, como a aplicação de normas de disciplina e a intervenção terapêutica (Boqué et al., 2005). Torrego (2003) aponta também algumas situações perante as quais se deve evitar avançar com um processo de mediação, ou seja, quando: (i) os factos são muito recentes e os protagonistas estão tão fora de si que não conseguem escutar, conter-se ou tomar decisões; (ii) a complexidade do problema excede o que pode ser resolvido no âmbito da mediação (drogas, abusos, maus tratos, etc.); (iii) o problema tem especial relevância para a escola e esta pretende tomar alguma decisão ou medidas directamente.

9 Guillaume-Hofnung (1995) designa as partes de mediantes, por serem sujeitos activos e não passivos no processo de mediação.

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