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DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES

2. Culturas e Lideranças de Escola

2.1 Culturas de Escola

2.1.3 A Cultura da Colegialidade Artificial

Na colegialidade artificial as relações profissionais de colaboração entre os professores são forçadas, recomendadas e, muitas vezes, impostas administrativamente.

Segundo Fullan e Hargreaves (2001: 103), a colegialidade artificial “caracteriza-se por um conjunto de procedimentos formais e burocráticos específicos, destinados a aumentar a atenção dada à planificação em grupo e à consulta entre colegas, bem como a outras formas de trabalho em conjunto (…) como o treino pelos pares, os esquemas de mentoria, [entre outras] (…)”, visando assim criar relações de colaboração mais constantes, de partilha de práticas e experiências entre os professores.

Contudo, quando mal implementada, pode ter efeito contrário, reduzindo a motivação dos professores em cooperarem. Isto ocorre quando os professores são levados a colaborar por razões que lhes são externas e que não entendem, podendo sentir-se violentados, quer na sua privacidade, quer no exercício da sua autonomia e a colegialidade acaba por funcionar como um mecanismo de controlo dos professores, sendo pouco provável que a qualidade das interacções entre os mesmos seja melhorada.

Para Hargreaves (1998), a colegialidade artificial apresenta como consequências negativas a inflexibilidade e a ineficiência, as quais violam os princípios do juízo discricionário, que constitui o cerne do profissionalismo docente.

No entanto, quaisquer culturas colaborativas necessitam de algum artificialismo, pois aquelas “não surgem por si próprias. A calendarização perspicaz, a dispensa das pessoas de modo a que tenham a possibilidade de planearem conjuntamente, a substituição dos

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docentes (…) – todos estes procedimentos ajudam a criar as condições adequadas a que as culturas colaborativas se desenvolvam” (Fullan & Hargreaves, 2001: 104), aumentando o foco no trabalho conjunto, ainda que sem dar garantias de continuidade.

Não obstante, o que diferencia as culturas colaborativas de modalidades mais superficiais de colegialidade é o facto de, nas primeiras ser promovido o apoio e as parcerias e nas últimas, ser imposto.

As culturas colaborativas demoram mais tempo a construir do que as de colegialidade artificial, podendo estas constituir uma tentativa prévia para o estabelecimento de relações colaborativas mais sólidas entre os professores.

A colegialidade artificial pode, então, ser vista como uma fase de transição entre a cultura do individualismo e a cultura de colaboração, na qual as lideranças assumem um papel fundamental.

A partir da leitura de Hargreaves (1998: 216 a 221), elaborou-se o quadro 4. Este apresenta o tipo de controlo e de intervenção administrativa, bem como as relações de trabalho dos professores em culturas colaborativas e em culturas de colegialidade artificial.

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Quadro 4: Comparação das Culturas de Colaboração e de Colegialidade Artificial

Colaboração Colegialidade artificial

Iniciativa

Espontânea Regulada administrativamente

Os professores tomam a iniciativa. A direcção da escola pode apoiar (por exemplo:

por meio de facilitações de calendarização, substituições, etc.)

É imposta pela direcção, exigindo que os professores trabalhem em conjunto. Participação

Voluntária Compulsiva

Os professores percepcionam o trabalho em conjunto como sendo agradável e produtivo.

O trabalho em conjunto é uma obrigação, e é dada pouca margem de discrição à individualidade. Orientação

Orientada para o desenvolvimento Orientada para a implementação Os professores trabalham sobre iniciativas próprias

ou apoiadas ou requeridas externamente, pelas quais se interessem.

Eles são os iniciadores da mudança. Às solicitações externas, respondem selectivamente, em consonância com a sua confiança profissional e seu juízo discricionário.

Os professores são obrigados ou «persuadidos» a trabalhar em conjunto para obedecer a ordens de outros (director da escola, agrupamento de escola,

distrito escolar ou do Ministério)

Tempo e Espaço

Difundida no tempo e espaço Fixa no tempo e espaço O trabalho conjunto não costuma ter tempo e

espaço marcados.

Grande parte do trabalho em conjunto consiste em encontros informais breves, mas frequentes (como por exemplo: uma troca de olhares ou de palavras, sugestões a respeito de novas ideias, discussões

informais, partilha de problemas, encontros conjuntos com pais, entre outras).

As únicas relações de trabalho em conjunto que os professores têm são aquelas que estão reguladas/definidas, no tempo e espaço, pela administração (como por exemplo: sessões de treino com pares, reuniões de planificação em colaboração durante o tempo de preparação, entre

outras). Resultados

Imprevisível Previsível

Os professores são os decisores do currículo e da avaliação; eles controlam aquilo que desenvolvem.

Os resultados da colaboração são muitas vezes incertos e dificilmente previsíveis.

A colegialidade é concebida para produzir resultados, altamente previsíveis. Constitui uma simulação segura da colaboração,

ensaiada pela administração.

Também Day (2001) atesta que as culturas colaborativas não surgem por si próprias, havendo quase sempre algum artificialismo na sua génese. Hargreaves (1998) corrobora, sustentando não haver uma colaboração absolutamente real ou verdadeira, apenas diferentes formas de colaboração, com diversos propósitos e consequências. Fullan e Hargreaves (2001) também dão o seu testemunho, afirmando que as culturas colaborativas não emergem espontaneamente, sendo necessária orientação e intervenção dos gestores das escolas.

Daí que Fullan e Hargreaves (2001: 99) falem da colaboração confortável, como sendo uma forma de colaboração circunscrita, uma vez que “(…) não se estende aos contextos

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de sala de aula em que os professores poderiam envolver-se no ensino conjunto, na observação mútua do trabalho ou na investigação-acção”. Apesar de poder haver tempo de planificação conjunta, não há tempo para os professores irem às salas uns dos outros, para assim poderem indagar sobre as práticas em contexto e reflectirem conjuntamente.

De facto, ainda que na colaboração confortável possa haver produção e troca de ideias e materiais, é de natureza imediata, específica, técnica e a curto prazo, excluindo a reflexão crítica (Day, 2001: 130; Fullan & Hargreaves, 2001: 100) e, como tal, pode não ser suficiente para influenciar e desafiar a prática habitual dos professores, mantendo cada qual a sua privacidade. É, então, considerada como uma “colaboração circunscrita [que] raramente atinge os aspectos mais profundos, os princípios e as dimensões éticas da prática” (Fullan & Hargreaves, 2001: 100).

Trata-se de culturas onde há uma boa convivência em termos pessoais entre os professores e na qual se sentem compreendidos e apoiados, contudo, em termos profissionais persiste a resistência aos desafios, sendo por isso comunidades pouco exigentes, pouco desafiantes e podendo vir a tornar-se num espaço demasiado cómodo e conformista. Apesar das culturas colaborativas oferecerem grandes potencialidades de crescimento para os seus atores, podem não alargar-se às salas de aula, constituindo-se, assim, numa cooperação dissimulada de colaboração (Day, 2001).