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4. Formação Contínua de Professores

4.1 Conceito e Princípios

Formar deriva, etimologicamente, do latim formare, que significa dar a forma, a configuração exterior ou o ser. De um modo geral, a formação ocorre em todo e qualquer âmbito da vida do ser humano, ou seja, é um processo que está inerente ao seu modo de ser, de estar, de pensar e de agir.

Desde a década de 50 do século passado, que se tem vindo a atribuir uma crescente importância à formação, como resultado das rápidas mudanças operadas na sociedade que conduziram a um sentimento de insegurança dos cidadãos em geral e, em particular, dos professores, que sentem cada vez mais a necessidade de reduzir as incertezas e procurar fontes de actualização de conhecimentos, estratégias e fundamentos educativos, ou seja, formação, que contribua para o seu contínuo processo de desenvolvimento ao longo da vida.

Michel Fabre (1994) é de opinião que

“former implique la transmission de connaissances, comme l’instruction, mais également de valeurs et de savoir-être comme l’éducation. En outre, former concerne le rapport du savoir à la pratique, à la vie. Former est donc moins spécifique qu’instruire, ce qui le rapproche d’éduquer. Comme l’éducation, la formation se caractérise par un aspect global : il s’agit d’agir sur la personnalité entière. Mais former est plus ontologique qu’instruire ou éduquer : dans la formation, c’est l’être même qui est en jeu, dans sa forme” (p. 23).

Deste modo, formar parece remeter para três aspectos importantes: (i) transmitir conhecimentos como a instrução; (ii) modelar a personalidade na sua globalidade como a educação; e (iii) integrar o saber com a prática, ou seja, com a vida do dia-a-dia.

Fabre (1994) reconhece também três significados essenciais à formação: “l’adaptation rationnelle à un changement social caractérisé par la transformation permanente des tâches et l’obsolescence rapide des savoirs, la valorisation de l’innovation et, enfin, le développement du rôle croissant des experts” (p. 75).

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Também Ferry (1991, citado por Marcelo, 1999) se encontra na mesma linha de raciocínio, ao considerar o conceito de formação sob três prismas: (i) como função social, implicando a transmissão de saberes em benefício de sistemas socioeconómico e/ou culturais dominantes; (ii) como um processo de desenvolvimento e estruturação da pessoa, resultando na maturação interna e nas aprendizagens/experiências dos indivíduos; e (iii) como instituição, referindo-se à estrutura organizacional que planifica e desenvolve as actividades de formação. Estas três concepções encontram-se interligadas, pelo facto de que a estrutura institucional de formação encarrega-se de disponibilizar determinados saberes, que contribuem para o desenvolvimento dos indivíduos e dos sistemas.

Reforçando a dimensão pessoal, o autor acresce, ainda, que “formar-se nada mais é senão um trabalho sobre si mesmo, livremente imaginado, desejado e procurado, realizado através de meios que são oferecidos ou que o próprio procura” (Ferry, 1991, citado por Marcelo, 1999: 19). Também Canário (1991) refere que quando se fala de formação se trata “fundamentalmente de um percurso individual, auto-dirigido, que se desenvolve segundo uma lógica de apropriação e não de acumulação de conhecimentos (…) em que os adultos são sujeitos e agentes de formação e não meros objectos” (p. 83).

Ainda que o meio envolvente possa influenciar o percurso dos professores, cada qual apropria-se das experiências e dos saberes que têm significado para si, integrando-os no seu processo de formação. Este, por sua vez, deve estimular uma perspectiva crítica/reflexiva, possibilitando aos professores a capacidade de pensamento autónomo no sentido de desenvolver e valorizar conhecimentos próprios e dos colegas. Tal como afirma Labelle (2001: 110): “o prefixo auto deve ser entendido como eu-na-minha- relação-com-o-outro. O que tem por consequência o sublinhar da pertinência do trabalho de grupo (…)”. Assim, apesar do processo de formação poder ser individual e gerido pelo próprio formando, não implica que seja isolado e solitário, nem tão pouco que não seja referenciado aos contextos colectivos onde se insere e para os quais prepara.

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Nesse sentido, Nóvoa (2002: 44) advoga a necessidade de “práticas de formação que não atendam apenas aos aspectos pessoais e organizacionais, mas que contribuam para reforçar as vivências colectivas da profissão”.

Marcelo (1999) enquadra-se na mesma linha de pensamento, advertindo, contudo, que a formação não se realiza apenas de forma autónoma e faz uso das distinções de diferentes formas de formação, delineadas por Debesse (1982): (i) autoformação – participação independente do indivíduo, com controlo dos objectivos, processos, instrumentos e resultados da sua formação; (ii) heteroformação – organização e desenvolvimento da formação, a partir do exterior; (iii) interformação – concebida como apoio privilegiado no trabalho da equipa pedagógica, trata-se da “acção educativa que ocorre entre os futuros professores ou entre professores em fase de actualização de conhecimentos” (Debesse, 1982, citado por Marcelo, 1999: 20). Ainda segundo o mesmo autor, qualquer forma de formação tem como substrato a interexperiência do contexto humano. É, pois, através da interformação que os indivíduos procuram contextos de aprendizagem que promovam o desenvolvimento pessoal e profissional e que partindo das suas representações e competências contribuem para o processo da sua própria formação.

Na perspectiva de Ferry (1991, citado por Marcelo, 1999), a formação de professores diferencia-se de outras actividades de formação em três dimensões: (i) é formação dupla, onde se combina a formação académica (científica, literária, artística, etc.) com a formação pedagógica; (ii) é uma formação profissional, pois forma profissionais; (iii) é uma formação de formadores, influenciando o necessário isomorfismo entre formação de professores e a sua prática profissional.

A formação de professores é considerada por muitos autores como uma das bases de todo o processo educativo. A formação de professores ocupa-se, enquanto área de conhecimento e investigação, com o estudo dos processos através dos quais os professores aprendem e desenvolvem a sua competência profissional. Trata-se de um processo de carácter sistemático e organizado, que pode envolver apenas um professor ou um grupo de professores para a realização de actividades de desenvolvimento profissional centradas nas suas necessidades e interesses e, por isso, com uma maior potencialidade de mudança (Marcelo, 1999). A formação de professores pode levar à

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mera aquisição de conhecimentos por parte dos docentes, quando apenas envolvidos enquanto professores-formandos, ou a um enriquecimento e/ou aperfeiçoamento da competência profissional dos docentes implicados, enquanto professores-participantes, incidindo ao nível dos conhecimentos, competências e disposições, capacitando-os para um trabalho profissional não apenas ao nível da sua sala como também da escola e comunidade, como por exemplo, na elaboração de projectos curriculares de escola e a realização de outros trabalhos em colaboração com colegas, pais, outros profissionais, etc..

Marcelo (1999) evidencia uma síntese de princípios, subjacentes à formação de professores. A saber:

(i) conceber a formação de professores como um contínuo – inicia com a formação inicial e estende-se por um longo e diferenciado processo de desenvolvimento profissional ao longo da carreira (mantendo sempre alguns princípios éticos, didácticos e pedagógicos comuns independentemente do nível de formação de professores);

(ii) integrar a formação de professores em processos de mudança, inovação e desenvolvimento curricular – todos estes processos devem estar interligados, sendo a formação de professores concebida enquanto estratégia para melhorar o ensino;

(iii) ligar os processos de formação de professores com o desenvolvimento organizacional da escola – a qual é o centro educativo contém potencialidade, como contexto favorável para a aprendizagem dos professores. Saliente-se que as escolas onde são adoptadas as modalidades de formação que tomam como referência o próprio contexto dos professores, têm maior probabilidade de transformação;

(iv) integrar conteúdos académicos e disciplinares com a formação pedagógica na formação de professores – o conhecimento didáctico do conteúdo deve ser valorizado enquanto estruturador do pensamento pedagógico do professor;

(v) integrar teoria e prática na formação de professores – para que a prática se constitua enquanto conhecimento, requer não apenas um conjunto de experiências e vivências pessoais que se racionalizam e até se tornam rotina, mas sim análise e reflexão na e sobre a própria acção. Assim, aprender a

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ensinar pode ser realizado através de um processo que integre o conhecimento prático e o conhecimento teórico num currículo orientado para a acção;

(vi) procurar o isomorfismo entre a formação recebida pelo professor e o tipo de educação a desenvolver – torna-se indispensável haver congruência entre o conhecimento didáctico do conteúdo e o conhecimento pedagógico transmitido, e a forma como esse conhecimento se transmite;

(vii) contemplar a individualização – este é um elemento integrante de qualquer programa de formação de professores e pode tomar como unidade o professor, como pessoa, mas também a(s) equipa(s) de professores ou a escola. Aprender a ensinar deve ter em consideração as características de cada professor ou grupo de professores, de forma a desenvolver as suas próprias capacidades e potencialidades. Mesmo porque, a formação de professores deve responder às necessidades e interesses, bem como às expectativas dos professores como pessoas e como profissionais.

Deve estar também adaptada ao contexto de trabalho e fomentar a participação e a reflexão dos professores. O autor acentua, ainda, a importância do questionamento e do desenvolvimento do conhecimento profissional, partindo do trabalho e reflexão dos próprios professores. Não obstante, dada a multiplicidade de abordagens que a formação de professores contém, a mesma não se esgota nestes princípios, devendo sempre procurar promover o desenvolvimento intelectual, social e emocional dos professores.

Uma das definições possíveis é dada por Estrela e Estrela (2006: 75), os quais consideram que “a formação contínua abrange o conjunto de actividades institucionalmente enquadradas que, após a formação inicial, visam o aperfeiçoamento profissional e pessoal do professor, em ordem a um adequado exercício da função que beneficie os alunos e a escola”, levando a um desenvolvimento dos professores e das escolas.

Segundo Day (2001, 2004), a formação contínua ocorre mediante actividades que procuram proporcionar uma aprendizagem intensiva durante um curto período de tempo. O autor valoriza as actividades planeadas nos contextos escolares de modo a melhor adequar-se às necessidades dos professores e acelerar o crescimento quer seja

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aditivo (obter conhecimento, destrezas) ou transformativo (obter mudanças mais substanciais no conhecimento, nas crenças, nas destrezas ou na compreensão) e, ainda, que possam ser planeadas conjuntamente, tendo, pelo menos, um líder, que facilite e estimule uma aprendizagem activa.

Nesta perspectiva, a formação contínua deve ser perspectivada como uma das componentes fulcrais de mudança, promovida por novas formas de intervenção pedagógica que passam necessariamente pela reflexão.

Estrela (2002a: 142) é de opinião que a formação contínua é um processo “da ordem da complexidade porque atravessado por problemáticas inter-relacionadas de natureza vária que fazem apelo a múltiplos saberes disciplinares”. Essas problemáticas são essenciais, para contextualizar qualquer programa de formação. Trata-se de problemáticas de ordem: (i) política; (ii) filosófica; (iii) histórica; (iv) científica e (v) técnica.

Relaciona-se com uma problemática política, na medida em que um programa de formação pode funcionar como instrumento de controlo e de regulação social, devido às relações que estabelece entre saber e poder. Os professores são formados para exercer a sua actividade numa escola, a qual se encontra inserida numa sociedade concreta, historicamente situada, com determinada ideologia de cidadão futuro e aos professores são atribuídos papéis que garantam a prossecução dos objectivos do sistema educativo. Podem estabelecer-se relações de autoridade e poder entre grupos e representações da sociedade, que procuram que a formação funcione como um instrumento de controlo e de regulação social.

A formação é atravessada por uma problemática filosófica, porque implica determinado conceito de ser humano e das suas relações com o mundo. Nos programas de formação, com maior ou menor consciência, são seleccionadas problemáticas e resultados que a investigação científica disponibiliza e construídas posturas éticas e axiológicas orientadoras da acção de formação.

Também deve ser considerada uma problemática histórica, uma vez que se trata de um processo evolutivo, com valorizações e rupturas com o passado e antecipações do

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futuro. Conflui para uma construção sócio-histórica da profissão ou profissionalização que abarca diferentes perspectivas da profissão e da sua identidade social. Todo o programa de formação veicula uma imagem da profissão, das suas relações com o Estado e a sociedade, e uma concepção da sua profissionalidade e profissionalismo e procura exercer uma influência no processo de profissionalização – considerado quer na acepção sócio-histórica de processo da transformação de ocupação em profissão, quer no sentido individual de acesso aos saberes e valores profissionais.

A formação contínua depara-se, ainda, com uma problemática científica e epistemológica. Científica, dado que a formação não é indiferente ao manancial de conhecimentos que a investigação científica vem acumulando e reconstruindo ao longo dos séculos (sobre o aluno, o professor, o processo de ensino e aprendizagem, etc.), e que possibilita uma leitura diferente do contexto real de trabalho do professor e do formador de professores, dando pontos de apoio e de referência à construção do acto pedagógico e do acto de formação e permitindo ou não que esses saberes sejam interrogados à luz dos saberes pessoais gerados pela experiência e pala reflexão sobre ela.

Flores, Hilton e Niklasson (2010: 23) reconhecem que, para conciliar, por exemplo, aspectos como as decisões políticas e o conhecimento disponibilizado pela investigação científica, torna-se necessário quer “envolver os professores nas decisões que influenciam a sua prática nas escolas”, como também levar a que os “resultados de investigação sejam implementados nas escolas”, cabendo aos investigadores a responsabilidade de “os traduzir em sugestões concretas e envolver os professores na investigação da sua própria prática”.

E, tal como toda a investigação científica pressupõe uma problemática epistemológica, também a formação remete para esta. Tal facto decorre da necessidade de assumir uma posição face aos paradigmas científicos dominantes e ao valor do conhecimento que produzem, como também pela influência que as práticas de investigação têm exercido nas práticas de formação, influências essas que, por vezes, se tornam recíprocas dando origem a novas práticas investigativas, como a investigação-formação.

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É importante reparar nas interdependências estabelecidas entre paradigmas de investigação, os métodos de abordagem do real e seus resultados e as concepções de ensino e formação que se poderão construir com base nesses resultados. Isto porque, fornecem grades de leitura do real que o tornam inteligível, conferindo, assim, o discernimento necessário para uma acção fundamentada. A tónica assentida a cada uma dessas leituras de inteligibilidade do real condicionará a construção dos modelos de formação de professores (Estrela, 2002a, 2002b).