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CAPÍTULO 3. A VIVÊNCIA DO CORPO NA GRAVIDEZ

3.3. VIVÊNCIA CORPORAL NA GRAVIDEZ

3.3.3. A ESPECIFICIDADE DA VIVÊNCIA CORPORAL DA GRAVIDEZ

Na tentativa de melhor compreender a especificidade da vivência corporal gravídica, referimos os estudos que exploram a vivência corporal ao longo da gravidez, quer enfatizando a experiência de indiferenciação corporal mãe-bebé, quer reflectindo sobre a forma como a mulher gere diferentemente a relação com o seu corpo na gravidez (o cuidado do corpo), e finalmente, explorando a forma como todas as transformações corporais são vivenciadas ao longo da gravidez. Estes diferentes contributos proporcionam claramente pistas relevantes para a compreensão e a intervenção na relação com o corpo grávido. Assim, na apresentação destas diferentes perspectivas, procura-se identificar as dimensões e os processos psicológicos envolvidos na qualidade da relação com o corpo grávido e sua associação com a construção da relação com o bebé.

A indiferenciação corporal mãe-bebé

Autores feministas evidenciaram a particularidade da vivência corporal ao longo da gravidez e do parto20. Por exemplo, para Grosz (1994), apenas o corpo feminino tem o

potencial para experimentar a dualidade corpo-se/f que a gravidez, o parto e a

20 A ênfase na construção social do género que domina os estudos feministas, desvaloriza as diferenças

biológicas que possam suportar a desigualdade entre homens e mulheres. No entanto, outros autores feministas argumentam que a diferença das realidades biológicas de homens e mulheres não pode ser simplesmente ignorada, pois as diferentes capacidades do corpo de homens e mulheres condicionam necessariamente o tipo de experiência de uns e outros em relação à reprodução. As mulheres, ao contrário dos homens, têm a capacidade de menstruar, de engravidar, de parir e de amamentar, o que tem implicações profundas nas suas experiências de vida. É importante que os críticos feministas continuem a

amamentação proporcionam, "the relations (...) between owning and being a body,

between subject and object or one subject and another, are not the same for women as for men" (Grosz, 1994: 108). Trata-se de formas de ser para a mulher que

simplesmente não são acessíveis, do ponto de vista da experiência vivenciada, ao homem. De facto, as mulheres são muito mais entendidas como corpo do que os homens21 e têm corpos menos estanques e mais fluidos.

Também Iris Young (1990) descreve a vivência corporal única que ocorre na gravidez, referindo a experiência de indistinção entre o que é interior e exterior ao self. Esta autora refere que a mulher grávida experiência o seu corpo como descentrado, dividido ou duplicado, como seu e como não seu. Também esta autora realça que, as fronteiras do corpo grávido não estão tão confinadas como as dos outros corpos: "A integridade do corpo é minada na gravidez não só pela extemalidade do interior, mas também pelo facto das próprias fronteiras corporais estarem em fluxo. Na gravidez eu não tenho literalmente o sentido claro de onde acaba o meu corpo e começa o mundo" (Young, 1990). Acrescenta, ainda, que esta experiência corporal da gravidez pode ser desconcertante pois envolve uma tensão entre a manutenção de um sentido delimitado do self, por um lado, e o facto de ficar embrenhada física e emocionalmente com outro ser, por outro. Para esta autora, esta indefinição de fronteiras (entre si e o bebé) tanto pode ser sentida pela grávida como ameaçadora ou como agradável e gratificante, e descreve diferentes formas de a grávida vivenciar esta experiência corporal da gravidez e da relação com o bebé.

Este processo psicológico de indefinição corporal entre a mãe e o bebé na gravidez, proposto por Grosz (1994) e por Young (1990), poderá melhor ser compreendido à luz da investigação qualitativa de Jonathan Smith (1999b) que, utilizando as Repertory Grids (Kelly, 1955), constatou um "estado" psicológico específico de indiferenciação

realçar "a especificidade da experiência corporal feminina (...) e a discussão em torno das diferenças da experiência corporal das mulheres" (Lupton & Barcley, 1997).

21 De facto, verificaram-se diferenças na experiência corporal quanto ao género, com as mulheres a

expressarem maior sensibilidade e maior insegurança da sua experiência corporal, em paralelo com uma maior valorização da sua aparência. Mas não se verificaram diferenças de género na avaliação por auto- relato da atractibilidade e da satisfação com o corpo (Strauss & Appelt, 1990).

entre o self e os outros , a que chamou de processo simbiótico. Com base nos seus dados, Smith (1999b) sugere que esta indiferenciação do self, característica da gravidez, tem uma função informativa muito significativa para o processo de desenvolvimento psicológico que ocorre neste período, proporcionando mecanismos relevantes para a construção de uma identidade materna e para a resolução das diferentes tarefas psicossociais da gravidez. Assim, esta indiferenciação característica da gravidez, em que Smith (1999b) destacou a indiferenciação entre o selfe os outros (os elementos significativos da grávida), e em que Grosz (1994) e Young (1990) destacaram a indiferenciação corporal e emocional com o bebé, parece poder ser encarada, não como uma "incapacidade", uma "imaturidade", um estádio desenvolvimental inferior, antecedendo o processo de individuação tão valorizado por algumas escolas de inspiração psicodinâmica, mas tratar-se-ía, pelo contrário, de um processo psicologicamente informativo, central à construção da vinculação prenatal parental. Ser mãe (ou pai), mais do que a construção de uma representação cognitiva e racional de identidade materna, é a capacidade de se dar, de partilhar o seu self e o seu mundo com um novo ser, de uma forma muito mais intensa que em qualquer outro tipo de relação. Assim, mais do que uma questão de conquistar uma separação psicológica do filho, trata-se de conquistar essa indiferenciação, essa proximidade, essa ligação corporal e emocional, que serve de base ao "maternal thinking" de Ruddick (1980) e que a acompanhará ao longo do desenvolvimento do filho. Assim, a construção da identidade materna seria, acima de tudo, a construção de um estado de indiferenciação ou ligação profunda entre o self e o filho. Esta indiferenciação, esta entrega de si, mais do que um nível desenvolvimental inferior, tem pelo contrário um nível de exigência psicológica que vai além das exigências das relações de simetria de que se distingue (Gilligan, 1982).

E de facto, Schmied and Lupton (2001), a partir de uma análise de narrativas retrospectivas de grávidas no final da gestação, constataram que poucas participantes descreveram a sua relação com o bebé em termos desenvolvimentais em que se pudesse identificar uma série de estádios evolutivos no sentido da percepção do bebé como um ser vivo distinto. As autoras consideram que estes dados contradizem os

Smith (1999)considera que os seus dados evidenciam uma grande indistinção entre as fronteiras interno- externo, se/f-outros, e evoca a afirmação que Rich apresentou em 1977: "(...) a criança dentro de mim não é EU nem NÃO-EU. O 'dentro' e o 'fora' são para a grávida um contínuo e não uma polaridade".

pressupostos tradicionais que, na linha das perspectivas psicodinâmicas, valorizam o processo progressivo e linear de diferenciação entre o self e o bebé, enquadrando-se na perspectiva clássica do sujeito psicológico "que privilegia as fronteiras bem definidas entre o corpo e o self do indivíduo e dos outros" (Schmied & Lupton, 2001: 33). Estes autores consideram que, não só a relação ambígua entre a grávida e o bebé (do corpo e do self) não termina no final do 1o trimestre de gravidez, como não será

necessariamente compreendida em termos de uma experiência desenvolvimentalmente anterior à experiência de separação. Estes dados são consistentes com a valorização da experiência corporal, não como uma experiência psicológica de um nível anterior (e

inferior) em relação aos processos de construção de significado mas, como uma

experiência necessariamente envolvida nos processos de construção de significado e de desenvolvimento psicológico.

Também Ann Johnson (1991) aproveita a experiência (corporal) da gravidez para questionar a conceptualização do self em termos de limites, singularidade, integração, unidade e coerência, propondo que o self seria melhor compreendido em termos de

não-integração. Esta valorização da coerência baseia-se, segundo esta autora, na

percepção unitária e bem-delimitada do corpo, que demarca o interno e o externo, o

selfe o outro, o individual e o social.

Johnson (1991), destaca a gravidez como uma experiência corporal que desafia aquelas concepções teóricas dominantes relativas ao valor da integridade, delimitação e singularidade corporais, na medida em que a duplicidade corporal que a caracteriza, contraria muitas das concepções básicas sobre a identidade e reforça a necessidade de uma revisão das conceptualizações do corpo e do self (na linha das afirmações de Richardson já referidas na introdução ao capítulo). Johnson (1991) considera que a gravidez evidencia a desadequação da separação se/f-corpo e da separação se//-outro, valorizando, em alternativa, uma nova concepção do self psicológico como "multifocalizado" e "multidimensional".

De forma menos radical, para Brown, Pipp, Martz e Waring (1993) a compreensão do significado do self sugere que os processos de ligação e separação são interdependentes, e referem os estudos de Emde e Buchsbaum (1990) que sugerem que a autonomia e a ligação não só são paralelos, como cada um deles viabiliza o

outro. Desenvolvendo esta ideia, referem que o funcionamento psicológico necessita tanto da diferenciação como da ligação, desde o nascimento.

Esta abordagem é consistente com a investigação desenvolvida à luz da teoria da vinculação que tem evidenciado a complementaridade entre o processo de vinculação e o processo de exploração / individuação, destacando o papel do primeiro sobre o segundo, ainda que sem se referir especificamente à experiência corporal, mas aos processos de desenvolvimento psicológico, de um modo geral.

O cuidado do corpo na gravidez

Apesar das limitações já referidas em termos da investigação desenvolvida no sentido de associar o corpo enquanto objecto de estudo da Psicologia com as variáveis relacionadas com a gravidez, pudemos ainda contar com alguns estudos desenvolvidos por autores da área da sociologia que nos proporcionaram algumas perspectivas interessantes sobre a vivência do corpo específica da gravidez. Anne Murcott (1988), utilizou entrevistas para explorar a gestão que a grávida faz do seu corpo. Para descrever a gestão da relação com o corpo na gravidez, esta autora introduz o conceito de "looking after yourself (cuidado de si / cuidado do corpo), considerando que este conceito permite à grávida compatibilizar as mensagens contraditórias que atravessam a vivência da gravidez, permitindo que a grávida não se veja nem como "doente- inválida" nem como "negligente-desleixada". De facto, as grávidas são encorajadas a viver "uma vida normaf, a "fazer tudo" e a experienciar a gravidez com "normalidade", o que é expresso em termos de afirmações como "eu não estou doente nem inválida: só

estou grávida" e leva as grávidas a enfatizar a continuidade da sua actividade

profissional ao longo da gravidez. Porém, por outro lado, as grávidas são, simultaneamente, tratadas como "frágeis", vulneráveis, quase doentes, sendo esperadas algumas limitações e cuidados com o corpo (como, por exemplo, em relação à saúde e à mobilidade). A autora considera que esta forma de gerir a experiência corporal da gravidez permite as grávidas evitar tanto a super-protecção devida a uma pessoa doente ou inválida, como também a falta de cuidado e preocupação com o

corpo, construindo assim o significado da gravidez como um acontecimento ao mesmo tempo "especial" e "normal" para a mulher grávida23.

Linguagem corporal da gravidez

Ann Johnson (1991) refere-se mesmo uma relação com o corpo específica da gravidez, a que chamou de uma nova "linguagem" corporal, que estaria patente no esforço em que as grávidas se envolvem, na tentativa de decifrar o significado dos movimentos estranhos e indefinidos, e das mudanças ou silêncios do seu corpo, ie, do seu bebé. Este "esforço" a que Johnson (1991) se refere, poderá traduzir o desafio desenvolvimental que Pylvanainen (2003) descreve em termos de desenvolver a "sensibilidade" do self corporal. Esta sensibilidade do self corporal que Pylvanainen (2003) descreve como a capacidade de atender às experiências corporais nas situações relacionais (e que estaria associada quer, ao desenvolvimento da identidade quer, ao desenvolvimento da intimidade) encontraria, assim, na experiência da gravidez uma tarefa desenvolvimental com desafios específicos quanto à tentativa de compreender e decifrar o significado das novas experiências corporais. Aquilo que Johnson (1991) designou de "linguagem corporal da gravidez" traduziria um novo grau de integração da experiência corporal na construção da identidade e da relação, nos termos definidos para o processo desenvolvimental do self corporal no sentido de uma maior sensibilidade à experiência corporal. Recuperando a terminologia de Pylvanainen (2003) apresentada, a memória corporal estaria a tentar construir um novo padrão de organização da vivência corporal. A experiência da gravidez permite destacar a natureza psicossocial deste processo em que a nova "linguagem corporal" reflecte claramente a dinâmica de desenvolvimento psicológico evidenciada na discussão do conceito de vinculação prenatal, em termos da sua dupla-face, como constituinte, quer do envolvimento com o bebé que agora se inicia, quer da identidade materna, e que seriam "duas faces da mesma moeda".

Assim, como Johnson (1991) tão bem explica, o acariciar o próprio corpo / a barriga que é tão característico da gravidez, assinala uma nova linguagem corporal de "amor" e ansiedade (Johnson, 1991, p. 304). Esta forma de compreender a relação com o corpo

23 Esta duplicidade do significado psicológico da gravidez ficou bem patente nas entrevistas que realizámos

grávido, aproxima-se também do conceito de vinculação prenatal de Condon, organizado em termos da construção de uma tonalidade afectiva positiva (ou experiência de "amor") e em termos do nível de ansiedade ou intensidade associado a essa experiência de amor. A própria avaliação destas duas dimensões da vinculação prenatal, define, como indicadores, um conjunto de comportamentos que se poderiam definir em termos desta "linguagem corporal de amor e ansiedade".

O significado das transformações corporais ao longo da gravidez

Num estudo retrospectivo das narrativas da experiência corporal da gravidez, Peggy Richardson (1990), verificou que a experiência corporal se modifica de forma significativa ao longo do processo gravídico, identificando quatro fases de organização das experiências corporais da gravidez (Redução, Expansão, Tensão, Estabilização). Esta autora apresenta um modelo de organização e compreensão da experiência corporal da gravidez que, não só descreve as experiências e transformações corporais valorizadas pelas grávidas, como explora o significado psicológico que lhes é atribuído. A autora constata que há uma experiência positiva das mudanças corporais da gravidez, porque essas mudanças são associadas à especificidade da gravidez (noutro contexto, aquelas transformações seriam encaradas com preocupação extrema pela integridade corporal pessoal). Assim, verificou-se uma extrema plasticidade do esquema corporal das mulheres, possivelmente explicada pelo facto dessas mudanças serem esperadas e serem construídas em termos de um significado positivo.

Este processo poderá ser melhor compreendido em termos do modelo de Pylvanainen (2003), de acordo com o qual, as experiências corporais no aqui e agora (self corporal) são mediadas pela relação com o corpo (memória corporal). Assim, quando Richardson (1990) refere que as transformações corporais da gravidez são experienciadas maioritariamente como positivas por causa do significado que lhes é atribuído, podemos considerar que são os significados construídos para a experiência corporal gravídica que influenciam a forma como essa experiência corporal é vivenciada. Podemos ainda considerar que a vivência corporal construída ao longo do percurso desenvolvimental da grávida (a memória corporal), de acordo com a proposta de Pylvanainen (2003), também terá um papel importante na experiência corporal da gravidez (o self corporal).

Neste sentido, podemos especular que, as mulheres cuja relação com o corpo seja sobrerrepresentada pela aparência e menos pela sua dimensão relacional e experiencial, poderem vivenciar de forma mais negativa as mudanças corporais da gravidez. Aliás, Devine, Bove e Olson (2000) verificaram que as atitudes anteriores à gravidez relativas ao peso corporal, emergiram como a influência primária nas atitudes na gravidez e pós-parto relativamente ao peso, aos padrões de actividade física e dieta.

Dimensões corporais da vivência da gravidez

Na compreensão da vivência corporal da gravidez, considerou-se pertinente referir o estudo de Orbach e Mikulincer (1998), que operacionalizaram a relação com o corpo (a que chamam investimento emocional no corpo), em termos de experiências corporais representativas de quatro aspectos do self corporal: os sentimentos e as atitudes relativos à imagem corporal, o cuidado corporal, a protecção corporal e o conforto face ao toque. Apesar de não se conhecerem estudos no contexto da gravidez sobre este modelo multidimensional da relação com o corpo, considerou-se que estas dimensões se revestiam de um significado muito particular nesta transição, proporcionando uma concepção inovadora e integradora da vivência do corpo na gravidez.

Assim, e a par da avaliação mais tradicional da imagem corporal, cujo papel no ajustamento psicossocial na idade adulta, Orbach e Mikulincer (1998), destacam, e que, tal como Earle (2003), também nós consideramos uma dimensão importante na gravidez, os autores incluem também o cuidado com o corpo e a protecção do corpo que, se assume que tenham um significado muito particular para a mulher grávida, uma vez que tem que cuidar e proteger o seu corpo de forma a cuidar e proteger o seu bebé. Assim, o cuidado e a protecção do corpo (ou a sua ausência), que Orbach e Mikulincer (1998) referem serem aprendidos na interiorização dos cuidados parentais24,

envolvem, na gravidez, um significado e um conjunto de comportamentos muito

Orbach & Mikulincer referem que o cuidado e a protecção do corpo são aprendidos na interiorização dos cuidados parentais (Bruch, 1973; Greenspan, 1997; Van der Velde, 1985), não fazendo parte dos mecanismos biológicos automáticos (Freud, 1949; Grossman, 1991), o que é confirmado pela forte associação entre o cuidado parental e o comportamento de cuidado e protecção da parte dos filhos (Frankl, 1963; Green, 1978; Lewis e tal, 1966). Esta noção remete também para a ligação entre a vivência corporal e a construção da relação mãe-bebé, na medida em que, também a vivência corporal está alicerçada na relação precoce com os próprios pais. Aliás, a forma como as grávidas construíram a vinculação aos pais, poderá ter uma forte componente corporal.

específicos. Não só todos os produtos e comportamentos de promoção da saúde e da beleza (amplamente prescritos na gravidez), mas também, toda a preocupação com o corpo grávido, envolvem uma dinâmica emocional muito particular deste período, de certa forma, no mesmo sentido do conceito de "looking after yourself de Murcott (1988) já referido.

O conforto face ao toque foi outra dimensão que se considerou importante abordar pois, reconhecemos que a gravidez envolve uma nova forma de "partilhar" o corpo com os outros, e em especial em relação à "partilha" da barriga grávida e o conforto ou desconforto com o toque dos outros. Também Earle (2003) referiu o papel do "mostrar" e partilhar o corpo grávido. A dimensão do toque tem sido valorizada quase exclusivamente na compreensão do desenvolvimento infantil25, mas é uma dimensão

relacional por excelência, já destacada numa discussão prévia sobre a dimensão relacional da relação com o corpo.

Estas quatro dimensões combinam-se para evidenciar a qualidade da relação com o corpo, como positiva ou negativa. Assim, estes aspectos da experiência corporal constituem diferentes facetas de um único constructo que seria um sentido mais geral da vivência corporal, traduzindo-se numa relação positiva ou negativa do corpo26.

É neste contexto que podemos conceptualizar a "existência" de uma relação positiva ou negativa com o corpo grávido, e sugerir a sua relação com a construção da vinculação prenatal. É esta a hipótese que orienta o presente trabalho.

A importância do toque parental no desenvolvimento infantil foi já confirmada (Harlow, 1958; Harlow & Suomi, 1970; Anisfeld, e tal, 1990; Field e tal, 1992; MacDonald, 1987; Scholz & Samuels, 1992; Sloam e tal, 1994), constituindo-se assim como uma "life-enhancing force".

26 Orbach e Mikulincer (1998) destacam o "bodily love vs body rejection" na regulação do comportamento

auto-destrutivo e nas perturbações alimentares, especificando as atitudes e sentimentos (positivos vs negativos) face ao corpo, como mediadores do prazer e satisfação corporal. E apesar de os autores terem proposto um modelo multidimensional de quatro aspectos da experiência corporal, concluem que se tratam de diferentes facetas de um único constructo que seria um sentido mais geral da experiência corporal, positivo ou negativo.