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Objectivo 4. Avaliar a associação entre a relação mãe-bebé e a vivência do corpo

4.6. INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO

4.6.3. AVALIAÇÃO DA VIVÊNCIA DO CORPO

A relação com o corpo constitui também uma variável-chave deste estudo. Assim, apesar da avaliação da relação com o corpo grávido estar já contemplada no Questionário de Avaliação da vivência da Gravidez - abordando de forma mais específica as questões relativas ao corpo grávido, e, em especial, a vivência da "barriga grávida" - , considerou-se importante incluir uma avaliação mais geral da relação com o corpo, referente a uma vivência mais global da corporalidade, que incluísse aspectos que não fossem específicos da gravidez, na medida em que se postula que, apesar da especificidade da vivência corporal na gravidez, esta será condicionada em grande parte pela forma como a relação com o corpo foi construída ao longo do desenvolvimento psicológico da mulher (agora grávida), e que esta forma como a grávida se relaciona com o seu corpo precede a própria gravidez (Harrison, 199032).

Assim, a vivência do corpo na gravidez, será condicionada não só pelas vivências corporais gravídicas, mas também em larga medida pela relação que a mulher estabeleceu com o seu corpo ao longo da sua história desenvolvimental e que influenciará também a própria forma como experienciará as transformações e vivências corporais da gravidez. Além disso, a avaliação do corpo patente no MAMA - além de algumas fragilidades em termos da sua consistência interna (Mendes, 2002; Figueiredo, Mendonça & Sousa, 2002) e da sua validade (Kumar, Robson & Smith, 1984) - sofre também das limitações já abordadas no capítulo dedicado à vivência do corpo (cap. 3), em termos de uma avaliação muito limitada e superficial da relação com o corpo que se centra especialmente na satisfação com a avaliação da aparência física, não abordando as vertentes mais experienciais e relacionais da corporalidade.

Mas, há falta de instrumentos que nos permitam explorar estas dimensões sendo que, a maioria dos questionários existentes avalia dimensões muito específicas (Orbach & Mikulincer, 1998), e reflectem as dificuldades conceptuais já abordadas. Além disso, o facto de estarmos interessados na avaliação de um nível mais organizativo e nuclear da dimensão corporal que, como foi já referido, é em larga medida "wordless" e "inconsciente" (Casey, 1987), introduz dificuldades acrescidas à sua avaliação. Assim,

As mulheres com imagem corporal positiva anterior à gravidez planeada tendiam a apresentar reacções mais positivas face às alterações corporais da gravidez e do pós-parto.

para avaliar a relação com o corpo da mulher grávida, confrontámo-nos com grandes limitações em termos dos instrumentos disponíveis.

Se era fundamental incluirmos um questionário específico de avaliação da relação com o corpo, a escolha desse instrumento não era fácil. Entre os questionários que foram considerados mais abrangentes, abordando diferentes dimensões da experiência corporal, destacamos o Body Experience Questionnaire (Strauss & Appelt, 1996) e o

Body Investment Scale (Orbach & Mikulincer, 1998), sendo que, apesar da sua ampla

utilização com populações adultas, excluímos o primeiro pela sua especificidade em termos da capacidade de discriminar populações clínicas (do ponto de vista da relação com o corpo), o que estava fora do âmbito do presente estudo, não correspondendo aos objectivos delineados. Portanto, o facto de o Body Experience Questionnaire (Strauss & Appelt, 1996) ter evidenciado pouca validade discriminante no estudo de populações não clínicas (como as que constituem a nossa amostra), levou-nos a concluir que este instrumento não se adequava a este estudo.

Assim, apesar de ter sido desenvolvido para adolescentes, optou-se pelo segundo instrumento, o Body Investment Scale, que passamos a descrever em maior detalhe, reflectindo-se sobre a sua adequação e utilidade para a compreensão e avaliação da relação com o corpo na gravidez.

Body Investment Scale (BIS)

Descrição do objecto de avaliação e das subescalas: Desenvolvido por Israel

Orbach e Mario Mikulincer (1998), o BIS avalia o investimento emocional no corpo através de um questionário de auto-relato com 24 itens. Este instrumento foi construído para uma população adolescente com risco de suicídio, e organiza a relação com o corpo em torno de quatro dimensões: Body image feelings & attitudes (avaliação mais tradicional da imagem corporal: "/ am satisfied with my appearance"); Comfort in touch (conforto face ao toque:" / don't like it when people touch me"); Body care (cuidado com o corpo: "In my opinion it is very important to take care of the body, "I like to pamper my

body'"); e Body protection (protecção pessoal: "/ am not afraid to engage in dangerous activities").

Escala de resposta e cotação dos itens: Este questionário é constituído por uma

escala de resposta tipo likert de 5 pontos entre o "discordo totalmente" e o "concordo totalmente", em que valores mais elevados traduzem sentimentos mais positivos em relação à imagem corporal e em relação ao toque, e maior cuidado e protecção em relação ao corpo. Para tal, é necessário proceder à inversão de 8 itens.

Consistência interna: Apesar da sua consistência interna ter sido demonstrada na

população adolescente que os autores utilizaram (Orbach & Mikulincer, 1998), não se conhecem estudos com adultos ou mais especificamente com grávidas.

Estudo da Validade

Validade de Constructo: Em termos da adequação do enquadramento teórico que

suportou a concepção e construção do BIS, destacamos o significado desenvolvimental e psicossocial apresentado pelos autores em relação à importância do cuidado e protecção pessoal do corpo, o significado psicossocial referido do conforto face ao toque, e a pertinência da avaliação da imagem corporal que será também uma dimensão incontornável da avaliação da experiência corporal (tão enfatizada na investigação psicológica sobre o corpo). Assim, os autores compreendem o cuidado e a protecção do corpo como resultante de um processo de interiorização dos cuidados parentais (o que é confirmado pela associação encontrada entre o cuidado parental e o comportamento de cuidado e protecção por parte dos filhos, citando Frankl (1963), Green (1978) e Lewis e colaboradores (1966), proporcionando, desta forma, uma compreensão mais psicológica e desenvolvimental da relação com o corpo e dos comportamentos estudados por estes autores, em que os comportamentos suicidas traduziriam, não uma falha dos mecanismos biológicos automáticos, mas sim um problema ao nível da aprendizagem do cuidado e protecção pessoal do corpo com raízes na (falta de) qualidade dos próprios cuidados parentais, apontando, portanto, para a origem desenvolvimental e relacional desses comportamentos de cuidado e protecção pessoal do corpo, o que é consistente com a conceptualização teórica que orienta este trabalho, e que contribui para a validade de constructo deste instrumento. Na reflexão sobre a validade de constructo do instrumento, é importante abordar a adequação e o significado destas dimensões na gravidez. Apesar de não se conhecerem estudos com o BIS no contexto da gravidez, considerou-se que estas

dimensões se revestiam de um significado muito particular nesta transição. Assim, e a par da avaliação mais tradicional da "Imagem Corporal" (cujo papel no ajustamento psicossocial na idade adulta, Orbach e Mikulincer, 1998, destacam, e que, tal como Earle, 2003, também nós consideramos uma dimensão importante na gravidez, como foi já discutido), também o "Cuidado com o Corpo" e a "Protecção do Corpo", poderão ter um significado muito particular para a mulher grávida, uma vez que tem que cuidar e proteger o seu corpo de forma a cuidar e proteger o seu bebé. Assim, o cuidado e a protecção do corpo (ou a sua "ausência"), envolvem, na gravidez, um significado e um conjunto de comportamentos muito específicos. Assim, há na gravidez toda uma preocupação com o corpo (i.e., com o cuidado e a protecção do corpo) que lhe é muito específica. O "Conforto face ao Toque" foi outra dimensão que se considerou adequada à avaliação da gravidez, pois reconhecemos que a gravidez envolve uma nova forma de "partilhar" o corpo, enfatizando-se desta forma a natureza relacional e comunicacional da experiência corporal já abordada.

Os autores evocam, ainda, a própria correlação entre as subescalas do BIS (que não ultrapassa o valor de 0.4733) como forma de fundamentar a pertinência das diferentes

dimensões em análise - na sua associação, mas também da sua relativa independência - em que não haverá sobreposição entre elas, mas sim uma interdependência relativa, constituindo um todo que será a qualidade do investimento emocional no corpo.

Validade Concorrente: Podemos ainda enfatizar a relação estabelecida pelos autores

entre o BIS e a qualidade das relações de vinculação precoces, destacando-se a sua associação com a percepção dos cuidados maternos precoces ("perceived early maternal care"), com a superprotecção materna e com a auto-estima, reforçando o valor deste instrumento na compreensão de dimensões psicológicas relevantes para a investigação no âmbito da psicologia da gravidez e da vinculação prenatal. E de facto, foi possível encontrar uma correlação significativa entre a vivência corporal e o estilo de vinculação, as atitudes face à sexualidade, as atitudes face à gravidez e ao bebé, e a satisfação conjugal num estudo preliminar do BIS com uma amostra de grávidas (Meireles & Costa, 2004).

O Body Image corerlaciona-se com o Body Touch (r=0.27**), com o Body Car (r=0.36**), e com o Body Protection (r=fj.37**), e o Body Care relaciona-se com o Body Touch (r=0.28*) e com o Body Protection (r=0.47).

Concluindo, apesar de não serem conhecidos estudos no âmbito da gravidez com este

instrumento, o BIS parece proporcionar uma avaliação adequada e relevante da relação com o corpo, sendo pertinente a sua utilização neste estudo, o que é reforçado pelos elevados valores de fidelidade e validade encontrados noutro contexto de investigação (Orbach & Mikulincer, 1998).