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INFLUÊNCIA DAS VARIÁVEIS PSICOSSOCIAIS NA VINCULAÇÃO PRENATAL

CAPÍTULO 2. A RELAÇÃO MÃE-BEBÉ NA GRAVIDEZ

2.3. FACTORES E DIFICULDADES DA VINCULAÇÃO PRENATAL

2.3.3. INFLUÊNCIA DAS VARIÁVEIS PSICOSSOCIAIS NA VINCULAÇÃO PRENATAL

Com o decorrer da gravidez, muitas grávidas experienciam diversas alterações no seu estado emocional e na forma como se vêem, pelo que seria de esperar que os sentimentos de ansiedade e depressão interferissem com a capacidade de a grávida se relacionar com o bebé (Laxton-Kane & Slade, 2001; Figueiredo, 2000).

No entanto, a avaliação da depressão e da ansiedade na gravidez levanta também algumas dificuldades pois as alterações fisiológicas, psicológicas e ocupacionais / sociais que acompanham este período podem inflacionar os valores obtidos em instrumentos desenvolvidos para populações não grávidas.

Ansiedade, stress, coping e auto-estima

A ansiedade é uma variável muito valorizada na investigação da adaptação à gravidez, sendo considerada uma medida do bem-estar psicológico (que tem sido também conceptualizada pelas teorias da vinculação em termos de um modelo negativo do self) assumindo-se a sua associação negativa com a experiência de gravidez e suas tarefas psicológicas, nomeadamente com a vinculação prenatal (Condon & Corkindale, 1997; Lugt-Tappaser & Wiese, 1994). De facto, seria de esperar uma associação entre o ajustamento psicossocial da mãe e as suas competências maternas, em que, dificuldades psicológicas maternas deveriam dificultar a sua relação com o bebé, quer durante a gravidez, quer após o nascimento. No entanto, o efeito desta variável não é claro. Tanto Cranley (1992) como Muller (1992) referem resultados inconsistentes quanto à relação da ansiedade com a vinculação prenatal, o que levou Cannella (2005) a concluir que as variáveis relativas ao ajustamento psicossocial das grávidas não parecem apresentar uma relação consistente com a vinculação prenatal.

Assim, Mercer e Ferketich (1988) não foram capazes de encontrar um modelo de causalidade para a vinculação prenatal, a partir da avaliação do apoio social, da auto- estima, da ansiedade e da depressão como preditores que, no seu conjunto, explicaram pouca variância da vinculação prenatal, tanto num grupo de grávidas de risco como no grupo de controlo. Também Sjogren e colaboradores (2004) verificaram que a vinculação prenatal não se relacionou com a avaliação da ansiedade (incluindo a ansiedade cognitivo-social, insegurança e preocupações excessivas), à semelhança de

Gaffney (1986) que também não conseguiu relacionar a ansiedade de traço com a vinculação prenatal, ainda que tenha encontrado uma correlação inversa quanto à ansiedade de estado, contrariando o estudo de Stanton e Golombock (1993) em que, esta associação entre a vinculação prenatal e a ansiedade de estado, não se verificou. Da mesma forma, num estudo recente com 65 grávidas, Pearce e Ayers (2005) verificam que os sintomas de ansiedade e depressão no final da gravidez (39 semanas) não evidenciaram qualquer relação, nem com as expectativas do bebé na gravidez, nem com a qualidade da relação mãe-bebé às três semanas do pós-parto. Este estudo apresenta, no entanto, algumas limitações metodológicas que exigem cautela na interpretação dos seus resultados. Assim, o reduzido tamanho da amostra e a utilização de medidas sem consistência interna aceitável para avaliação da relação mãe-bebé após o parto, não nos permite valorizar os resultados encontrados.

De qualquer forma, os diferentes estudos, não sendo conclusivos, parecem, no entanto, sugerir que a ansiedade, por si só, não será uma variável importante em termos da construção da vinculação prenatal. Podemos até considerar que um nível moderado de ansiedade prenatal pode também ter um efeito benéfico na vinculação prenatal, ao mobilizar a grávida para a procura de informação, a mobilização de recursos e a resolução de problemas que a ajudarão a preparar-se para os desafios futuros. Consistente com esta hipótese, foi possível verificarar que as preocupações mudam ao longo da gravidez (Entwisle & Doering, 1981) e tendem a associar-se ao seu nível de preparação para a maternidade (Justo, 1994).

Em relação ao stress, Cranley (1981) refere uma correlação inversa com a vinculação prenatal. Também Mikulincer e Florian (1999) encontraram uma relação inversa da vinculação prenatal com o psychological distress e o coping centrado nas emoções, mas apenas no 1o trimestre. Estes autores encontraram ainda uma correlação positiva

com as estratégias de coping de procura de apoio, mas apenas no 1o trimestre,

enquanto que Phipps (1985) não encontraram qualquer associação com o estilo de

coping avaliado em termos de procura ou evitamento de informação. Outros autores

também não estabeleceram qualquer relação entre a vinculação prenatal e o nível de

stress da grávida (Curry, 1987; Mercer & Ferketich, 1988; Grace, 1989), pelo que, mais

uma vez, os estudos não são conclusivos relativamente ao efeito destas variáveis na construção da vinculação prenatal.

Os estudos sobre o ajustamento psicossocial das grávidas podem também contribuir para a compreensão da influência do estado emocional da grávida na construção da vinculação prenatal. De facto, Colpin e colaboradores (1998) encontraram uma correlação entre o nível de ajustamento psicossocial e a sub-escala "qualidade" da vinculação prenatal, num estudo com grávidas gemelares. Da mesma forma, também Mercer e Ferketich (1988) referem uma associação positiva, mas fraca, entre a vinculação prenatal e as percepções de bem-estar, no grupo de grávidas sem risco gravídico associado, e Lindgren (2001) reporta ainda uma correlação positiva, mas fraca, com as práticas de saúde positivas. No entanto, Mikulincer e Florian (1999) só encontraram correlação entre a vinculação prenatal e o ajustamento psicossocial no 1o

trimestre de gravidez. Parece, assim, possível concluir que o efeito desta variável não será muito relevante, ainda que os estudos não sejam também conclusivos, o que se poderá também atribuir a diferenças conceptuais e metodológicas na avaliação desta variável que não cabe aqui explorar.

Na exploração das variáveis relativas à relação com o self, verificou-se ainda que a

auto-estima não parece relacionar-se com a vinculação prenatal em grávidas

adolescentes (Koniak-Griffin, 1988), em grávidas adultas (Cranley, 1981) ou em grávidas com ou sem risco obstétrico (Mercer et ai, 1988). Em relação ao auto-conceito, Gaffney (1986) também não encontrou qualquer associação, ao contrário de Curry (1987) no seu estudo com uma amostra hospitalizada, que encontrou uma correlação positiva entre o MFAS e o auto-conceito. Da mesma forma, também Mercer e colaboradores (1988) encontraram uma correlação positiva, mas fraca, com o sentido de mestria, mas apenas nas grávidas sem risco gravídico.

Estes estudos sugerem, de uma forma geral que, estas variáveis, per se, terão pouca relação com a vinculação prenatal, ainda que as diferenças conceptuais e metodológicas também poderão ter contribuído para as inconsistências entre os estudos.

Depressão

A depressão tem sido muito estudada no seu impacto na qualidade da relação materna com o bebé. Belsky e Jaffee (in press) notam mesmo que a depressão é a perturbação psicológica mais estudada em relação ao funcionamento parental. Diversos estudos, em especial sobre a depressão pós-parto, referem as dificuldades da responsividade da mãe deprimida na sua interacção com o bebé (ex: Murray, Fiori-Cowley, Hooper e Cooper, 1996), com consequências na qualidade desta relação.

E de facto, quer se considere a investigação com bebés, com crianças pequenas

(toddlers), com crianças em idade pré-escolar e escolar, ou adolescentes, os resultados

confirmam que níveis elevados de depressão (mesmo em populações não-clínicas) e outras dimensões associadas (como a ansiedade e a irritabilidade / hostilidade) estão relacionados com um pior funcionamento parental (Belsky & Jaffee, in press).

Mas, apesar de o funcionamento parental ser menos estudado no período gravídico, espera-se que, também na gravidez, a capacidade de a mãe se envolver na relação parental com o seu bebé será prejudicada pela sintomatologia depressiva materna. Se um dos sintomas da depressão é um "emotional detachment', então a depressão terá a capacidade de limitar especificamente o desenvolvimento da vinculação prenatal. A depressão pode diminuir a capacidade de a grávida sentir prazer na proximidade com o bebé e noutras experiências afectivas positivas que ajudam a contrabalançar as dificuldades da gravidez. A associação entre a depressão e determinados padrões de expectativas (negativas, pessimistas e incontroláveis) em relação ao futuro poderia também ajudar a explicar esta relação entre a avaliação do humor da grávida e a sua vinculação prenatal, na medida em que esta constitui em larga medida um processo de antecipação de uma relação positiva futura com o objecto de vinculação. E de facto, os estudos sugerem uma associação entre a vinculação prenatal e a sintomatologia depressiva (Phipps, 1985; Priel & Besser, 1999; Condon & Corkindale, 1997; Laxton- Kane & Slade, 2002; Mercer & Ferketich, 1988,), ainda que alguns autores não tenham replicado esta associação inversa da vinculação prenatal, quer com a depressão prenatal (Lindgren, 2001) quer com a depressão pós-parto (Grace, 1989). Também Pearce e Ayers (2005) verificaram que os sintomas de ansiedade e depressão no final da gravidez (39 semanas) não evidenciaram qualquer relação, nem com as expectativas do bebé na gravidez, nem com a qualidade da relação mãe-bebé às três semanas do pós-parto.

Uma avaliação longitudinal destas variáveis poderia proporcionar uma compreensão mais clara destes estudos, pois os níveis de ansiedade e depressão provavelmente apresentarão flutuações ao longo da gravidez em função da natureza dinâmica das necessidades maternas. Além disso, neste tipo de estudos correlacionais, é difícil determinar se uma baixa vinculação prenatal é a causa ou o efeito do humor depressivo da grávida, o que exigiria um desenho longitudinal que avaliasse o estado emocional e a vinculação prenatal em diferentes momentos do período gravídico. Também Condon e Corkindale (1997), estudando a associação entre a vinculação, a depressão e o apoio social lembram que, entre estas três variáveis, haverá uma corrente causal inextrincável ("disentangling causal chain"), só fazendo sentido falar-se em correlações e não em determinantes ou preditores (especialmente tratando-se de estudos transversais).

Esta explicação é sustentada pelo estudo de Priel e Besser (1999) que verificaram que as puérperas com elevado auto-criticismo (factor de depressão) e elevada vinculação prenatal estavam significativamente menos deprimidas que as puérperas que, com o mesmo nível de auto-criticismo, apresentavam, no entanto, valores baixos de vinculação prenatal, enfatizando a relação bidireccional entre estas variáveis.

Neste sentido, mas reportando-se à relação parental após o parto, Belsky e Jafee (in

press) referem que o efeito adverso da depressão no funcionamento parental poderá

ser explicado, não só pelas características que a depressão imprime directamente à interacção parental (perda de prazer e de motivação em relação às actividades parentais; avaliações pessimistas e críticas do comportamento da criança; menor responsividade parental; maior frequência de emoções e interacções parentais negativas; menor sentido de competência parental; etc, etc), mas também indirectamente, quer pelo efeito da depressão parental no sistema familiar, quer pela constelação de dificuldades sociais normalmente associados à depressão como as dificuldades conjugais, económicas, profissionais ou em termos de apoio social, que, por sua vez, exacerbam o efeito da depressão no funcionamento parental.

Por outro lado, Belsky e Jeffee (in press) lembram-nos que a dimensão parental também pode potenciar a depressão parental, constituindo-se muitas vezes os filhos como stressores que induzem reacções negativas nos pais, especialmente quando estes são mais vulneráveis à depressão, o que é reforçado por alguns estudos (e.g.

Feske et ai, 2001). Neste sentido, podemos também considerar a possibilidade de a gravidez poder funcionar como (mais) um factor de stress para uma mulher deprimida ou vulnerável à depressão (especialmente num contexto em que outras vulnerabilidades coexistam).