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VINCULAÇÃO PARENTAL: A RELAÇÃO PARENTAL COMO UMA RELAÇÃO DE VINCULAÇÃO

CAPÍTULO 2. A RELAÇÃO MÃE-BEBÉ NA GRAVIDEZ

2.1. CONCEPTUALIZAÇÃO DA RELAÇÃO MÃE-BEBÉ NA GRAVIDEZ

2.1.3. VINCULAÇÃO PARENTAL: A RELAÇÃO PARENTAL COMO UMA RELAÇÃO DE VINCULAÇÃO

A especificidade da vinculação parental

Como vimos, o termo "vinculação", originalmente dedicado à descrição da relação de uma criança com o seu caregiver (Bowlby, 1988), e mais tarde alargado ao estudo das relações românticas (Bartholomew & Horowitz, 1991; Hazan & Shaver, 1987), tem sido usado mais recentemente no contexto parental, referindo-se à ligação emocional que os pais desenvolvem com o filho desde a gravidez (Condon, 1993; Cranley, 1981; Muller, 1993). No entanto, a sua aplicação à relação mãe-bebé na gravidez, através do termo vinculação prenatal, não tem sido suficientemente fundamentada, pelo que se considerou importante reflectir em que medida podemos ou não considerar a relação parental como uma relação de vinculação.

Tradicionalmente, considerou-se que a relação de vinculação inicia a sua construção a partir do nascimento do bebé e que só se pode falar em relação de vinculação propriamente dita quando o bebé adquiriu já a capacidade de representar a sua figura de vinculação na sua ausência. Na compreensão da relação mãe-bebé como uma relação de vinculação prenatal, estão implícitas duas condições: primeiro que a relação parental possa ser entendida como uma relação de vinculação; segundo que o período prenatal encerra o início dessa relação de vinculação parental.

Mas Williams e colaboradores (1987) consideram que uma visão bilateral da relação mãe-bebé, que abranja as duas facetas ou os dois elementos envolvidos (mãe e filho), terá que considerar o desenvolvimento de sentimentos e comportamentos de vinculação dos pais anterior ao desenvolvimento dos comportamentos e sentimentos de vinculação da criança. Neste sentido, estes autores consideram que a relação mãe- bebé começa antes do nascimento da criança, a partir das experiências e fantasias que ocorrem em torno do desenvolvimento fetal.

Na tentativa de clarificar em que medida podemos ou não considerar a relação parental como uma relação de vinculação, importa identificar as características identificadas para definir uma relação deste tipo, explorando a sua adequação para definir, então,

uma relação parental.

Costa e Matos (1996), numa sistematização das concepções teóricas acerca da vinculação, centrada na vinculação adulta, referem que "por ligações afectivas de proximidade ou relações de vinculação entendem-se aquelas relações que são únicas e exclusivas, que constituem importantes recursos na procura de conforto e de apoio, que implicam afectos intensos sobretudo em momentos de separação. São relações insubstituíveis e a sua perda é irreparável. Contribuem de forma inequívoca para o desenvolvimento de um sentido interno de valor e segurança pessoal "(Bowl by, 1969/91; 1977; Ainsworth, 1989; 1991; Weiss, 1982; 1991; West & Sheldon-Keller, 1994, citados por Costa & Matos, 1996) (sublinhados e itálicos da autora).

De facto, a relação que os pais estabelecem com os seus filhos parece evidenciar, de um modo geral, cada um destes aspectos (sublinhados) das relações de vinculação (sendo que muitos deles estarão já presentes no período de gravidez). De facto, a relação parental é claramente uma ligação afectiva de proximidade com afectos intensos, única e insubstituível, cuia perda é irreparável (que será discutido a propósito do significado psicológico da perda perinatal), e que contribui inequivocamente para o desenvolvimento de um sentido interno de valor pessoal da mãe (e do pai). No entanto, se em relação a estas características de uma relação de vinculação é óbvia a aplicação / transposição para a relação parental, não podemos considerar o mesmo em relação ao facto de esta se constituir num importante recurso na procura de segurança e apoio (destacado em itálico pela autora na citação de Costa & Matos, 1996).

George e Solomon (1996), abordando a relação parental do ponto de vista estrito do sistema de caregiving permitem clarificar especificamente a (não) atribuição destas características de apoio e segurança a esta relação, que se pauta fundamentalmente pela unilateralidade do sentido do caregiving, não sendo de valorizar, portanto, a procura de apoio ou de segurança por parte dos pais nesta relação que é de complementaridade e não de simetria. E, de facto, a inversão de papéis ou parentificação dos filhos constitui um fenómeno de disfuncionamento familiar.

Um outro aspecto da vinculação, que não se pode transpor directamente para a relação parental, prende-se também com a experiência de "afectos intensos, sobretudo em momentos de separação". Assim, se por um lado, é inquestionável a intensidade emocional do "amor materno", por outro lado, a sua presença nos momentos de

separação (tão enfatizada nas teorias da vinculação como o ilustra a investigação a partir da Situação Estranha) exige cautela e uma reflexão adicional. É que, ao contrário da relação filial que se orienta pela procura de proximidade (em jogo na Situação Estranha como, de resto, na maioria da investigação enquadrada nesta abordagem), a relação parental deve, pelo contrário, promover a separação e não dramatizá-la. Assim, a separação como um processo associado à exploração do meio (e ao desenvolvimento da autonomia filial), não deverá induzir afectos intensos da parte dos pais que estão associados a mecanismos de sobreprotecção parental.

Concluindo, o conjunto destas características da experiência relacional dos pais em relação ao filho não parece responder a todas as dimensões tradicionalmente associadas a uma relação de vinculação, evidenciando uma especificidade que importa explorar.

Newman e Newman (1988), no seu livro Transitions to Parenthood, colocam-se numa perspectiva claramente enquadrada nas teorias da vinculação e dedicam precisamente um capítulo ao "Parental Attachment, centrando-se na relação que os pais estabelecem com os filhos e no potencial desenvolvimental que esta relação tem para os pais. Estes autores citam Harlow que, já em 1974, considerava a especificidade da relação do pai e da mãe com a criança, distinguindo-a da natureza da ligação de uma criança aos pais7.

Newman e Newman (1988) realçam que, este tipo de vinculação (a que Harlow chamou de "amor materno"), tem um conjunto de características próprias que a distinguem da vinculação filial à mãe, da vinculação aos pares e da vinculação amorosa. Estes autores distinguem a vinculação entre um pai e o seu filho, da vinculação de uma criança em relação aos seus pais, referindo duas características: o forte sentido de responsabilidade que os pais sentem pela protecção e cuidado da criança, que é uma das características mais primárias desta forma de vinculação; e uma segunda característica diferenciadora, que tem a ver com os benefícios emocionais da

7 Harlow (1974) distingue cinco formas de laços de vinculação: o amor de uma criança pela sua mãe

(vinculação filial, sentido original da noção de vinculação); o amor por um amigo (vinculação aos pares, próximo da noção de amizade); o amor heterossexual (vinculação amorosa, próximo da noção de intimidade); o amor materno e o amor paterno (como duas formas distintas de vinculação parental, quer a vinculação materna quer a vinculação paterna). Na perspectiva de Harlow estes laços de vinculação surgiriam por aquela ordem e cada novo laço de vinculação implica a experiência dos laços de vinculação anteriores.

vinculação que advém não apenas da proximidade com a criança, mas, do próprio sentimento de estar a responder às suas necessidades.

Os autores distinguem, também, esta vinvulação parental, da vinculação amorosa do adulto, destacando o facto de ser um laço recorrente: com o nascimento de um novo filho há todo um novo investimento emocional e não uma substituição ou diminuição da ligação afectiva existente com a criança anterior (ao contrário da relação que os adultos estabelecem com o seu par amoroso que é desinvestida com a construção de novas relações de vinculação amorosa). Os autores distinguem, ainda, a vinculação parental da vinculação aos pares e da vinculação amorosa, evocando uma outra diferença considerada fundamental nas teorias da vinculação. Assim, ao contrário do que é esperado numa vinculação entre adultos, que se caracteriza pela reciprocidade, pelo equilíbrio de poderes e responsabilidades, e pela mutualidade dos papéis, quando nos referimos a uma relação entre um pai e o filho não há esta simetria, mas sim uma relação de complementaridade. Ainda que haja muitas situações em que a complementaridade entre adultos aconteça (como por exemplo em situações de doença), este apoio pode ser fornecido alternadamente por um ou por outro elemento. Mas, a vinculação a uma criança é, neste sentido, considerada unidireccional: são os pais que assumem toda a responsabilidade pelo bem-estar da criança8.

Neste sentido, poderemos considerar que esta relação de vinculação parental se inicia logo no período prenatal, se concordarmos, como nos propõe Newman e Newman (1988) e é consistente com a perspectiva de George e Solomon (1996) e de Condon (1993) que uma das características mais primárias deste tipo de vinculação é o forte sentido de responsabilidade que os pais sentem pela protecção e cuidado da criança. De facto, este é dos aspectos mais fortes da ligação dos pais aos filhos, e é já bem visível na gravidez em que, desde cedo, a mãe inicia a sua relação de prestação de

Este sentido da relação pode, de certa forma, ser invertido mais tarde perante a doença, a velhice ou outra fragilização dos pais que os coloquem como care-seackers, passando os filhos a care-givers. E, mesmo na infância, é possível encontrar alguma reciprocidade, pois também os filhos "mimam" os pais, proporcionando-lhes também amor e bem-estar, e podendo também, ainda enquanto crianças, apoiar os pais em situações de sofrimento e dificuldade, mas acredita-se que, de certa forma, este sentido unilateral da vinculação baseado numa representação interna com uma distribuição desigual de poderes e responsabilidades se mantém ao longo do ciclo vital e nas diferentes circunstâncias de vida que atravessam.

cuidados (caregiving), envolvendo-se numa reorganização da sua vida no sentido de assegurar desde o período prenatal o bem-estar e a qualidade do desenvolvimento do seu bebé (cuidados com a alimentação, a saúde, a actividade física e o descanso, a actividade sexual, o estado emocional, o barulho, a poluição, os comportamentos de consumo de substâncias como o álcool e o tabaco tão valorizados na literatura norte- amerícana sobre a adaptação à gravidez, etc.), pelo que, podemos encontrar desde a gravidez, uma mãe tratando do seu filho com carinho e afecto (o que se irá prolongar ao longo do seu desenvolvimento, e exige à mãe - e ao pai também, claro! - um enorme investimento emocional). Ainda que estes comportamentos de prestação de cuidados sejam enfatizados nas teorias clássicas de vinculação em termos da qualidade da relação que os pais proporcionam aos filhos, considerada determinante na vinculação dos filhos, considera-se pertinente enfatizar neste trabalho o papel desse "forte sentido de responsabilidade" na construção (e avaliação) da vinculação dos pais aos filhos. Assim, independentemente do impacto que esse sentido de responsabilidade exerça na vinculação dos filhos aos pais, considera-se que ele pressupõe (e sinaliza) uma forte ligação emocional dos pais em relação aos filhos, nos termos em que tem sido referida ao longo deste capítulo, de acordo com a natureza da vinculação parental. Este sentido de responsabilidade referido por Newman e Newman (1988), está muito próximo do conceito de "preocupação materna primária" proposto por Winnicott (1956) para se referir ao processo da mãe ficar intensamente identificada com o bebé, nas suas necessidades e ritmos, e também do conceito de "maternal thinking" proposto por Ruddick (1980) para identificar uma característica universal das práticas maternas, referindo-se à actividade constante de antecipar e garantir a saúde e o bem-estar do bebé.

A vinculação parental como um modelo interno

Compreender a relação mãe-bebé como uma relação de vinculação remete, também, para os processos cognitivos que a orientam. A relação mãe-bebé implica a reconstrução de modelos internos dinâmicos, com impacto no seu modelo do self e do outro. George e Solomon (1996) consideram que a gravidez é uma etapa desenvolvimental dos processos cognitivos da vinculação pautada pela evolução de um modelo de si própria de objecto de cuidados (care-recipient) para prestador de cuidados

(care-giver). No entanto, a avaliação da vinculação, tradicionalmente baseada na Ana Meireles • 2005

observação de comportamentos de interacção (especialmente generalizada na investigação sobre a relação da criança com a mãe), dificulta a investigação da relação mãe-bebé sob o prisma da mãe, especialmente na gravidez, em que a dimensão comportamental da relação materna está naturalmente limitada. Neste sentido, Laxton- Kane e Slade (2002) consideram que a vinculação parental, antes e após o parto, pode requerer abordagens ligeiramente diferentes, quanto mais não seja, pela ausência de oportunidades de reciprocidade. Mas lembram, no entanto, que a principal forma de compreender a vinculação é em termos de sentimentos e comportamentos que derivam das representações cognitivas (Bowlby, 1988), consistente com a evolução epistemológica das teorias da vinculação que, cada vez mais valorizam os aspectos representacionais na avaliação da vinculação (Hazen & Shaver, 1987; Bartholomew, 1990). Neste contexto, podemos falar de modelos do outro (bebé) e de si como mãe. Zeanah (Zeanah & Barton, 1989; Zeanah et ai, 1994; Benoit & Parker, 1997) têm confirmado que esses modelos internos são construídos desde a gravidez, sendo possível avaliar diferentes padrões de vinculação prenatal semelhantes aos encontrados no período pós-natal.

George e Solomon (1996) compreendem a vinculação prenatal em termos de representações, com origem nas experiências precoces de vinculação, mas que são sujeitas a um processo de desenvolvimento ao longo de toda a vida. A primeira gravidez é uma importante etapa desenvolvimental desses processos cognitivos, orientada para a maturação do modelo interno do self que passa de objecto de

cuidados para prestador de cuidados (George & Solomon, 1996). A vinculação prenatal

está assim alicerçada nas representações mentais de prestação de cuidados, que organizam o seu comportamento de cuidador. O conceito de modelos internos permite considerar as "estruturas inconscientes" histórica e idiossincraticamente construídas, que articulam afectos e crenças, representações de si e dos outros, emocionalmente carregadas, permitindo-nos compreender melhor a natureza da vinculação parental aos filhos.

O estudo das representações maternas no período prenatal, proposto por Solomon e George (1996), poderá então constituir um importante contributo para a compreensão da vinculação prenatal. No entanto, Laxton-Kane e Slade (2002) referem que a relação entre a vinculação prenatal e as representações mentais maternas não tem sido estudada.

Impacto da perda da gravidez

Além da experiência de afectos intensos e do sentido interno de valor pessoal que a relação com o bebé proporciona à mulher grávida, bem como o impacto que essa relação tem na identidade e no desenvolvimento psicológico da mulher, há um outro elemento fundamental para a compreensão desta relação como se tratando de uma relação de vinculação: a experiência de perda profunda e todo o processo de luto que envolve a perda de uma gravidez. Este processo de luto tem sido enfatizado na compreensão da vinculação adulta.

O impacto psicológico da interrupção da gravidez (por opção, acidente ou indicação médica) é enorme, sendo obviamente um choque lidar com a perda do bebé. O luto após interrupção da gravidez é, de resto, muito mais forte do que é normalmente reconhecido (Janssen, Cuisinier, Hoogduin & de Grauw, 1996; Janssen, Cuisinier, de Grauw, & Hoogduin, 1997; Hunfeld, Wladmiroff, & Passchier, 1997; Leon, 1986; Zeanah, 1989), pois a sua resolução é difícil e dolorosa, envolvendo tristeza, preocupação, depressão, raiva, culpa e ansiedade, podendo até, nalgumas circunstâncias despertar perturbações psiquiátricas anteriores e conduzir a variadas formas de luto não resolvido ou patológico (Janssen et ai, 1996; Hunfeld et ai, 1997; Hunfeld et ai, 1997; Zeanah, 1989). Assim, esta situação pode conduzir a situações de depressão, luto não resolvido, gravidez de substituição, stress conjugal, isolamento social (em especial de outros casais com filhos) e mesmo risco de suicídio (Olkin, 1987).

A intensidade de tais sentimentos e o seu impacto na vida da mulher tem que ser compreendidas em função daquilo que ela perdeu: ela perdeu uma parte de si: um objecto de vinculação, e todo o processo de identificação com o papel materno e de relação com o bebé foi profundamente abalado (não tendo oportunidade de resolver a crise adaptativa da gravidez). Afinal, já não há bebé para acarinhar, já não há família nova. É uma mãe sem filho...

Subjacente a esta perda (e determinante para a sua adequada resolução), está a forma como a grávida se liga ao seu filho, desde o início da gravidez. Até muito recentemente, o processo de luto era prejudicado pela inibição do contacto dos pais com o bebé. Mas, actualmente, os pais são encorajados a ver, tocar, dar nome e fazer o ritual do funeral do bebé de forma a senti-lo como real. É difícil fazer o luto de alguém cuja identidade

não tenha sido clarificada socialmente e cuja imagem esteja povoada por fantasias, enraizada física e psicologicamente no self dos pais. A vinculação prenatal tem sido considerada como "um pau de dois bicos", com consequências "indesejáveis" em situação de perda da gravidez. Sylvia K. Olkin (1987) questiona esta abordagem com base em relatos de casais em situação de perda perinatal, considerando que, ao contrário da perspectiva tradicional, a construção de uma relação com o bebé tem uma função adaptativa e desenvolvimental também na integração da perda (do bebé), permitindo que o processo de luto decorra de forma "saudável", alertando, no entanto, quet ai não significa uma experiência de sofrimento e dor menor. Assim, há que encorajar os pais a tocar, ver o bebé, para consolidar o seu laço com ele, facilitando o processo de luto. O processo de luto segue, assim, o seu curso desde o choque inicial, passando pela recusa, pela tristeza e raiva, até ao equilíbrio e finalmente à reorganização.

Esta reacção à perda do bebé, pode ser compreendida como uma reacção normal e esperada se a encararmos efectivamente como uma perda de uma figura de vinculação, e apesar de poder ser abusivo falar-se em vinculação prenatal nas primeiras semanas de gravidez (em que ocorrem a maioria das interrupções da gravidez), a intensidade daquela reacção emocional, mesmo em situações em que a interrupção da gravidez é voluntária, evidencia a força da experiência afectiva despoletada pela gravidez e a sua potencialidade na construção de uma relação de vinculação tão intensa e duradoira como a relação entre uma mãe e o seu filho.

O início da vinculação parental (quando é que nasce a mãe?)

Assumir que a relação mãe-filho é anterior ao nascimento do bebé coloca então a questão de a partir de quando é que podemos falar de vinculação parental, i.e., "quando é que nasce a mãe?".

Williams e colaboradores (1987) abordam, como já tínhamos visto, esta questão, considerando que a relação mãe-bebé começa com as experiências e fantasias que ocorrem em torno do desenvolvimento fetal. Laxton-Kane e Slade (2002) abordam também esta questão, referindo os trabalhos de Caceia e colaboradores (1991, cit. por Laxton-Kane & Slade, 2002) que verificaram em grávidas sujeitas a diagnóstico prenatal que a vinculação prenatal estava já presente às 10 semanas de gravidez. Williams e colaboradores (1987) referem ainda que nalgumas situações (como os pais

que experienciam dificuldades na concepção), o processo de desenvolvimento gradual da relação de vinculação parental pode ter até início anterior à gravidez (1987). Eduardo Sá e Jorge Biscaia (1997), referindo-se à vinculação prenatal, consideram mesmo que o investimento emocional no nascimento de um filho começa na sua planificação e ainda antes do processo de tomada de decisão, isto é, antes do investimento comportamental propriamente dito. Esta perspectiva é consistente com a de Brazelton (1981; Brazelton & Cramer, 1989) que considera todo o processo de desenvolvimento da ligação pais-bebé numa continuidade desde as fantasias parentais ligadas ao desejo de ter um filho, à gravidez e à interacção neonatal. Este autor introduz a noção de "pré-história" da vinculação parental e na posterior "aurora" da vinculação no período gravídico. Estes autores referem a vontade de ter um filho como resultado da evolução das fantasias parentais relativas à sua própria infância e de desejos narcísicos, entendendo que estes sentimentos evoluem durante a gravidez para sentimentos de vinculação em relação ao bebé. Estes autores referem nomeadamente a importância da construção da identidade de género na infância e as brincadeiras e jogos infantis como o tradicional "brincar às casinhas" na construção destas fantasias, bem como a forma como estes desejos e representações de parentalidade vão sendo reconstruídos e redefinidos ao longo do percurso desenvolvimental, como, por exemplo, na puberdade, a par da aquisição da capacidade de reprodução, descrevendo aquilo a que chamaram "pré-história" da vinculação parental.

Mas então, voltando à nossa questão: quando é que afinal nasce a mãe? Laxton-Kane e Slade (2002) consideram, que, apesar das representações mentais do

self como cuidador poderem preceder o desenvolvimento da vinculação prenatal, este

processo requer o reconhecimento de alguém com quem estabelecer a vinculação prenatal: "it could be hypothesized that mental representations of the self as a care-

giver may precede this development. However, prenatal attachment would require the recognition of another to be attached to." (Laxton-Kane & Slade, 2002, 256).

Assim, as representações cognitivas da mãe como figura cuidadora, apesar de estarem relacionadas com a vinculação parental, não se podem confundir com ela pois, a

vinculação prenatal envolve também a identificação de um objecto de vinculação.

Portanto, a par da construção de uma representação de si como mãe (desenvolvimento das representações de si como figura cuidadora, George & Solomon, 1996), a vinculação prenatal parental envolve também a identificação, o reconhecimento de um filho, de um objecto de vinculação concreto, com as suas características e