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Colman e Colman (1994) consideram que a primeira tarefa que se coloca à grávida é a aceitação da própria gravidez, constituindo-se como tarefa central durante o 1o

trimestre. Claro que esta aceitação será facilitada nos casos em que a gravidez foi planeada, mas, mesmo nestes casos, desde o planeamento de uma gravidez até à aceitação da gravidez propriamente dita, decorrerá sempre todo um conjunto de processos psicológicos complexos, que Colman e Colman (1994) sistematizaram naquilo que seria a fase da Integração. Também Canavarro (2001), reconhece a importância da aceitação inicial da realidade da gravidez, e que é colocada pelo

reconhecimento de que a concepção ocorreu, independentemente do desejo e/ou planeamento da gravidez, provocando uma ambivalência entre o receio e o desejo da gravidez (aceitação/rejeição relativa à gravidez). Esta valorização da ambivalência enquanto processo inerente à adaptação à gravidez, valorizado pelos autores psicodinâmicos como Brazelton e Cramer (1989), permite evidenciar a dinâmica emocional no início do processo gravídico em que são comuns as incertezas e angústias em relação a acreditar na viabilidade da própria gravidez, em relação à aceitação do bebé, em relação às mudanças que o novo estado implica e em relação à própria maternidade. Para ultrapassar esta ambivalência, Canavarro (2001) enfatiza o papel da confirmação definitiva do estado de gravidez (confirmação médica) mas também a importância da aceitação e do apoio, por parte das figuras mais significativas. A par deste processo de aceitação, a gravidez e o bebé vão sendo integrados, não só em termos da identidade, como no seu contexto de vida. Este processo de aceitação e integração da gravidez é fundamental para que a mulher possa progredir nas tarefas subsequentes (Canavarro, 2001). No entanto, é possível identificar formas diferentes de resolver esta tarefa inerentes a reacções distintas à própria gravidez, como lembram Cohen e Slade (2000).

Para as mulheres que se sintam preparadas para terem um filho, e / ou para quem a decisão de ter um filho foi consciente e intencional, a descoberta da gravidez pode trazer uma grande alegria e excitação, numa reacção positiva à gravidez. As mulheres falam da gravidez como representando um fortalecimento da sua relação conjugal e uma intensa ligação à "ordem natural da vida" (Callister, 1995; Leifer, 1977; Slade & Cohen, 1996). Ter um filho é muitas vezes visto como uma forma de aprofundar a riqueza, a intensidade e a complexidade da relação conjugal. No entanto, o desafio com que a gravidez as confronta pode deixar também as mulheres (e os homens), assustadas, ansiosas e ambivalentes. Mas se a gravidez foi planeada e desejada, estes sentimentos ansiosos e ambivalentes, normalmente, não perturbam de forma substancial os sentimentos de contentamento e felicidade (Cowan & Cowan, 1992; Leifer, 1977), fazendo parte integrante da elaboração própria da vivência da gravidez.

Mas obviamente, são muitas as mulheres que engravidam (por opção ou acidente) e que não se sentem preparadas para ter um filho por variadas razões (psicológicas,

conjugais, profissionais, económicas ou sociais). Para estas mulheres, a descoberta da gravidez pode ser uma experiência de tonalidade negativa (Leifer, 1980; Lydon, Dunkel- Schetter, Cohan & Pierce, 1996), pois ao diminuir a alegria que é necessária para modular a ansiedade e a ambivalência da gravidez, faz com que os sentimentos negativos dominem a reacção à gravidez. Por vezes, esta ambivalência reflecte uma desadaptação a longo prazo e marca o início de uma gravidez stressante e emocionalmente difícil (Leifer, 1980; Trad. 1991). Este início negativo pode também ser revertido ou pelo menos atenuado ao longo do processo gravídico.

No entanto, mesmo nas mulheres que não desejaram ter um filho, a intensidade emocional da relação mãe-bebé mantém-se profundamente envolvente, o que é evidente na angústia, na culpa e na ambivalência que muitas mulheres (e homens) sentem após um aborto (Major, et ai, 1990; Lydon, et ai, 1996) mesmo quando esta interrupção da gravidez é voluntária.

A maior parte do desenvolvimento fetal ocorre no primeiro trimestre da gravidez, em que um conjunto indiferenciado de células se transforma em tecidos e órgãos articulados. É nesta altura que o bebé está mais vulnerável a influências tóxicas pelo que as mães são aconselhadas a deixar de fumar e beber café e alcool. Nesta altura o corpo da mulher está cheio de hormonas; os enjoos matinais são mais intensos, tal como o cansaço, a irritabilidade e as alterações do humor. Há também registos de alterações cognitivas, tais como a diminuição da atenção e da memória.

Uma mulher pode não se aperceber logo que está grávida, mas é frequente a percepção de alterações corporais desde as primeiras semanas de gravidez. No entanto, apesar de eventuais alterações corporais, o bebé é, durante muito tempo, uma abstração para a grávida. A mulher sente o seu corpo diferente, mas as mudanças ainda não são evidentes. Assim, no primeiro trimestre, a gravidez implica mudanças de vida e desconforto físico mas não é, ainda, experimentada como real e permanente (Leifer, 1980; Phipps, 1985). De facto, muitos casais só partilham a notícia da gravidez após esta fase.

Assim, "a gravidez é vivida nesta fase apenas como uma mudança no corpo da mulher (...) psicologicamente a futura mãe não pode e nem precisa de se relacionar com o bebé como sendo outra coisa senão uma parte de si própria" (Colman & Colman, 1994, cit por Canavarro, 2001, p. 39). E acrescenta a autora: "Assim, do ponto de vista das

fantasias, a mãe concebe o bebé como parte de si e a sua atenção encontra-se sobretudo centrada nas transformações do seu corpo" (Canavarro, 2001, p.39), não havendo propriamente uma aceitação da realidade do bebé, correspondendo, de certa forma, à fase inicial de indiferenciação, valorizada pelos psicodinâmicos, em que, o investimento emocional na gravidez seria ainda uma "investimento narcísico" no seu próprio corpo / self.

No segundo trimestre, os enjoos e a irritabilidade normalmente diminuem. O crescimento fetal é mais observável e o bebé começa a ser sentido como mais real por muitas mulheres. Há uma aceleração da transição psicológica; a mulher está fisica e psicologicamente a "tornar-se mãe".

Nesta altura, o abdómen já aumentou de forma a evidenciar a gravidez e as mulheres começam a usar roupas que sinalizam a sua futura maternidade. Por vezes, este é um momento de alguns conflitos em torno das mudanças corporais. Para algumas mulheres, o sentido de perda de controlo corporal pode ser assustador, muitas referem receios de nunca recuperar o peso e a forma física. Apesar de algumas futuras mães apreciarem a volupuosidade das suas mudanças corporais (Johnson, 1991), outras sentem-se gordas e pouco atractivas em relação aos padrões actuais de beleza (Huganir, 1990; Jenkin & Tiggeman, 1997; Leifer, 1977).

Por volta das 15 semanas, a maioria das mulheres pode ver o seu bebé através de ecografias. Este acontecimento é normalmente experienciado com uma excitação intensa, e faz com que o bebé seja sentido como mais real, podendo aprofundar a relação com o bebé (McKinney, Downey & Timor-Tritsch, 1995; Jordan, 1990).

Por volta dos 4 - 5 meses de gravidez começam a sentir-se os movimentos fetais - os "pontapés", que representam para a mulher o momento de contacto directo com o bebé, como um ser vivo e com intencionalidade própria. Como tal, este é dos momentos mais significativos da gravidez (Cohen & Slade, 2000). Naturalmente que a presença, agora irrefutável, do bebé tanto pode ser motivo de alegria e excitação como motivo de ambivalência e ansiedade para as mulheres que se sentem inseguras quanto ao significado da sua gravidez.

Colman e Colman (1994) valorizam o impacto da percepção dos movimentos fetais na resolução da tarefa de diferenciação que estes autores associam ao 2o trimestre, em

que a grávida começa a vivenciar a autonomia do bebé em relação a si.

Canavarro (2001) associa a tarefa de aceitação da realidade do bebé a esta fase, depois de ultrapassada a ambivalência (aceitação/rejeição) relativa à gravidez. Nesta altura, a representação do bebé torna-se mais autónoma e realista. Á medida que aumenta a sensação da presença do bebé dentro de si pela visualização das ecografias e pela maior percepção dos movimentos fetais, este processo representativo é acelarado, num ponto de viragem importante, em que o processo de diferenciação mãe-bebé, valorizado tradicionalmente no processo de desenvolvimento psicológico, se traduz na aceitação do bebé como indivíduo distinto de si própria. Conseguir ter esta representação cognitiva é fundamental para a relação mãe-bebé (Mendes, 1999; Stern & Bruchweiler-Stem, 1998; Ammaniti et ai, 1992). Esta representação coincide com a intensificação das fantasias relacionadas com o bebé, características próprias, aspecto físico, temperamento e nome (Brazelton & Cramer, 1989). A grávida começa a falar e a cantar para o bebé, acaricia a barriga, estabelecendo uma comunicação verbal e táctil que Lederman (1996) considera que é o indicador externo dos processos intrapsíquicos que ocorrem nesta fase.

No terceiro trimestre de gravidez, o bebé está já praticamente formado e vai ganhando peso até ao momento do parto. É neste momento que a mulher aumenta mais de peso, o que lhe dificulta bastante o sono e a mobilidade, havendo normalmente no último mês da gravidez um grande desconforto. Psicologicamente, a mãe está a preparar-se para o parto e para a chegada do bebé. Segundo Winnicott (1956), o inicía-se o período de

"Preocupação Maternal Primária", em que a grávida vai ficando cada vez mais focada

na chegada do bebé e nas enormes alterações envolvidas (Leifer, 1977; Lester & Norman, 1986; Pines, 1972).

Para Colman e Colman (1994) neste trimestre a grávida começa a antecipar o processo pelo qual se vai desligar da gravidez - o parto, a que chamaram a fase da Separação.

CAPÍTULO 2.