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INFLUÊNCIA DAS VARIÁVEIS RELACIONAIS NA VINCULAÇÃO PRENATAL

CAPÍTULO 2. A RELAÇÃO MÃE-BEBÉ NA GRAVIDEZ

2.3. FACTORES E DIFICULDADES DA VINCULAÇÃO PRENATAL

2.3.4. INFLUÊNCIA DAS VARIÁVEIS RELACIONAIS NA VINCULAÇÃO PRENATAL

Apoio social

Seria de esperar um efeito indirecto do apoio social na relação mãe-bebé em termos de uma relação com o bem-estar psicossocial da grávida (à semelhança do que foi possível verificar na relação parental pós-natal, Crockenberg & McCIuskey, 1986), mas os resultados são contraditórios.

Cranley (1981) verificou uma associação entre a vinculação prenatal e o apoio social, o que foi em parte corroborado pelo estudo de Mercer e Ferketich (1988) e pelo estudo de Bloom (1995) com adolescentes, mas, utilizando o mesmo instrumento, Mendes (2002) não encontrou qualquer efeito do apoio social, à semelhança de outros autores (Koniak-Griffin, 1988; Koniak-Griffin et ai, 1993; Curry, 1987). Muller (1992) também refere resultados inconsistentes quanto à relação do apoio social com a vinculação prenatal, atribuindo-as a diferenças entre amostras e a problemas de validade das medidas de vinculação prenatal. Também Cannella (2005) conclui, na sua revisão, que

"correlacionai studies examining psychosocial variables such as social support in relation to maternal-fetal attachment have yielded disappointing findings" (Cannella,

2005: 65). Esta autora atribui as dificuldades, em associar as variáveis relacionais com a vinculação prenatal, a alguma redundância entre os conceitos12 que "obscurizam" o

conhecimento sobre a relação entre as dimensões.

Mas, Laxton-Kane e Slade (2002) na sua revisão dos estudos realizados na década de 90, referem uma associação do nível de apoio social com a vinculação prenatal. E de facto, numa perspectiva diferente da avaliação da vinculação prenatal, Condon e Corkindale (1997) consideram que o Maternal Antenatal Emotional Attachment Scale é

12 Esta autora considera que há alguma sobreposição entre a avaliação da vinculação prenatal e do apoio

social, na medida em que ambas incluem dimensões de vinculação, que a autora considera que se estende ao estudo de outras variáveis, como a relação conjugal ou a relação à própria mãe.

influenciado por factores situacionais e psicológicos, constatando que a intensidade da vinculação prenatal é potenciada perante a percepção de apoio social (mas não a subescala da qualidade da vinculação prenatal). Estes autores verificaram que o quartil inferior de vinculação prenatal estava associado a níveis mais baixos de apoio social (a par de valores mais elevados de depressão e ansiedade). Estes autores verificaram que a satisfação com o apoio social é mais importante que a quantidade do apoio disponível.

Relação Conjugal

O contexto conjugal tem sido recorrentemente enfatizado na compreensão da experiência de gravidez (Canavarro, 2001; Cowan & Cowan, 1988; Colman & Colman, 1994; Caplan, 1960; Sheresevsky & Yarrow, 1973) mas tem sido menos estudado no contexto da relação mãe-bebé. Como Belsky e Jaffee (in press) explicam, os investigadores que exploram a mudança na qualidade da relação conjugal na transição para a parentalidade, ignoram de um modo geral o significado e a importância do papel parental e a relação parental. Por outro lado, na psicologia do desenvolvimento, em que é explorada a qualidade da relação parental e o desenvolvimento infantil, a relação conjugal não é valorizada, encarando os adultos como se o seu único papel fosse o parental. Já na psicologia clínica, tanto os problemas conjugais como os problemas do desenvolvimento infantil são enfatizados, mas não é prestada muita atenção à relação parental propriamente dita. No entanto, cada vez se reconhece mais a inter-relação entre estas diferentes áreas do saber na compreensão dos processos de funcionamento e desenvolvimento psicológicos (Belsky & Jaffee, in press).

E de facto, a satisfação conjugal mostrou-se correlacionada positivamente de forma consistente com os valores de vinculação prenatal no Maternal Fetal Attachment Scale (Cranley, 1984; Mercer et al, 1988; Weaver & Cranley, 1983) e o apoio conjugal correlacionou-se com o Maternal Antenatal Emotional Attachment Scale (Lai, Tang & Tse, 2005). Também Gloger-Tippelt (1988) encontrou uma correlação positiva forte entre a percepção do bebé e a duração da relação conjugal e Siddiqui e colaboradores (1999) identifica uma associação entre os valores do Prenatal Attachment Inventory e a qualidade da relação conjugal. Coerente com estes resultados, White e colaboradores (1999) verificam que uma maior vinculação ao bebé está associado a dinâmicas familiares mais positivas, à semelhança de Fuller e colaboradores (1993) que

encontraram uma correlação positiva da vinculação prenatal com o funcionamento familiar. No entanto, Zachariah (1994) não estabeleceu uma correlação substancial da vinculação prenatal com a vinculação ao companheiro, e, noutro estudo, Righetti e colaboradores (2005) também não estabeleceram qualquer relação entre a vinculação prenatal avaliada pelo Maternal Antenatal Emotional Attachment Scale e a duração da relação conjugal. Da mesma forma, também Mendes (2002) não encontrou nenhum efeito do estado civil nos valores do Maternal Fetal Attachment Scale, ainda que Lindgren (2001) refira valores de vinculação prenatal mais elevados nas grávidas casadas. Utilizando o Maternal Antenatal Emotional Attachment Scale, Condon e Corkindale (1997) constatam que a qualidade da vinculação prenatal é potenciada pela existência de uma relação conjugal pautada por consenso, coesão e "care". Usando aquele mesmo instrumento num estudo com grávidas gemelares, também Colpin e colaboradores (1998) encontraram uma correlação positiva entre a qualidade da relação conjugal e a subescala da qualidade da vinculação prenatal.

De facto, a reacção e a atitude do cônjuge é um contributo poderoso na adaptação da futura mãe à gravidez, na sua relação com o bebé e no seu futuro comportamento maternal (Condon & Esuvarranathan, 1990; Condon & Corkindale, 1997; Fuller, Lucille & Lester, 1993; Robson & Mandei, 1985). Curry (1979) confirma a importância da percepção de apoio do companheiro no comportamento materno subsequente. Alguns estudos exploram, ainda, a associação entre a relação conjugal e a relação parental pósnatal em termos da qualidade da vinculação dos filhos, verificando que a vinculação segura do filho está associada a uma maior qualidade da relação conjugal (Goldberg, 1983; Belsky & Isabella, 1988).

Belsky e Jaffee (in press) concluem que, esta associação se verifica nas diferentes fases do ciclo parental, desde os primeiros anos de vida dos filhos à sua adolescência, confirmando a inter-relação entre conjugalidade e parentalidade.

Estilo de Vinculação

Como Laxton-Kane e Slade (2002) sugerem que, em vez de se medir a associação entre a vinculação prenatal e a percepção de proximidade ou apoio em determinadas relações específicas (cujos resultados têm sido bastante inconsistentes e desanimadores), a avaliação do estilo de vinculação materno pode ser um preditor bastante mais poderoso, pois as primeiras experiências de vinculação tendem a

determinar as vinculações posteriores (Bowlby, 1979). Esta concepção é consistente com a abordagem de Belsky e Jaffee (in press) que consideram que a relação entre o bem-estar psicológico dos pais e as suas competências parentais vem em larga medida "de trás", da sua própria história desenvolvimental e da qualidade das suas experiências como "care-taker", ie, da forma como foram "parented", evocando a literatura dos maus tratos parentais, da depressão parental e das experiências de vinculação na infância. Numa abordagem diferente, também Heinicke (1995) considera que:

"the mother's prebirth adaptative competence and capacity to sustain positive relationships (specially those with her partner) anticipate her responsiveness to the needs of her infant. (...) If before the birth of the child, the mother copes well with various life issues, has the capacity to form positive, trusting relationships, and has a mutually positive relationship with her partner, then she is more likely to be responsive to her child's needs and her child will develop greater security" (Heinicke, 1995: 291 ).

Assim, as explicações clássicas sobre o funcionamento parental, valorizam a influência da história desenvolvimental dos pais e em especial as suas experiências de terem sido "parented" em crianças na compreensão do seu funcionamento parental.

E de facto, a investigação mostra que, apesar da transmissão intergeracional do funcionamento parental não ser de forma alguma inevitável, a história desenvolvimental parental desempenha um papel importante na forma como os pais se relacionam com os filhos.

A teoria da vinculação proporciona uma base para a compreensão das condições e dos mecanismos de transmissão intergeracional do funcionamento parental, pois:

"parents' experiences with grandparental responsiveness, rejection or ambivalence lead to an internal representation of the caregiving as (un)responsive to the careseacker needs, and it is hypothesized that this internal representation will influence the degree of responsiveness the parents are able to show toward their children" (van Ijzendoorn & Leiden,

1992:79).

Esta teoria valoriza também os processos de transformação dos modelos internos

dinâmicos, pois as experiências precoces são integradas em modelos internos

relacionais (Bowlby, 1980). Assim, Main e Goldwyn (1984) verificaram que as mães com experiências de vinculação negativas mas que tinham construído narrativas coerentes e integradas dessas experiências não eram rejeitantes em relação aos seus filhos. Esta teoria proporciona ainda uma descrição das experiências relacionais capazes de introduzir mudanças desses modelos, destacando as potencialidades do contexto conjugal na transformação desses modelos internos. E de facto, foi possível verificar o efeito mediador de uma relação conjugal positiva no funcionamento parental, em situações de experiências negativas precoces de vinculação (Belsky, Pensky & Youngblade, 1990). Estes dados poderão também ser lidos à luz do modelo de Belsky e Jaffee (in press) e da terminologia de Cicchetti, em que factores protectores (como uma relação conjugal positiva) reduzem o impacto de factores de risco de um funcionamento parental abusivo (como as experiências negativas de vinculação).

No entanto, resta a questão: por que será que umas mães dispõem de relações conjugais e de recursos de apoio capazes de minimizar o efeito de experiências de vinculação negativas e outras não? A qualidade desses recursos ou factores protectores, não será também influenciada pelas características da própria mãe?...

De qualquer forma, alguns estudos têm tentado relacionar o estilo de vinculação materno com a qualidade da vinculação prenatal, encontrando uma associação entre o estilo de vinculação materno e a vinculação prenatal (Pollock & Percy, 1999; Mikulincer & Florian, 1999). No mesmo sentido, apontam os resultados de Siddiqui e colaboradores (2000) que utilizaram um inventário de vinculação prenatal e uma avaliação das memórias de infância (com subescalas de rejeição, calor emocional e superprotecção), verificando que as grávidas que referiam calor emocional da figura materna e rejeição da figura paterna apresentavam maior vinculação prenatal. Também White e colaboradores (1999) encontraram uma correlação positiva da vinculação prenatal com a avaliação da proximidade emocional e intimidade nas relações familiares.

No entanto, Zachariah (1994), não encontrou qualquer correlação significativa da vinculação prenatal quer com a vinculação precoce à mãe, quer com a vinculação ao par amoroso.

De qualquer forma, Laxton-Kane e Slade (2002) lembram que a avaliação da

vinculação na gravidez pode não ser representativa da vinculação adulta, e de facto, verificou-se que, durante a gravidez, a mulher pode tomar-se mais próxima dos outros, a relação com os outros significativos pode tomar-se especialmente marcada (Smith, 1999b).

2.3.5. MULTIPLICIDADE E COMPLEXIDADE DOS DETERMINANTES DA