• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3. A VIVÊNCIA DO CORPO NA GRAVIDEZ

3.1. A VIVÊNCIA DO CORPO

3.1.3. NATUREZA RELACIONAL DA IMAGEM CORPORAL

É consensual a valorização das experiências relacionais na construção da imagem corporal16 (Schilder, 1950; Fisher & Cleveland, 1958; Pylvanainen, 2003; Ribeiro, 1996;

Rosen et ai, 1997; Barbosa & Costa, in press; Orbach & Mikulincer, 1998; Orbach, 2004). Para Fisher e Cleveland (1958), a imagem corporal de um indivíduo é um indicador "fino" das suas relações significativas e ajuda o indivíduo a definir a sua identidade no mundo. Também, para Chace (1993, cit por Pylvanainen, 2003), a imagem corporal constrói-se nas experiências relacionais do indivíduo, ie, na relação com os outros. Assim, a imagem corporal será primariamente uma co-construção, definida de acordo com as experiências resultantes dos comportamentos e atitudes dos outros. Também para Gross (1988, cit por Pylvanainen, 2003), a evolução da imagem corporal resulta de um processo desenvolvimental no contexto das relações objectais (contendo aspectos conscientes e inconscientes). Para Schilder (1950), há uma relação estreita entre a forma como o indivíduo experiência o seu próprio corpo e a forma como percepciona o corpo dos outros.

Pylvanainen (2003) reformula a concepção de Schilder17, descrevendo a dimensão

relacional do self corporal de uma forma muito interessante:

"there is a very close connection between one's body-self and the body-

selves of others." (p. 235); "We desire the relation of our self corporal with

the self corporal of the other." (p. 237); "The relation to the body-selves of others is determined by the factor of spatial nearness and remoteness and by the factor of emotional nearness and remoteness" (p. 240); "everybody builds his own self corporal in contact with others; there is constant giving and taking so that many qualities of the body-selves are common to persons who interact and are in emotional relation to each other" (p. 273).

Pylvanainen (2003) apresenta também a forma como Stem (1989) descreve o desenvolvimento do self corporal na interacção com os outros. Numa 1a fase, em que

16 Manter-se-á as designações originais utilizadas pelos autores referenciados, mas pretende-se contribuir

para a compreensão da relação com o corpo, integrando os desenvolvimentos teóricos e empíricos desenvolvidos de acordo com diferentes conceitos e perspectivas, tal como foi já explicado.

17 Pylvanainen propõe que se substitua o termo body-image pelo termo body-self para melhor se

ocorre a emergência do sentido do self, a organização do mundo perceptivo e experiencial começa por se centrar em torno do próprio corpo. Estas experiências corporais consolidam o sentido nuclear do self, o que inclui o sentido de "agency'', de integridade e de continuidade (self-history), que são esssenciais ao funcionamento psicológico ao longo da vida. O sentido relacional nuclear (core relatedness) constitui para este autor a característica principal deste sentido primário do self8. Refere-se à experiência de ligação ("being with the other"), que está na base da construção da estrutura de funcionamento psicológico desde a infância e ao longo de toda a vida. Numa 2a fase, em que emerge o sentido subjectivo do self, o indivíduo toma

consciência daqueles sentimentos, intenções e motivações, ie, reconhece os próprios estados mentais. Este reconhecimento reflecte-se numa ligação intersubjectiva

(intersubjective relatedness), construída pela partilha de intenções e de estados

afectivos, que o autor designou de empatia. Entre o sentido do self (ou identidade) e o sentido subjectivo do self (ou intimidade) haverá uma relação de interdependência funcional e desenvolvimental. Assim, para Stern (1989), estas duas fases não são mutuamente exclusivas, uma substituindo a outra, mas, pelo contrário, coexistem e interagem ao longo do percurso de vida do sujeito, estando na base quer da construção da identidade quer da construção da intimidade (física e psicológica).

Assim, e retomando a enriquecedora abordagem de Pylvanainen (2003), tanto a

qualidade como os conteúdos do self corporal são influenciados significativamente pela

interacção com os outros.

A valorização da dimensão relacional no funcionamento e desenvolvimento do (self

corporal) abre novas portas e caminhos para a intervenção neste domínio. Numa crítica

à descrição da imagem corporal em termos de "representação mental do corpo" (Schilder, 1950), Pylvanainen (2003) considera que esta definição não explica as implicações psicoterapêuticas deste constructo, na medida em que aquela autora considera que o nível representacional não explica suficientemente o funcionamento e desenvolvimento psicológicos, propondo em alternativa a valorização das dimensões relacionais (a que chama a dimensão das relações objectais da imagem corporal) na compreensão e intencionalização da mudança psicoterapêuticas.

Para Stem (1989), "todos os acontecimentos que regulam os sentimentos de vinculação, de proximidade física e de segurança são experiências co-construídas" (Stern, 1989, p.102).

Mas o nível representacional e o nível relacional, longe de serem "opostos", são duas formas complementares de compreender (e construir) o funcionamento e o desenvolvimento da estrutura de relação com o corpo. Ou, fazendo nossas as palavras de Agostinho Ribeiro (1996), a experiência subjectiva do corpo é um "componente estrutural da identidade e variável mediadora da relação" (Ribeiro, 1996).

Esta ligação entre as dimensões corporais e as dimensões relacionais está patente de forma esclarecedora na conclusão que Susie Orbach (2004, 149) apresenta no seu estudo sobre o papel do corpo na psicoterapia, em que a autora, depois de referir que

"the body has it own history arising out of the attachment nexus and the internalization of the bodies of its caregivers and the bodies they are able to recognize in their infants and children" (Orbach, 2004, 141).

Mais ainda, refere a mesma autora que "bodies are not born but are acquired in

relationship with key caregivers" (idem, 141), permitindo-lhe concluir que,

"attachment theory with its notion of the human as essential a social animal doing its learning in the context of attachment relationships, is specially well placed to enhance our understanding of how the (...) subjectivity of the body develops"

e continua, acrescentando que

"What I have been able to understand so far is that the body is made in relationship: to paraphrase Simone de Beauvoir, the body is made, not born. The details of how it is made and the ways in which it may be need to be unmade and remade within the context of a therapy relationship are yielding interesting and challenging clinical material, which will in time rebalance the overemphasis, I believe psychoanalysis has brought to the study of mental processes" (Orbach,