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CAPÍTULO 5. CONSTRUÇÃO E ADAPTAÇÃO DOS INSTRUMENTOS

5.1. ASPECTOS RELATIVOS AO PROCESSO DE VALIDAÇÃO DOS INSTRUMENTOS

Após a selecção dos instrumentos, foram testadas as propriedades psicométricas das escalas, num processo de adaptação em relação à amostra utilizada que proporcionou a avaliação e o desenvolvimento dos próprios instrumentos. Em resultado desta análise, os questionários utilizados sofreram alterações, no sentido de potenciar a fiabilidade e a validade dos resultados obtidos.

A construção e validação de escalas assentam num conjunto de três tipos de procedimentos: teóricos, empíricos, e analíticos (Pasquali, 1999, cit em Freire & Almeida, 2001). Estes aspectos orientaram os procedimentos de adaptação e construção dos instrumentos utilizados.

A nível teórico, a validação de um instrumento pressupõe que a teoria que o fundamenta se encontre devidamente explicitada, quer na definição do constructo a avaliar, mas também na explicitação dos comportamentos (itens) que constituem uma representação adequada desse constructo. Estes procedimentos teóricos foram enfatizados no processo de selecção dos instrumentos de avaliação, em que o critério primário foi precisamente a qualidade e a adequação da fundamentação teórica dos instrumentos, bem como a clareza e pertinência dos itens propostos, em termos da sua adequação para a avaliação dos respectivos constructos.

Na avaliação do valor empírico dos instrumentos é de destacar os procedimentos que presidiram à sua tradução e adaptação, com a finalidade de adequar ao nosso estudo concreto a avaliação das dimensões em análise.

No processo de validação de instrumentos já existentes, a adaptação inter-cultural e

linguística são normalmente consideradas fundamentais para garantir que o mesmo

instrumento de medição se possa aplicar em culturas diferentes (Ferreira & Marques, 1998). Para esta adaptação, após a tradução e retroversão dos itens, estes foram administrados a um pequeno grupo (n=10) para testar a compreensão do seu

vocabulário e formulação, através do método da "reflexão falada", com o objectivo de aperfeiçoar os itens, escolher os termos melhor compreendidos, suprimir expressões ambíguas ou vagas e detectar situações geradoras de ansiedade (Almeida & Freire, 2000). Este procedimento proporcionou assim um processo de análise e reformulação dos itens.

Para este processo, foi importante ter em conta que, no estudo da gravidez, os significados são construções sociais e culturais, geralmente sem grande suporte escrito, mas muito baseados na oralidade e na partilha de experiências interpessoais, pelo que o vocabulário e as formulações dos itens têm que obedecer mais à forma como os sujeitos compreendem e expressam as questões relativas à gravidez (equivalência conceptual), e menos à equivalência inter-cultural (linguística) propriamente dita. É que existem formas muito particulares de construir os significados em cada cultura, sendo difícil aceder a formas "objectivas" e universais de compreender a experiência de gravidez. Assim, encontramos neste domínio de investigação todo um conjunto de termos e conceitos, cuja formulação é muito própria e que é essencial apreender se queremos avaliar a experiência da gravidez tal como é construída e significada pelas participantes. Procurou-se, assim, nesta fase, explorar (e transpor para os itens) a forma como os próprios sujeitos compreendem e expressam os constructos abordados. Por conseguinte, perante a necessidade de decidir entre formulações mais próximas do original e formulações mais próximas da forma de expressão e construção dos sujeitos, optámos antes pelas últimas, ou seja, pela equivalência semântica em detrimento da equivalência linguística.

A nível analítico, a construção e validação de uma escala envolve um conjunto de procedimentos, que permitem analisar as suas propriedades psicométricas. Uma preocupação inerente, prendeu-se com o próprio tamanho da amostra, i.e., o número de participantes, pois havia que respeitar o critério de cinco sujeitos por item para viabilizar a análise factorial dos instrumentos (Kline, 1994; Bryman & Cramer, 1997). Os valores de fidelidade merecem uma atenção especial na construção e na adaptação das escalas de avaliação e referem-se ao valor da variância atributável à variável latente (DeVellis, 1991, cit por Freire & Almeida, 2001). O mais utilizado é o coeficiente

Alpha de Cronbach que mede a variância devido à heterogeneidade dos itens, cujos

valores deverão situar-se entre os 0.70 e 0.80 (Kline, 19941; Polit & Hungler, 1995, cit por Freire & Almeida, 2001).

A estabilidade temporal dos instrumentos não foi avaliada na medida em que se trata de um estudo longitudinal, em que se pressupõe detectar diferenças ao longo do tempo, pretendendo-se que os questionários evidenciem uma sensibilidade à mudança em deferimento dos critérios de estabilidade.

Depois da avaliação da fidelidade, o estudo dos instrumentos prosseguiu com a análise da validade, que se refere à capacidade de medir aquilo que se pretende. Os indicadores da validade mais utilizados são a validade de conteúdo, a validade facial, a validade de constructo e a validade de critério, mas não é obrigatória a determinação de todos esses valores para validar uma escala (Almeida & Freire, 2000, cit por Freire & Almeida, 2001).

A validade facial e de conteúdo foi analisada na fase inicial de selecção dos instrumentos, em que se privilegiou a fundamentação teórica dos constructos (apresentada no capítulo anterior). Também a metodologia de "reflexão falada" permitiu avaliar e desenvolver este aspecto da validade dos instrumentos. A validade de critério e concorrente foi também aí abordada (no capítulo da metodologia), na medida em que se valorizou a recolha e análise de evidências relativas à validade concorrente de cada instrumento na apreciação da sua capacidade de se correlacionar com outras escalas e subescalas relevantes. Este estudo proporcionou elementos adicionais para esta análise da validade de critério, pela comparação dos resultados obtidos pela mesma amostra noutros instrumentos. A análise diferencial da amostra conduzida, permitiu também explorar melhor a capacidade de os instrumentos avaliarem aquilo que se pretendia (validade discriminante) e foi particularmente útil na validação de dimensões que não dispunham de medidas independentes comparáveis (como por exemplo a

Percepção de mudança pessoal). Estes dados, apesar de serem apresentados em

maior detalhe no capítulo 6, relativo à apresentação dos resultados, serão discutidos especificamente neste capítulo em termos das evidências adicionais de validade concorrente, de critério e discriminante dos instrumentos.

Os estudos da validade de constructo basearam-se na análise factorial, isto é, na exploração e análise da estrutura dimensional dos instrumentos utilizados, procurando determinar-se em que medida os resultados empíricos de um teste são indicativos do constructo teórico subjacente, isto é, das dimensões que o instrumento procura medir.

Optou-se por enfatizar em cada instrumento os aspectos de validade considerados mais pertinentes, no sentido de permitirem dar resposta à especificidade de cada instrumento. Assim, nos instrumentos cuja validade discriminante estava já bem estabelecida (e.g. MAMA), não se explorou esse aspecto, enfatizando-se a validade de conteúdo das novas versões, enquanto que, para o novo instrumento construído, todos estes aspectos foram abordados com maior detalhe, na medida em que não havia contributos anteriores para a análise da robustez da medida. Da mesma forma, não se procedeu à análise da validade para os instrumentos relativos à satisfação conjugal e à vinculação ao pai e à mãe, na medida em que a necessidade de adaptação destes instrumentos era muito menor, pois a sua construção para a população portuguesa e as evidências anteriores sustentavam a sua adequação para o presente estudo.

5.2. PROCESSO DE VALIDAÇÃO DOS INSTRUMENTOS

5.2.1. MATERNAL ADJUSTMENT AND MATERNAL ATTITUDES (MAMA)

Análise factorial exploratória: Com o objectivo de validar esta nova tradução e de a

adaptar a esta amostra, conduziu-se um estudo da estrutura factorial e das propriedades psicométricas. Este procedimento era tanto mais importante na adaptação deste instrumento, quanto mais se havia constatado a insuficiente validação da sua estrutura factorial em estudos prévios (Mendes, 2002), incluindo aquele que apresenta a sua construção (Kumar, Robson & Smith, 1984). Uma vez que a replicação factorial falhou (usando o procedimentos de Análise de Componentes Principais e impondo o número de factores originalmente definidos), procedeu-se a uma análise factorial exploratória em componentes principais (PCA) com rotação varimax, dos 58 itens iniciais35, com uma medida de adequação da amostra (KMO = 0.748) satisfatória

(Tabachnick & Fidell, 2001), resultando numa estrutura de quatro factores que foi considerada interpretável. Procedeu-se, então, à depuração dos itens, retendo-se os itens com saturação superior a .35 no seu factor, que não saturassem em mais do que um factor (diferença superior a .1) e que não prejudicassem a consistência interna (coeficiente alpha de Cronbach) da respectiva sub-escala. Estes procedimentos resultaram numa escala com 40 itens organizados em quatro factores (Quadro 3), com valores de saturação superiores a .35 no seu factor e com uma elevada capacidade discriminativa entre os factores, permitindo explicar no seu conjunto, uma variância total de 36,7%: O primeiro componente com 15,7% da variância, o segundo com 8,2%, o terceiro com 6,7% e o quarto com 6,0%.

Quadro 3. Maternal Adjustment And Maternal Attitudes (MAMA)

1 2 3 4 alpha

Atitude positiva face à gravidez 0.79

44. sinto-me orgulhosa da minha aparência ,670 ,168 ,121 ,163 2. sinto-me bonita ,603 ,166

19. gosto da forma do meu corpo ,598 ,196 ,208

Os itens 6 e 41 relativos aos enjoos e vómitos na gravidez foram eliminados a priori por se tratarem de questões específicas do primeiro trimestre, pouco relevantes na discriminação das atitudes face à gravidez entre os três trimestres de gestação.