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A essência mais originária da verdade do ser: desvelamento e velamento

No documento renataangelopernisa (páginas 58-67)

1.3 A verdade como a)lh/qeia a)lh/qeia a)lh/qeia a)lh/qeia

1.3.2 A essência mais originária da verdade do ser: desvelamento e velamento

A busca em ultrapassar a concordância que constitui a verdade e nos arrasta à compreensão do resultado do acordo como o fundamento dessa verdade é nossa condução para a verdade mais originária. Ao ultrapassarmos, passamos ao âmbito anterior à conformidade harmonizada no acordo dos elementos em referência. Isso se deve à indagação pela esfera relacional que ambienta o acordo da concordância.

O fato de nem toda relação ser de concordância alarga ainda mais a possibilidade de interpretarmos a verdade para além do mero acordo entre juízo e objeto, pois a relação que

constitui a verdade como a)lh/qeia se dá no sentido de um sinal. Um sinal em que o juízo é a ponte que leva a coisa em causa ao nosso conhecimento, e isso não cogita estarmos diante da coisa mesma ou de sua verdade absoluta. O juízo, na verdade, é um modo de dizer a referência que ocorre entre o objeto e o sujeito do conhecimento. Ele é um modo de articularmos o desvelamento de nossa compreensão, mas isso não deve ser considerado como uma única compreensão. Afinal, ao dizermos que é um modo, pressupomos, de antemão, a possibilidade de abertura a outros modos de ocorrência. É essa dimensão aberta que aproxima a verdade de um sentido mais originário.

A modalidade de interpretação do juízo como um dos caminhos para dizermos a verdade não se deixa vincular pelo “é” que estrutura sua formulação. Seguimos a ultrapassagem desse horizonte presentificado e nos abrimos a uma temporalização não cotada por sucessões de agoras. Assim interpretado, o “é” do ajuizamento representa a realização de uma face da verdade em harmonia com aquilo que lhe abre essa possibilidade. Logo, é um modo de concebermos a relação de concordância enunciada pelo juízo, partindo de sua construção e não como resultante de uma operação. Nesse outro modo de compreensão, a relação se dá no “como” de seu acontecimento, sendo então interpretada em uma perspectiva fenomenológico/ hermenêutica.

Embora na primeira reflexão acerca da verdade, ambientada ainda no contexto de Ser

e Tempo, nós tenhamos estendido nossa compreensão a uma proximidade da origem, ao

apontarmos o modo de existência do Dasein como ser-descobridor (entdckend-sein) da verdade mais originária, retornamos ao problema já mencionado, aquele da subjetividade e da dificuldade que a linguagem metafísica impôs ao texto heideggeriano. Aí, a compreensão do

Dasein como ser-descobridor leva à interpretação de “alguém que é tão poderoso como o

sujeito. Porque ele abre o espaço onde as coisas se dão” (STEIN, 1993, p. 193). Um espaço por ele essenciado em que a verdade também por ele é descoberta, e isso nos faz retornar a uma perspectiva subjetivista atrelada a pressupostos metafísicos, capaz de colocar o fundamento da verdade, uma vez mais, assentado na relação de concordância entre o sujeito e objeto. Nesse âmbito, o pensamento heideggeriano permanece ainda impedido de dar o passo além e transcender à tradição, como ele mesmo considera, tempos depois, no texto Carta

sobre o humanismo (1946), ao dizer que

seguir e acompanhar de maneira suficiente a realização desse modo diferente de pensar, que abandona a subjetividade, fica entrementes dificultado pelo fato de, na publicação de Ser e Tempo, ter faltado a terceira seção da primeira parte (cf. Ser e Tempo, p.39). É aqui que o todo faz uma viragem. A seção problemática ficou de fora porque o pensamento fracassou em dizer de modo suficiente essa viragem e não

conseguiu expressá-la com o auxílio da linguagem da metafísica (HEIDEGGER, 2008a, p. 340).

Após Ser e Tempo, a tarefa de ultrapassar o pensamento metafísico adentra o caminho do ser e de sua verdade. Agora, a interpretação da essência da verdade do ser segue a transcendência como ultrapassagem em busca de um modo de compreensão capaz de alargar, ainda mais, a aproximação da verdade à sua essenciação mais originária.

No contexto da transcendência ocorre a virada (Kehre) no modo do pensamento se constituir. Ele passa, então, a alcançar uma flexibilidade em seu compreender que não mais permanece vinculado aos pressupostos metafísicos. O afastamento das conjecturas tradicionais não descarta o que nos é habitual. É um modo de desprender-se que acontece a partir daquilo que nos é mais comum. Portanto, a virada no pensamento, proposta por Heidegger, não é simplesmente a troca de uma perspectiva por outra, mas a mudança no modo como o pensamento mesmo acontece a partir do pensar que nos constitui. Logo, a viragem ocorre no e a partir do pensamento metafísico.

Em seu modo de ser fundamentado no ente, o pensamento metafísico é o solo propício ao acontecimento da virada. Sua propriedade de alicerçar todo o seu contexto a uma base fundadora permite que busquemos pela origem desta fundamentação como tentativa de colhê-la antes mesmo dela se manifestar como fundadora. Entretanto, isso não significa a busca por um pensamento puro, pois nossa compreensão sempre se dá por meio das conjecturas que constituem nossa existência. O que diferencia o modo de pensar orientado pela virada é o fato de que não mais perdemos de vista a diferença entre o ente e seu ser, mantemos a compreensão aberta à presença dessa diferença sem pender para nenhum dos extremos.

A virada heideggeriana, apesar de indicar um outro modo de ambientação para o pensamento acontecer, o seu seguimento não se dá pelo guia de um método calculante, ou como uma etapa exclusiva para o questionamento da verdade. Ela acontece seguindo o caminho do desenvolvimento da própria interpretação do ser e sua verdade, sem que isso represente mudança de trajeto. O transcorrer permanece sobre a mesma via, que por vezes toma desvios, na virada, e retorna ao habitual. Na verdade, o que Heidegger nos propõe é o recolhimento, na ação do próprio caminhar, do que a metafísica deixou de pensar no decorrer de sua história.

Uma vez que a linguagem tradicional se revela insuficiente para falar da ambiência originária, a busca por outro modo de dizer a essência da verdade aí ambientada não consiste em uma simples troca terminológica; mais que isso,

a linguagem torna-se mais despojada. Heidegger não forja, em particular, novas palavras para exprimir seu pensamento, procedimento que era típico da época de Ser e Tempo, antes se contenta com a utilização das palavras da linguagem corrente, procurando recuperar-lhes o sentido original, utilizando para isso os recursos da etimologia (BOUTOT, 1991, p. 50).

É desse modo que o retorno ao início não se dá como um evento específico do questionamento da verdade do ser, mas acontece na própria linguagem que constitui nosso contexto compreensivo. Uma vez que somos na linguagem, nos voltarmos para a origem representa a recuperação de um sentido para nosso próprio modo de ser, livres dos pressupostos metafísicos, e isso sem abandonar a linguagem que nos é habitual.

A ambiência favorecida pela virada abre o caminho que pode nos levar à origem, mesmo transcorrendo sobre o solo da tradição metafísica. É nesse sentido que nossa busca pela verdade mais originária pode se dar pela passagem por sua compreensão como adequação. De acordo com a tradição, consideramos como verdade o enunciado que diz a coisa em sua efetividade. Ou melhor, o enunciado de algo é verdadeiro se adéqua sua proposição à realidade daquilo que está sendo enunciado. Essa relação de adequação é o que funda o conceito corrente de verdade como

veritas est adaequatio rei et intellectus. Isto pode significar: a verdade é adequação da coisa com o conhecimento. Mas pode se entender também assim: a verdade é a adequação do conhecimento com a coisa. Ordinariamente, a mencionada definição é apenas apresentada pela fórmula: Veritas est adaequatio intellectus ad rem. Contudo, a verdade assim entendida, a verdade proposicional, só é possível quando fundada na verdade da coisa, a adaequatio rei ad intellectum. Essas duas concepções da essência da veritas significam um conformar-se com... e pensam, com isto, a verdade como conformidade (HEIDEGGER, 2008a, p. 192).

A essência da verdade, pensada a partir da relação de conformidade, tanto acontece na concepção que adéqua o conhecimento ao objeto, quanto na que adéqua este ao conhecimento. Em ambas, o que torna possível essa referência é o fato de um estar em correspondência ao outro. Entretanto, apesar de tal conformação estar presente nos dois modos, o pensamento tradicional não toma a verdade por essa via. Ele se prende a pensar a relação pronta e realizada na adequação, e com isso deixa de questionar aquilo que proporciona essa sua efetivação em concordância da coisa e seu conhecimento, ou desse com a coisa. Ir além desse modo de apresentação da verdade é o que estamos propondo, por isso não descartamos essa sua realidade efetiva. Seguimos além, questionando o contexto que antecede a essa efetivação, na interpretação da dimensão de conformidade que estrutura a relação de adequação da verdade.

Tradicionalmente compreendida como adequação, a verdade é a concordância entre intelecto, conhecimento, enunciado, objeto, ou seja, ela conforma os elementos da relação e se estabelece a partir do resultado desse acordo. Embora estejamos em busca de outro modo interpretativo para a verdade, não deixamos o tradicional fora de nossa interpretação. Ele é o caminho para a outra possibilidade. A não conformidade à definição comum se deve não por a considerarmos um erro, mas por pretendermos pensá-la próxima à origem.

O modo de compreender afirmado no desvelamento toma cada um dos elementos da relação adequado ao outro, fixando um só lado da referência. Com isso, a relação de verdade entre o conhecimento e o objeto do conhecimento é compactada em um mesmo entendimento, tornando-se a mesma coisa. Ao propormos pensar antes do desvelamento desta referência, estamos buscando pela dinâmica que está velada nessa concordância. O enunciado se revela, então, como aquilo que nos abre para o desvelamento da verdade no sentido da a)lh/qeia.

O enunciado, ao abrir o entendimento àquilo a que ele se refere, apenas articula um predicativo do objeto de seu anúncio. Essa articulação se desvela no acordo entre aquilo que se enuncia e o próprio enunciado, mas eles não se reduzem um ao outro. Cada um é seu si mesmo e a conformidade de sua relação os faz acontecer em conjuntura. A conformação de um com o outro estrutura a relação que constitui a verdade em uma disposição que harmoniza seus participantes, acatando o que cada um é em referência ao outro. Esse modo de interpretarmos a conformidade evidencia sua característica como um modo do homem se comportar diante do mundo. É o modo como respondemos àquilo que nos convoca. Ele adéqua nossa resposta ao objeto do conhecimento, sem que isso se torne uma verdade totalmente desvelada. Estamos em abertura ao mundo e a cada nova experiência, nova conformidade. Portanto, o comportamento (Verhalten) antecede o resultado da adequação da verdade. Ele ambienta o espaço do desvelamento que permanece aberto, atento a outra nova possibilidade de adequação.

Na abertura do desvelamento, a verdade como a)lh/qeia se essencia em um modo de essenciar que não se dá substancializado por uma “essência em si”, mas em uma essenciação em sucessiva abertura, resguardada pelo velamento. Assim, a configuração mais originária da verdade manifesta seu ser concebido a partir da diferença ontológica, acontecendo na harmonia da referência entre o que é desvelado e o que fica em velamento. O modo em abertura do acontecer dessa essenciação da verdade do ser ocorre devido à interpretação da relação de concordância e no modo como nos comportamos na interpretação dessa relação.

Passamos a nos compreender em abertura porque compreendemos que o que nos constitui é poder ser. Estamos aí, e isso significa estarmos no Da- de nossa constituição e em

um modo de residir que segue em constante ocorrência. O enunciado, comumente interpretado como uma asserção de verdade, é que nos abre caminho à percepção de uma essenciação em abertura. Ele é, portanto, não uma verdade absoluta, mas a efetivação de um dar-se da verdade.

Através do habitual anúncio da verdade, passamos à verdade como a)lh/qeia em uma modalidade de ultrapassagem que acontece na transcendência de sua própria essência entificadora. Através da ultrapassagem podemos romper os limites do ente e nos colocarmos no aberto do ser. Ou ainda, enquanto homens, nós podemos transcender a nossa entidade e seguirmos na liberdade do aberto. Somente assim nos tornamos livres; ao ultrapassarmos nossa compreensão tradicional, transcendemos nosso ser homem e nos compreendemos na abertura do ser que nos constitui, adentrando na proximidade da a)lh/qeia.

A ambiência em liberdade que essencia a verdade como a)lh/qeia “é a própria

essência da verdade” (HEIDEGGER, 2008a, p. 198). É ela que constitui o seu dar-se

essencial em abertura. Sua essenciação livre compreende o ser desalojado das construções metafísicas. Isso permite que ele se mostre por meio do ente sem que para isso tenha que se tornar ente. A liberdade deixa ser o que cada um é, livre de qualquer fundamento de igualdade, pois nela, o ser se permite ser através do ente e

a palavra aqui necessária para expressar o deixar-ser do ente não visa, entretanto, nem uma omissão nem uma indiferença, mas o contrário delas. Deixar-ser significa entregar-se ao ente. Isto, todavia, não deve ser compreendido apenas como simples ocupação, proteção, cuidado ou planejamento de cada ente que se encontra ou que se procurou. Deixar-ser o ente – a saber, como o ente que ele é – significa entregar-se ao aberto e à sua abertura, na qual todo ente entra e permanece, e que cada ente traz, por assim dizer, consigo (HEIDEGGER, 2008a, p. 200).

O livre modo do essenciar da verdade do ser em abertura não se articula, portanto, fundamentado por nenhum conceito pré-estabelecido de liberdade. Ele vai além das definições pressupostas pela tradição, em um modo de ser que é isento de qualquer limitação, seja externa ou mesmo interna. É a liberdade da liberdade a se mostrar naquilo que ela se propõe a ser: ser meramente livre.

Na verdade como a)lh/qeia, ser e ente acontecem livremente sem que um seja o fundador do outro. Eles habitam em abertura, livres de qualquer limitação e fundamentação. O modo como eles acontecem tem o sentido da doação. Uma doação que deixa ser aquilo que o outro é sem que para isso, aquele que deixou o outro ser, o faça por ser o seu criador. Na livre doação do ser, o ente é desvelado, e isso ao mesmo tempo em que no desvelamento do ente, o ser se revela como velado. Por isso, não temos como descartar a verdade desvelada,

pois ela doa espaço para que o velamento possa também se mostrar. E a liberdade é o que constitui essa relação. Ela,

a liberdade é o fundamento da possibilidade interior da verdade como exactidão de uma concordância, mas isto somente “porque ela recebe a sua própria essência a partir da essência primordial da única verdade essencial”, da verdade como desocultamento (PÖGGELER, 2001, p. 97).

Novamente, de modo algum fugimos à tradição. Continuamos a caminhar por ela com a diferença de que nos viramos para a origem de seu desvelamento, sem nos deixarmos demorar nessa dimensão desvelada.

O modo de ser do Dasein como ser aí é a sua existência interpretada agora não mais sob a constância da presença. Seu aí é constituído por uma ambiência livre manifestada pela verdade como abertura ao desvelamento do ente e ao velamento do ser. Este modo de interpretar a existência do Dasein acontece a partir de seu ser mais próprio como poder-ser. No livre poder-ser do Dasein, ele deixa de ser concebido pelo “é” que caracteriza sua existência fática e passa a ser interpretado como sendo, em uma existência não ambientada pela permanência de uma substância, mas dinamizada pelo livre poder-ser. Esse movimento em que o poder-ser, deixa-ser a si mesmo e aos demais constitui a abertura da verdade do ser em um modo de ocorrer da essência (Wesen), interpretado a partir da retomada de um sentido verbalizado que o retira, então, da substancialidade.

O termo “essência” tem aqui o seu sentido orientado por um modo de a existência se dar que não aquele apreendido de forma estática, temporalizado pela presentificação, pois

a ek-sistência, pensada ek-staticamente, não coincide nem em seu conteúdo nem segundo a forma com a existentia. Segundo seu conteúdo, ek-sistência significa postar-se-para-fora na verdade do ser. Existentia (existence), ao contrário, significa actualitas, realidade efetiva, em distinção ante e a mera possibilidade como ideia. Ek- sistência designa a determinação do que é o homem no destino da verdade (HEIDEGGER, 2008a, p. 339).

Da verdade pensada a partir da a)lh/qeia como abertura que desvela sua essência como ek- sistência. A partir dessa compreensão do dar-se essencial da essência da verdade, podemos então, dizer sim, que o desvelamento essencia a verdade, no sentido de que ele ocorre juntamente e articulado com o velamento.

A essenciação da a)lh/qeia enquanto constituída pelo desvelamento traz consigo também o velamento. Ao fazê-lo, ela se realiza enquanto tal como abertura, porque encobre o velado através de seu próprio desvelamento. A essência, assim interpretada, harmoniza seu próprio modo de ser, constituindo-se também da não-essência (Un-Wesen), ou o recolhimento do velamento. Com isso, ele, o velado ou lh/qh também pode realizar o seu modo de ser

marcado pela recolha de seu dar-se essencial. A essenciação do velamento caracteriza a abertura; seu modo de ser não se mostrando totalmente o sustenta e o harmoniza em uma essenciação não acabada. A não-essência da verdade não é o fechamento do aberto estrutural de sua essenciação. Logo, não é a negação de sua abertura. Ela é aquilo que fica retraído na essenciação do desvelado.

Além da não-essência da verdade não significar a tomada da abertura original em fechamento, ela também não deve ser entendida como uma mentira, ou a falsidade do enunciado. Sua interpretação deve partir da própria estrutura da a)lh/qeia, ou mesmo do desvelamento em um modo compartilhado a partir de sua própria terminologia que se estrutura tanto do desvelado (Wesen), quanto do velado (Um- Wesen). O velado se mostra, então, como o lh/qh da a)lh/qeia ou o velamento do desvelamento e o fato de ele sempre se dar em ausência, ocultado no desvelamento, lhe dá a configuração de mistério (das

Geheimnis).

O caráter de mistério que essencia o lh/qh é sua condição de ser enquanto tal, pois ser mistério, assim como um “segredo não é um enigma que um dia possa vir a ser decifrado; ele não é também o meramente fechado que em nada nos toca” (PÖGGELER, 2001, pp. 97-98), mas é participante do dar-se essencial da verdade sendo aí, a não-verdade. Portanto, o a)- privativo presente na a)lh/qeia não nega a sua participação na constituição essencial da verdade, longe disso, ele indica a sua presença velada.

Apesar disso, na passagem da a)lh/qeia à verdade tradicional, sua dinamicidade essencial em abertura se perdeu, e o desvelamento se tornou o fio condutor da compreensão de toda perspectiva de verdade. Essa compreensão consume a metafísica. Isso não significa, porém, ser esse um modo errado de o pensamento se realizar, e sim o que Heidegger mesmo chama de Gegen-Wesen, a contra-essência da verdade, ou sua errância. Ao interpretarmos a contra-essência da verdade como errância, não estamos levantando um ajuizamento moral. Também não estamos considerando tal modo de pensar como um erro. A errância representa o esquecimento da essenciação da verdade em abertura. Nela, esquecemos que somos em abertura ao desvelamento porque também estamos dispostos ao velamento. Isso não demonstra um desinteresse e menos ainda, uma desatenção nossa. A errância

é a antiessência fundamental que se opõe à essência inicial da verdade. A errância se revela como o espaço aberto para tudo o que se opõe à verdade essencial. A errância é o cenário e o fundamento do erro. O erro não é uma falta ocasional, mas o império (o domínio) da história, na qual se entrelaçam, confundidas, todas as modalidades do errar (HEIDEGGER, 2008a, p. 209).

A significação da errância está distante de ser um erro do homem, e bem mais próxima de representar seu esforço em conhecer a si e sua verdade. Afinal, é devido ao esquecimento de sua essenciação em abertura que a a)lh/qeia se torna verdade e a história do pensamento metafísico se consolida enquanto tal.

Embora nossa busca se dê pelo questionamento do ser do ente e o pensamento metafísico questionar o ente, esquecendo-se do ser no velamento de sua origem, a questão desse esquecimento não é o que impede a tradição de desenvolver tal questão acerca do ser. O próprio esquecimento participa do velamento. Esquecer representa um modo de deixar absorto aquilo que não acontece se mostrando objetivamente. Ou seja, que não se deixa apresentar totalmente. A problemática desse esquecimento, se podemos apontar uma, é o fato de a tradição “esquecer o esquecimento”. O fato de perder de vista que na sua origem ocorre o esquecimento de sua essenciação velada em prol do desvelamento. Nós, por nossa tradição, não questionamos o modo como se desenvolve nosso próprio modo de pensar, e menos ainda,

No documento renataangelopernisa (páginas 58-67)

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