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3.9 A experiência internacional

3.9.4 A experiência da França

A França é um país de regime unitário, ou seja, as leis são únicas e se aplicam em todo o território nacional. Os marcos legais fundamentais na área dos recursos hídricos foram a Lei n.º 62-1245, de 16 de dezembro de 1964, (relativa ao regime, à distribuição das águas e à luta contra a sua poluição) e a Lei n.º 92-3 de 03 de janeiro de 1992 (sobre gestão integrada de recursos hídricos).

A lei de 1964, foi pioneira em estabelecer um sistema de gestão cuja unidade territorial é a bacia hidrográfica e com entidades colegiadas de gerenciamento (comitê de bacia) onde há representantes dos(as) usuários(as), do Estado e da coletividade.

Em 1968 foi criada a Agência Financeira da Bacia Sena-Normandia (maior concentração urbana da França, incluindo Paris) com o objetivo de lutar contra a poluição do seu rio principal, colocando em prática o primeiro programa de intervenção (1969-70) (Barros, 2000).

A lei de 1992, veio complementar e reformular a lei de 1964, ampliando seu alcance. Somente após essa lei a noção de gerenciamento global foi verdadeiramente posta em prática, congregando os aspectos qualitativos e quantitativos.

A legislação francesa permite a cobrança (redevance)28 sobre todos os usos, consuntivos ou não, e ainda de usuários(as) que acentuem impactos negativos ou de beneficiários(as) de obras, apesar que até o momento só haja cobrança sobre o consumo ou sobre o lançamento de poluentes. Desde 1964 a legislação pressupõe a aplicação do princípio usuário(a) pagador(a) e poluidor(a) pagador(as). São previstos prêmios aos(as) donos(as) de obras públicas ou privadas quando dispõem de um dispositivo que permita evitar a deterioração da qualidade das águas.

27 Item adaptado de Leal (1998); Cunha (1980); SRH, (1992).

28 Segundo Barros (2000, p. 09), a redevance é uma tarifa cobrada de todos os usuários da água, superficial ou subterrânea, tendo

sido implantada de forma gradual, tanto na abrangência quanto na definição dos indicadores físico-químicos que definiram os parâmetros de cobrança. O autor cita ainda que a arrecadação proveniente da redevance na França movimenta recursos da ordem de 4 bilhões de dólares/ano, o que permite grandes investimentos em obras de infra-estrutura, saneamento, recuperação e prevenção ambiental.

Na lei de 1992, foram previstos Planos Diretores de Regularização e Gestão de Recursos Hídricos para cada bacia ou grupo de bacias. (SDAGE – Schéma Directeurs

d’Aménagement et de Gestion des Eaux). E os Planos de Ordenamento e de Gestão dos

Recursos Hídricos (SAGE – Schéma d’Aménagement et Gestion des Eaux), de caráter mais detalhado e local. Para a elaboração, revisão e acompanhamento da aplicação dos planos foram criadas as Comissões Locais de Águas (CLA).

As CLA são organismos operacionais encarregados da elaboração do SAGE, seja na organização das etapas de elaboração do projeto, seja na validação de cada uma delas, ou na arbitragem dos conflitos, e na continuidade e revisões eventuais. A legislação, porém, não confiou à CLA funções executivas, separando como é praxe no sistema francês, e também no brasileiro, as funções de planejamento das de execução. A CLA é composta de 28 a 60 membros, segundo o tamanho da área do SAGE e interesses de gestão, divididos em três categorias: 50% (representantes das coletividades territoriais e dos estabelecimentos públicos locais; 25% representantes dos(as) usuário(as) de água e das organizações profissionais; e 25% representantes das administrações e seus estabelecimentos públicos.

O SDAGE é um instrumento de planejamento estratégico e por causa da sua escala geográfica de aplicação só pode definir as grandes orientações da gestão. O SAGE, por sua vez, é considerado como um instrumento de planejamento operacional, sobre um determinado territórios (sub-bacia ou sistema hídrico).

A França foi dividida em seis bacias hidrográficas, com seus respectivos comitês de bacia, como pode ser visto na Tabela 3, que têm as atribuições essenciais de aprovar o programa plurianual de intervenção na bacia, estabelecer para a agência o nível de recursos financeiros e as cobranças necessárias para executar o programa; e resolver desavenças entre as unidades territoriais e/ou estabelecimentos da bacia.

Os Comitês de Bacia Hidrográficas são compostos em partes iguais, por representantes do Estado, indicados pelo Governo; por representantes das coletividades locais, eleitos(as) pelos conselhos municipais; e por representantes dos(as) usuários(as) de água, indicados pelas suas respectivas organizações (Cunha et al., 1980).

Tabela 3 – Composição dos comitês de bacias na França.

Categoria de representantes Bacias

Regiões Departamentos Comunas Usuários Estado Meio sócio- profissional Total Adour-Garone 6 18 6 30 18 6 84 Artois-Picardi 3 17 5 25 14 2 66 Loire-Bretagn 8 28 6 42 22 8 114 Rhin Meuse 3 14 5 22 14 3 61 Rhône- Méditérrané-Corse 6 28 6 40 21 6 107 Seine-Normandie 7 25 6 38 20 7 103 Fonte: Leal (1998).

A atribuição mais importante dos Comitês de Bacia é relativa a ação das Agências de Financeira, denominado também de Agência de Água, pois não só elegem o seu conselho de administração, com exceção dos(as) representantes do Estado, que são indicados(as) pelo Governo, como também exercem uma ação decisiva na fixação do montante das taxas a cobrar dos(as) usuários(as), e essa decisão da base de incidência e dos valores das taxas a serem aplicadas são submetidas a voto no Comitê. Por isso os Comitês de Bacia Hidrográfica na França são denominados de “parlamentos da água” (Cunha et al., 1980).

As Agências de Águas, uma para cada bacia, são estabelecimentos públicos, de caráter administrativo e com autonomia financeira. São os órgãos executivos que aplicam a política estabelecida pelo comitê através do programa de intervenção. Têm por objetivo facilitar as ações de interesse comum à bacia, assistir e incitar os(as) usuários(as) a uma utilização racional dos recursos hídricos. Uma de suas principais funções é a de financiadora, atribuindo subvenções e concedendo empréstimos às entidades públicas ou privadas da bacia para realização de estudos e intervenções de acordo com os objetivos da agência. Estabelece os valores das cobranças (submetidas à aprovação do comitê) e as coletas, elabora estudos e projetos, dá suporte técnico aos(as) usuários(as) e é um canal de informações sobre a bacia.

O Conselho de Administração das Agências é compostos de 50% de representantes do Estado; 25% das coletividades locais e 25% das diversas categorias de usuários(as). A Presidência do Conselho de Administração e o a Diretoria da Agência de Água são cargos nomeados pelo(a) Primeiro(a) Ministro(a) da França. A função da

Diretoria da Agência é preparar as decisões do Conselho de Administração (Cunha et al., 1980).

A Agência não é proprietária nem executante das obras que promove. As obras executadas são de responsabilidade dos municípios ou dos seus agrupamentos, dos departamentos, de empresas de economia mista ou de empresas particulares, aos quais podem ser delegadas o estudos, a execução e a exploração das obras. Sobre isso a Lei de 1964 previu a formação dos chamados Estabelecimentos Públicos Administrativos, colocados sob a tutela do Estado (idem).

No modelo francês, os Comitês e as Agências não têm funções de regulamentação ou poder de polícia, que continuam prerrogativas do Estado.

A Comissão Nacional da Água, criado em 1965, tem como missão dar seu parecer sobre problemas comuns a dois ou mais Comitês ou Agências, e outros problemas de caráter nacional ou regional. É composto por 77 membros (23 representantes de categorias de usuários(as), 22 representantes de coletividades territoriais, 18 representantes do Estado, 08 especialistas e os(as) seis presidentes dos Comitês de Bacia). A presidência é nomeada pelo(a) Primeiro(a) Ministro(a).

A Comissão Nacional da Água tem funções essencialmente consultivas da Administração Central da França relativas à elaboração da política da água em nível nacional. Teria ainda a missão de dar pareceres sobre projetos de âmbito nacional de ordenamento e repartição da água.