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A primeira conferência mundial significativa sobre água foi organizada em 1977 pelas Nações Unidas em Mar del Plata, Argentina, sendo a primeira conferência internacional sobre a água promovida pela ONU. Este encontro estabeleceu que água seria umas das questões mais importantes da agenda política internacional, resultando

no estabelecimento da Década Internacional da Água Potável e Saneamento, lançada pela ONU, na década de 1980.

O lançamento da “Década da Água”, após a Conferência de Mar del Plata, tinha como objetivo permitir que todos os homens e mulheres do mundo tivessem acesso à água potável segura até o ano de 2000.

Petrella (2002), afirma que os resultados da “Década da Água” ficaram bem atrás do esperado e a questão-chave, no entanto, é analisar porque foi feito tão pouco progresso na direção de uma solução para os problemas.

Apesar das diretrizes estabelecidas em Mar del Plata, a crise da água continuou a se intensificar. Esta situação levou a UNESCO, quase vinte anos mais tarde, a realizar a Conferência Internacional sobre Recursos Hídricos Mundiais em 1998, Paris, França, sob o título: “Água: uma crise que se agiganta?”.

Em 1992, ocorreu a Conferência Internacional de Água e Meio Ambiente (ICWE) em Dublin, Irlanda, no mesmo ano em que ocorreria a Eco-92. A Conferência de Dublin, como ficou conhecida, é tida como um marco importante na medida em que associa a questão da água ao desenvolvimento sustentável. Nesta Conferência foram estabelecidas algumas recomendações a todos os líderes mundiais, resumidas em quatro princípios destacados a seguir (MMA, 2002b):

“Princípio nº 1 – A água doce é um recurso finito e vulnerável, essencial para sustentar a vida, o desenvolvimento e o meio ambiente;

Princípio nº 2 – Gerenciamento e desenvolvimento da água deverá ser baseado numa abordagem participativa, envolvendo usuários, planejadores, legisladores em todos os níveis;

Princípio nº 3 – As mulheres formam papel principal na provisão, gerenciamento e proteção da água;

Princípio nº 4 – A água tem valor econômico em todos os usos competitivos e deve ser reconhecida como um bem econômico.”

Desde 1977 até o momento, várias conferências internacionais sobre recursos hídricos foram realizadas, como pode ser visto no Quadro 1. Esses eventos tiveram uma importância que não pode ser desconsiderada, principalmente pela proposição de programas de ação, projetos, resoluções e declarações. Alguns deles, inclusive, serviram como momentos importantes não só em termos de conscientização mundial, mas também para a definição de novos conceitos sobre a questão dos recursos hídricos.

Quadro 1 - Principais conferências mundiais sobre água.

Ano Evento Local País Contexto

1977 Conferência Mundial sobre Água. Mar del Plata

Argentina Primeira conferência sobre água promovida pelas Nações Unidas. Resultou no estabelecimento da Década Internacional da Água Potável e Saneamento, lançada pelas Nações Unidas na década de 1980.

1990 Fórum Internacional das ONG’s Montreal Canadá Organizada pela Oxfan e outras instituições, antes do encerramento oficial da Década Internacional de Água Potável e Saneamento. Elaborou a “Carta de Montreal” sobre Água e Saneamento.

1990 Conferência Mundial de Água Potável e Abastecimento.

Nova Déli Índia 1992 Conferência Internacional sobre

Água e Meio Ambiente

Dublin Irlanda Organizada pelas Nações Unidas em preparação para a ECO-92. Elaborou a “Declaração de Dublin” sobre Água em uma perspectiva de Desenvolvimento Sustentável.

1992 Fórum Europeu Strasburgo França Organizado pelo Secretariado Internacional da Água, a Assembléia Parlamentar do Conselho da Europa e a Solidariedade Européia da Água. Elaborou a “Declaração de Strasburgo” sobre a água como fonte de cidadania, paz e desenvolvimento regional. 1994 Conferência Ministerial sobre Água

Potável e Saneamento Ambiental

Noordwijk Holanda

1997 Primeiro Fórum Mundial da Água Marrakesh Marrocos Promovido pelo Conselho Mundial da Água (WWC), com o apoio das Nações Unidas. Lançamento do processo da Visão Mundial da Água, pelo WWC.

1997 9° Congresso Mundial da

Associação Internacional de Recursos Hídricos.

Montreal Canadá Tema do Congresso: Perspectivas para os Recursos Hídricos no Século XXI: conflitos e oportunidades.

1997 Conferência sobre Gerenciamento da água no século XXI.

Manilha Filipinas Conferência patrocinada pela UNESCO, tendo como tema: “Em busca de um tribunal internacional”.

1997 Reunião do Serviço Público

Internacional

Yokohama Japão Aprovou o Código para os Serviços de Água.

1997 Conferência Mundial sobre

Gerenciamento da Água

Valência Espanha Promovida pela UNESCO, com o tema : Gerenciamento da Água no Século XXI: em busca de um tribunal internacional.

Ano Evento Local País Contexto 1998 Reunião sobre “Abordagens e

Estratégias para o Gerenciamento de Água Doce.

Harare Zimbabue Realizada em preparação para a 6ª Sessão da Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável – CSD.

1998 Conferência Internacional sobre Gerenciamento Internacional de Bacias de Rios.

Bonn Alemanha Realizada com a iniciativa do governo alemão.

1998 Conferência Internacional sobre Desenvolvimento Sustentável e Recursos Hídricos

Paris França Realizada com a iniciativa do governo francês, em preparação para a 6ª Sessão da CSD. Resultou na elaboração da “Declaração de Paris” sobre Água e Desenvolvimento Sustentável.

1998 6ª Sessão da CSD para aplicar a Agenda 21 na proteção de recursos hídricos (Ação Água 21)

Nova Iorque

EUA Realizada pela ONU.

1998 Conferência Internacional sobre Recursos Hídricos Mundiais.

Paris França Promovida pela UNESCO, com o tema “Água: uma crise que se agiganta”. 1998 Conferência Internacional sobre

Direito Internacional e Direito Comparativo com Cursos de Água Internacionais.

Beirute Líbano Patrocinada pela Universidade Internacional, com o tema: “Educação em uma cultura de água compartilhada e protegida”.

1999 9° Simpósio da Água Estocolmo Suécia Organizado pelo Instituto Internacional da Água. Foram discutidos os resultados preliminares do Projeto Visão Mundial da Água.

1999 Congresso Mundial da Água Buenos

Aires

Argentina Organizado pela Associação Internacional de Recursos Hídricos – IWRA.

2000 2° Fórum Mundial da Água Haia Holanda Promovido pelo Conselho Mundial da Água (WWC), com o apoio das Nações Unidas. As

discussões giraram em torno do tema - Segurança Hídrica para o Século 21. Houve a apresentação e discussões dos resultados definitivos do Projeto de Visão Mundial da Água. 2003 3° Fórum Mundial da Água Kioto Japão Objetivava aumentar a consciência sobre a crescente crise de abastecimento da água. Fonte de dados: Petrella (2002); MMA (2002).

Um fato que merece destaque para a compreensão de como se deu a articulação mundial acerca da questão da água, ocorreu em 1996, quando o Banco Mundial juntou- se a várias agências das Nações Unidas, a alguns países e a corporações multinacionais privadas para organizar duas iniciativas importantes nesse campo: a fundação do Conselho Mundial da Água (WWC), e o lançamento da Parceria Global da Água (GWP) em Estocolmo. A tarefa da WWC é desenvolver, propor e promover uma visão mundial comum das questões relacionadas com a água. Quanto a GWP, seu objetivo é fazer com que organismos públicos e empresas privadas trabalhem em conjunto em uma política de recursos para a economia de água (Petrella, 2002).

Em Janeiro de 1999, o WWC, em cooperação com a maioria das agências das Nações Unidas e com a ajuda de vários governos e o Banco Mundial, criou a Comissão Mundial da Água no Século XXI, – cujo primeiro presidente foi Ismail Serageldin, que por “coincidência” era, na época, também o vice-presidente do Banco Mundial -, que deveria elaborar e implementar uma “Visão de longo prazo para água, a vida e o meio ambiente mundiais no século XXI”, o qual foi apresentado e discutida na Segunda Conferência do Fórum Mundial da Água, em março de 2000, em Haia (Petrella, 2002).

A “Visão da Água” definia as linhas gerais de uma política mundial da água para garantir que todos e todas terão acesso à água segura, que eram as seguintes:

“I - A água é um recurso escasso, um bem vital econômico e social. Como o petróleo ou qualquer outro recurso natural, deve ser submetido às leis do mercado e aberto à livre competição; II - O gerenciamento racional e eficiente dos recursos hídricos requer cultura e prática econômicas rigorosas. Os provedores de serviços de água, sejam eles públicos ou privados, devem estabelecer metas de desempenho que deverão ser medidas pelo critério da satisfação do consumidor; III - A água é um fator primário para a saúde. Uma política racional e eficiente para a água deve ter como objetivo conseguir manter a melhor qualidade possível e para esse fim, cada vez mais investimentos com infra-estrutura e manutenção serão necessários no mundo todo. Tais enormes quantias só poderão ser asseguradas pelo mercado de capitais de acordo com o objetivo da lucratividade Em última instância, portanto, a política da água é uma questão financeira (acesso a investimentos, capacidade de fazer lucros).” (Petrella, 2002, p. 51).

Analisando essas linhas gerais, percebe-se que a intenção do documento é convencer a comunidade internacional de que a gestão da água deve adotar uma abordagem neoclássica, com uma exagerada exaltação de aspectos econômicos- financeiros. Que a água deve ser submetida “às leis do mercado e aberto à livre competição” e que a política da água é “uma questão financeira”.

Vale destacar que a acolhida do conteúdo da “Visão de longo prazo para água, a vida e o meio ambiente mundiais no século XXI”, do WWC e o “Estrutura para Ação” do GWP, não foi unanime, como podemos perceber nas declarações feitas pelo chefe da delegação brasileira na Conferência Ministerial para ser anexada à Declaração Ministerial de Haia, 2000 (MMA, 2002c):

“... o Brasil concorda com a adoção da Declaração Ministerial de Haia. Porém, dificuldades persistem, relacionadas ao conteúdo e conceitos contidos nos documentos ‘Declaração da Visão’ e ‘Estrutura para a Ação’. Por isso é que o Brasil apenas toma nota destes documentos. Diferenças na abordagem, assim como imprecisões, nestes documentos, não permitem que o Brasil se associe a todas as análises, sugestões e propostas contidas nos mesmos. Portanto, o Brasil não considera que tais documentos constituam base sólida e adequada para futuras iniciativas no âmbito das Nações Unidas (...). Para tais propósitos, a Agenda 21 continua sendo reconhecida pelo Governo Brasileiro como documento único contendo diretrizes para a ação da comunidade internacional, adotada por unanimidade, sobre a questão dos recursos hídricos.”

O Segundo Fórum Mundial da Água, realizado em 2000 em Haia, Holanda, foi na realidade um evento promovido por uma articulação entre o Conselho Mundial da Água, O Banco Mundial e grandes corporações multinacionais, com a participação das Nações Unidas. Teve como objetivo tentar passar a idéia de que o documento “Visão Mundial da Água” deveria servir como base para direcionar as ações da comunidade internacional em relação as políticas de água. As decisões e orientações sugeridas nesse evento devem ser analisadas criticamente, pois seguem claramente a ideologia da mercantilização, ditada pelos interesses do grande capital internacional. Sobre esse evento, Barlow e Clarke (2003, p. 95) sublinham que,

“o título da conferência sugeria uma reunião oficial das Nações Unidas em prol da conservação dos recursos mundiais de água, mas não foi isso o que aconteceu. O fórum reuniu grandes organizações de lobby comercial, com a Parceria Global de Água, o Banco Mundial e as principais corporações de água do planeta, que visam o lucro, assim as discussões limitaram-se a como as empresas poderiam se beneficiar da venda de água para os mercados mundiais. É verdade que funcionários da ONU estavam presentes por meios de uma Conferência Ministerial vinculada ao evento, onde foram representados mais de 140 governos. Mas eles não tomavam as decisões.”

Mais recentemente, em março de 2003, ocorreu o Terceiro Fórum Mundial da Água, em Kioto, Japão. O encontro objetivava nortear as discussões sobre as políticas públicas, visando aumentar a consciência sobre a crescente crise de abastecimento de água, dentro do modelo proposto pela “Visão da Água”.

Algumas iniciativas alternativas à visão de mercantilização da água começam a se organizar em nível mundial. Em 2003, Enquanto ocorria o Terceiro Fórum Mundial da Água, aconteceu simultaneamente, no município de Cotia, São Paulo, o Fórum Social das Águas, planejado no Fórum Social Mundial de Porto Alegre – RS.