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A sociedade capitalista tem como fundamento a produção mercantil, ou seja, a produção de mercadorias, que por sua vez tem como condições básicas a divisão social do trabalho e a propriedade privada dos meios de produção.

Se a essência do capitalismo é a produção de mercadoria - e é exatamente no processo de produção e troca da mercadoria que o capitalista se apropria da mais valia16 – então o objetivo desse sistema é transformar tudo em mercadoria, dessa forma é necessário transformar todos os meios de produção em propriedades privadas, ou sob o controle de grupos e/ou empresas privadas. E essa realidade não é diferente para os recursos naturais, e em especial para os recursos hídricos, que tem sido visto pelos capitalista como uma nova fonte de lucros e de expansão/reprodução do capital.

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Mais-valia é a parte do valor das mercadorias criadas pelo trabalho não pago dos operários assalariados acima do valor da sua força de trabalho e apropriada gratuitamente pelos capitalistas.

Como já existe os senhores e senhoras da guerra, senhores e senhoras do dinheiro, os senhores e senhoras da tecnologia, agora surge os senhores e senhoras da

água” (Petrela, 2002).

Os senhores e senhoras da água, constróem um discurso, e o transformam em hegemônico, através dos aparelhos ideológicos presentes na sociedade, que tentam convencer que o único caminho para salvar o planeta da escassez de água é transformá- la em mercadoria, pois a mesma deve ser vista como um bem econômico, e o lugar mais eficiente para definir sua distribuição é o mercado. Sobre isso Petrella (2002, p. 76), diz:

“cada vez mais ouvimos dizer que a solução para os conflitos relacionados com a água deve envolver a economia, e até mesmo que devemos permitir que o mercado estabeleça um equilíbrio entre necessidade e provisão. Nesse contexto, um papel peculiar será supostamente atribuído à tecnologia e à inovação tecnológico-comercial”.

A tese que vem sendo difundida pelos grupos dominantes dos países desenvolvidos, e também ganhando influência entre o público em geral, e muitas vezes impostas pelos organismos financeiros internacionais aos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, baseia-se em algumas poucas idéias, aparentemente simples e verdadeiras, cuja relevância científica e validade empírica não são tão evidentes quanto nos induzem a acreditar.

Essas idéias não surgiram ao acaso, pelo contrário, é na realidade o resultado de uma construção ideológica, arquitetada por poderosos grupos econômicos internacionais (governos neoliberais de países desenvolvidos, empresas privadas multinacionais e organismos financeiros internacionais), que vem influenciando a opinião pública mundial. Para isso criam organizações internacionais de caráter privado (exemplo o Fórum Mundial da Água e o Conselho Mundial da Água), dando-lhes uma roupagem de espaço público, quando na realidade foram constituídos para atuarem como aparelhos ideológicos para a difusão das idéias neoliberais de privatização da água e da criação de mercados de água.

Primeiramente tentam argumentar que o enorme desperdício no uso e gerenciamento da água é supostamente devido ao fato de que a maioria de nossas sociedades, até o momento, consideraram a água como um bem social e não como uma mercadoria. Isso manteve o preço da água artificialmente muito baixo, estimulando o uso negligente, esbanjador e ineficiente, principalmente na agricultura e nos domicílios.

Portanto, é preciso que a água seja redefinida como um bem econômico, e que não seja vista como um produto gratuito (Petrella, 2002).

Argumentam também que só o mercado levará à distribuição e ao uso eficiente da água. Contanto que certos critérios precisos sejam respeitados, tais como uma clara definição dos mercados e direitos de propriedade garantidos. Então, segundo essa concepção, os mercados darão aos indivíduos e países uma maior oportunidade e capacidade para desenvolver, transferir e usar recursos hídricos de uma maneira benéfica para o mundo inteiro (idem).

Em respostas as essas idéias difundidas no mundo por organismos internacionais que só vêem na água uma fonte de lucro, Petrella, 2002, p.79), argumenta que,

“será que a falta e a escassez de água são realmente resultantes do fato de a água não ser considerada um bem econômico?. Esse argumento, que contém não mais que um grão de verdade, responsabiliza principalmente o preço artificialmente baixo da água pelo enorme desperdício dos últimos cinqüenta anos no uso e no gerenciamento da água. Na realidade, porém, não só o preço da água subiu muito em todas as partes do mundo nos últimos dez anos, sem redução do desperdício (em muitas cidades do mundo a conta da água consome de 8 a 9 por cento da renda familiar média), como também há muita evidência de que os principais fatores responsáveis pelo desperdício e ineficiência em geral foram e ainda são: a superexploração agrícola; a poluição industrial; a falta de uma visão de longo prazo envolvendo um planejamento e um gerenciamento global integrado, ou a incapacidade de implementar esses elementos de maneira eficaz e coerente devido aos interesses econômicos e financeiros em jogo.”

Atualmente já existe um mercado mundial de serviços ligados a água, e esse mercado esta em franca expansão, induzido pela ação de organismos financeiros internacionais e comandada por grandes empresas privadas multinacionais, principalmente empresas francesas que saíram na frente na exploração da água em busca de lucros, constituindo verdadeiros oligopólios.

Segundo, Petrella (2002), as corporações francesas - em particular as duas chamadas pela mídia de “gigantes da água”, a Générale des Eaux (do grupo Vivendi) e a Suez-Lyonnaise des Eaux – são de longe as maiores companhias distribuidoras de água do mundo. A Vivendi é a principal operadora hídrica do mundo (com um volume anual de vendas no valor de US$ 7,1 bilhões em 1997), estando envolvida também em serviços coletivos no setor ambiental, de energia, de saneamento urbano e de transporte público. Embora sendo a segunda depois da Vivendi, em termos nacionais, com um volume anual de vendas de US$ 5,1 bilhões em 1996, internacionalmente a Lyonnaise

des Eaux (agora parte do grupo Suez) é a número um (US$ 2,9 bilhões em 1997 contra US$ 2,2 bilhões da Vivendi) e a sua subsidiária, a Degremont, é a líder mundial em engenharia de tratamento de água.

Essa lógica de concentração do capital, uma das características típicas do sistema capitalista, deverá se reproduzir necessariamente em relação ao negócio da água, por ser uma lógica intrínseca a esse sistema, abrindo a possibilidade de que no futuro a água do mundo esteja nas mãos de poucas empresas multinacionais. E a questão da expansão do mercado de água poderá se acentuar com essa tendência atual dos governos nacionais adotarem um sistema normativo baseado na privatização, desregulamentação e liberalização da águas. Um exemplo dessa situação pode ser visto no levantamento sobre a situação da empresa Lyonnaise, citada anteriormente, apresentado na Tabela 2.

Tabela 2 - A globalização de uma companhia de água – o caso da Lyonnaise.

Companhia País % do Capital da

Lyonnaise

Setor de atividade

Águas Argentinas Argentina 25,5 Água

Lyonnaise-Australie Autrália 100,0 Água

Sita Belgica 100,0 Gerenciamento de lixo

Aquinter Bélgica 45,0 Água

Sofege Bélgica 100,0 Água

SS2 República Tcheca 51,0 Construção

SMP República Tcheca 51,0 Construção

Lyonnaise (C2) República Tcheca 100,0 Água

Lyonnaise Chine China 100,0 Água

Eurowasser Alemanha 49,0 Água

Brodrier Alemanha 25,0 Construção

Águas de Barcelona Espanha 23,0 Água

Cespa Espanha 100,0 Gerenciamento de lixo

Lyonnaise Pacific Depts. Franceses além-mar 100,0 Água

CEM Hong-Kong 20,0 Energia

SAAM Hong-Kong 43,0 Água

Lyonnais Indonésie Indonésia 100,0 Água

Crea Itália 49,0 Água

Sita Itália 100,0 Gerenciamento de lixo

Lyonnaise Lituanie Lituânia 100,0 Água

Lyonnaise Hungrie Hungria 100,0 Água

Lyonnaise Malaisie Malásia 100,0 Água

Safege Roumanie Romênia 100,0 Água

Sita Clean Reino Unido 100,0 Gerenciamento de lixo

Essex & Suffolk Reino Unido 99,0 Água

Lyonnaise UK Reino Unido 80,0 Água

North-East Water Reino Unido 99,0 Água

General Water Works Reino Unido 26,0 Água

Os senhores e senhoras da água obtém seu poder através da propriedade e do

controle da água, ou através dos mecanismos de acesso, apropriação e uso em vigor, já que esses lhe permitem beneficiar-se ao máximo dos bens e serviços que a água gera ou faz ser possível gerar (Petrella, 2002).