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Ambigüidades e limites conceituais do desenvolvimento sustentável

Sobre o conceito de desenvolvimento sustentável, definido pelo Relatório Brundtland e aprovado na Eco-92, Alier (1995), afirma que a principal mensagem do informe Brundtland foi precisamente que a pobreza é a causa da degradação ambiental, e a partir daí recomenda um crescimento econômico de 3% ao ano para os países do sul e do norte, relegando a segundo plano as questões de redistribuição e de eqüidade.

Para atingir o desenvolvimento sustentável, o Relatório Brundtland adota o crescimento econômico como solução tanto para a pobreza como para a degradação

ambiental, e argumenta que a pobreza é a causa da degradação ambiental, ao concluir que os pobres são numerosos e extrapolam a capacidade de sustentação do território.

Dessa forma, parece que o Relatório Brundtland queria combinar conscientemente essas duas idéias: desenvolvimento econômico e capacidade de suporte8. Sobre isso Alier (1995, p. 192), argumenta que,

“o Informe Brundtland, al referirse a un desarrollo económico ecologicamente sostenible, usa la palabra desarrollo en el sentido de crescimento económico (como, de outra parte, es habitual), y entra pues en contradicción pues el crescimiento económico de las economías ricas no es ecologicamente sostenible. Además, la propia palavra ‘sustentabilidad’ remite a la noción biologizante de ‘capacidad de sustentación’: ¿de qué territorio? ¿del planeta Tierra en general o de estados concretos? ¿de la especie humana solamente o de otras especies también? ¿Com qué niveles de consumo? Tales temas políticos de la ecología humana no deben ocultarse tras expresiones como ‘sustentabilidad’ o ‘capacidad de sustentación’.”

O Relatório Brundtland, ao argumentar que a pobreza é o grande responsável pela degradação ambiental, demonstra a fragilidade do seu arcabouço conceitual, na medida em que percebe-se a inexistência de qualquer reflexão sobre as relações historicamente estabelecidas entre a sociedade e natureza, bem como do processo de desenvolvimento capitalista mundial, que levaram a situação de pobreza e de dependência dos países subdesenvolvidos.

Na realidade, a pressão sobre o ambiente nos países subdesenvolvidos deriva bem menos da pressão demográfica e da pobreza, e bem mais de demandas externas de matéria-prima dos países ricos e de desigualdades internas, provocadas historicamente pelo desenvolvimento desigual do capitalismo no mundo e em cada país. Ou seja, a questão é menos de pressão da população sobre os recursos e mais de pressão da produção sobre esses recursos. Como afirma Alier (1995, p. 73): “As veces, como hemos visto, la presión sobre o ambiente no proviene de la presión demográfica, sino de demandas externas, o de desigualdades internas.”

8 Capacidade de suporte de um território concreto significa o máximo de população de uma espécie dada, que pode ser mantida de

maneira indefinida, sem que se produza uma degradação na base de recursos naturais que possa significar uma redução da população no futuro. (Alier, 1995, p. 74).

Outro aspecto que causa uma grande pressão sobre a base de recursos naturais do países subdesenvolvidos é o que Alier (1995) chama de “Intercâmbios ecologicamente desigual”, ou seja, os países pobres se vêem obrigados a produzirem e exportarem recursos minerais, agrícola e/ou florestais a preços cada vez menores e a custos ambientais e sociais cada vez maiores, muitas vezes com um tempo de reposição desses recursos muito grande ou impossível. Por outro lado importam produtos manufaturados e tecnologias de rápida produção, a preços cada vez maiores. Sobre essa questão Alier (1995, p. 176), argumentando a respeito de uma teoria de intercâmbio ecologicamente desigual, afirma que,

“hay muchos ejemplos que dan una nueva fuerza a la teoría del subdesarrollo como consecuencias de la dependencia que se expresa en intercambios desiguales, no sólo por la infravaloración de la fuerza de trabajo de los pobres del mundo, no sólo por el deterioro de la relación de intercambio en términos de precios, sino también por los diferentes “tiempos de producción’, intercambiados cuando se venden los ‘productos’ extraídos, de reposición larga o imposible, a cambio de productos de fabricación rápida.”

Em relação ao desenvolvimento sustentável, percebe-se que existe uma infinidade de conceituações. Sobre isso, Baroni (1997, p. 17), afirma que,

“...há autores que dizem o que desenvolvimento sustentável deveria ser, ou como gostaria que ele fosse; outros confundem desenvolvimento sustentável com sustentabilidade ecológica9 – que tem a ver somente com a capacidade dos recursos se reproduzirem ou não se esgotarem – outros reconhecem que deve haver limites para o crescimento econômico porque ele é insustentável do ponto de vista dos recursos; e outros substituem a idéia tradicional de desenvolvimento pela do desenvolvimento sustentável, onde a incorporação do adjetivo sustentável à idéia tradicional do desenvolvimento reconhece implicitamente que este não foi capaz de aumentar o bem-estar e reduzir a pobreza, como foi sua proposta.”

A idéia de desenvolvimento sustentável é intencionalmente construída de forma ambígua, trabalhando com conceitos imprecisos e vagos, com o intuito de permitir que pessoas e instituições com posições inconciliáveis no debate sobre meio ambiente e desenvolvimento não comprometam suas posições (Baroni, 1997).

Destaca-se também o forte componente ideológico que permeia a definição do conceito de desenvolvimento sustentável, verificada por fatos como a retirada do conceito de eqüidade social, a tentativa de ignorar as discussões em Cocoyoc, além da

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Sustentabilidade ecológica pode ser definido como a existência de condições ecológicas necessárias para dar suporte à vida humana num nível específico de bem-estar através de futuras gerações. (Lele 1991, citado em Baroni 1997, p. 19).

concepção que o desenvolvimento sustentável só poderia acontecer nos moldes capitalistas e que os países deveriam seguir o modelo estabelecido.

Essas posições colocam em cheque o conceito de desenvolvimento sustentável, na medida que entram em contradição com vários aspectos que são fundamentais para o delineamento de uma proposta de desenvolvimento realmente comprometido com a maioria da população e com o meio ambiente, aspectos esses ligados a autodeterminação dos povos, a real participação da sociedade nos processo decisórios e a adoção de técnicas desenvolvidas localmente.

O desenvolvimento sustentável não se resume à relação harmônica entre economia e ecologia, não sendo também uma questão puramente técnica. Trata-se antes de tudo, de um mecanismo de regulação de uso do território, sendo portanto um instrumento político. O desenvolvimento sustentável constitui a face territorial da nova forma de produzir, a versão contemporânea da teoria e dos modelos de desenvolvimento regional (Pereira 2000).

Uma proposta de desenvolvimento sustentável só pode ser entendida como viável e real quando as decisões de o que fazer e como fazer partam da sociedade como um todo, e não apenas de alguns setores detentores do poder econômico e político.

A concretização de um desenvolvimento realmente sustentável deve passar necessariamente por uma transformação da realidade, onde seja possível o estabelecimento de outras relações sociais de produção e o questionamento do padrão de consumo, num contexto de eqüidade e solidariedade, e com uma efetiva participação da sociedade.