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A experiência da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)

3.9 A experiência internacional

3.9.5 A experiência da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)

Mesmo não existindo mais a URSS, a apresentação da experiência deste Estado socialista na gestão dos recursos hídricos é importante para estabelecer uma referência de como um modo de produção socialista abordou as questões relativas de uso, distribuição e conservação da água.

29 Adaptado de Cunha et al. (1980).

Em 1970 foi aprovada a Lei Básica da Água, que procurava atender à diversidade dos problemas dos recursos hídricos num território muito vasto e diferenciado, garantindo a necessária unidade da legislação relativa a recursos hídricos.

A Lei Básica da Água estabeleceu os princípios gerais e fundamentais relativas a propriedade, gestão, utilização, conservação e controle de todos os recursos hídricos, designadamente de cursos de água, lagos, canais, aqüíferos, mares, glaciares e outras formas de recursos hídricos superficiais e subterrâneos.

Os princípios fundamentais estabelecidos na referida Lei foram os seguintes: a) Propriedade exclusiva do Estado sobre os recursos hídricos; b) Utilização racional e integrada dos recursos hídricos com prioridade para o abastecimento de água potável e para fins domésticos; c) Adoção da bacia hidrográfica como unidade básica de gestão dos recursos hídricos; d) Observação, inventário e controle permanentes dos recursos hídricos e inventário das suas formas de utilização; e) Proibição de entrada em funcionamento de instalações novas ou reconstruídas que não disponha dos meios adequados à prevenção da poluição das águas; f) Desenvolvimento de tecnologias tendentes à melhoria e conservação da qualidade das águas; g) Participação ativa das populações em todas as ações destinadas a assegurar a utilização racional e a conservação dos recursos hídricos.

A Lei Básica da Água estabelecia os princípios gerais relativos aos objetivos e formas de utilização da água, as bases para a concessão e revogação de direito de uso da água, e os processos e condições a que deve obedecer o consumo e a utilização da água, e define a necessidade de indenizações devidas por prejuízos ocasionados aos recursos hídricos ou pelo não cumprimento das regras aplicáveis á utilização da água.

A Lei abordava também aspectos relacionados aos recursos hídricos partilhados por duas ou mais Repúblicas da União Soviética ou pela URSS e outros países, e estabelecia regras para a resolução de eventuais conflitos.

Em relação aos tipos de usos da água, a Lei da Água da URSS, estabelecia a distinção entre utilizações gerais e utilizações especiais.

As utilizações gerais são aquelas que podem ser feitas sem a necessidade de equipamento especial ou dispositivos que afetem as características da água, ou seja, a captação individual, a natação, a dessedentação de animais ou a pesca desportiva. Esses

tipos de usos não necessitavam de autorização das entidades competentes, mas deveriam respeitar os regulamentos da República onde estavam situados.

As utilizações especiais são aquelas que requerem estruturas ou dispositivos que possam afetar as condições da água de forma a prejudicar outros(as) usuários(as). Esses tipos de usos precisavam de uma autorização prévia concedida pelas entidades competentes após apreciação caso a caso. Estas autorizações de uso de água podiam ser concedidas sem limite de tempo ou por prazo determinado. Neste último caso, os prazos poderiam chegar até 25 anos.

A Lei da Água estabelecia que, de maneira geral, a utilização da água é gratuita e que em apenas alguns casos especiais o Estado poderia cobrar taxas pelo uso da água.

A estrutura orgânica de gestão dos recursos hídricos na URSS estava organizado em três níveis, compreendendo: I - Órgãos de administração geral do Estado, ou seja, o Conselho de Ministros(as) da URSS; os Conselhos de Ministros(as) das Repúblicas Autônomas; os Comitês Executivos dos Sovietes territoriais, regionais, distritais, urbanos e rurais; e os departamentos responsáveis pelo planejamento, inventário e coordenação das atividades científicas. A estes organismos competia regulamentar globalmente a utilização e a conservação dos recursos hídricos no âmbito da economia nacional. II - Organismos de administração setorial do Estado diretamente relacionados com a água, ou seja, os Ministérios de Gestão dos Recursos Hídricos, da Saúde, da Geologia e a Inspeção Técnica Urbana e suas delegações regionais. Estes organismos seriam responsáveis pelo controle da utilização e conservação dos recursos hídricos e pela aplicação da respectiva legislação. III - Todos os ministérios e departamentos responsáveis pelos ramos da economia relacionados com a uso dos recursos hídricos.

A gestão das águas na URSS, realizada por esse conjunto de organismos baseava-se fundamentalmente no planejamento e na consideração da bacia hidrográfica como unidade básica de gestão. O planejamento se referia à totalidade do território, à região e à bacia hidrográfica e baseado no inventário e balanço das disponibilidades e necessidades de água.

Na estrutura apresentada cabia ao Ministério de gestão dos Recursos Hídricos a principal responsabilidade pela execução da política de gestão dos recursos hídricos.

A legislação previa ainda a elaboração de planos de bacia hidrográfica, de região e de território, os quais, através de sucessivos ajustamentos e compatibilizações,

conduziam à elaboração do Plano de Longo Prazo dos Recursos Hídricos. Estes planos eram ainda relacionados e compatibilizados com os planos nacionais anuais e qüinqüenais de desenvolvimento econômico e social.

Quadro 2 – Características dos sistemas de gestão dos países citados.

Países Iitens

França Alemanha Inglaterra EUA URSS

Sistema de governo

unitário federativo unitário federativo federação de repúblicas Unidade de

gestão de

recursos hídricos

bacia região (Lander) região hidrográfica

estados bacia

Gestão integrada ou setorial

integrada integrada integrada setorial integrada Órgão técnico responsável pela integração Agências de Águas - Autoridades Regionais - - Órgão colegiado com participação de usuários Comitês de Bacia Sindicatos Cooperativos

não não Organismos de

gestão ao nível da bacia hidrográfica Coordenação administrativa nacional Comitê Interministerial para o Meio Ambiente Conferência de Ministros Conselho Nacional de Águas - Conselho de Ministro da URSS Entidade nacional responsável pelo sistema de gestão Direção de Águas do Ministério do Meio Ambiente Ministério do Meio Ambiente Autoridade Nacional de Rios - Ministério de Gestão dos Recursos Hídricos Serviços de água potável e saneamento coletividades locais comunidades companhias privadas companhias privadas estatal Cobrança pelo uso da água

sim sim não sim apenas em casos

especiais Mercado de

direito de uso

não não não sim não

4 A CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA DE GESTÃO DA ÁGUA NO BRASIL

O início da institucionalização da gestão dos recursos hídricos no Brasil data de 1920, com a criação da Comissão de Estudos de Forças Hidráulicas, do Serviço Geológico e Mineralógico do Ministério da Agricultura. Em 1933, com a reformulação desse serviço, foi criada a Diretoria de Águas, posteriormente transformada no Serviço de Águas. No ano seguinte foi criado o Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) que incorporou o Serviço de Águas, bem como a edição do Código de Águas.

Em 1939 foi criado o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE) que tinha a função a realização de estudos das questões relativas à utilização dos recursos hídricos, bem como a regulamentação do Código de Águas.

O Serviço Geológico e Mineralógico, em 1940, foi transformado na Divisão de Geologia e Mineralogia, e o Serviço de Águas, na Divisão de Águas. Posteriormente, em 1961, o DNPM passou a integrar o Ministério das Minas e Energia. Também em 1961, a responsabilidade sobre a execução do Código de Águas, que de início era do Ministério da Agricultura, passou para o Ministério das Minas e Energia.

Em 1965, a Divisão de Águas do DNPM, foi transformada no Departamento Nacional de Águas e Energia (DNAE), cuja denominação foi alterada, em 1968, para Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE).

O CNAEE foi extinto através do Decreto Lei n.º 689, de 18/071969, tendo sido suas atribuições transferidas ao Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica.

Em 1976 é celebrado o Acordo do Ministério das Minas e Energia e o Governo do Estado de São Paulo, em 1976, que objetivou atingir melhores condições sanitárias nas bacias dos rios Tietê e Cubatão. Os bons resultados deste acordo motivou os Ministérios de Minas e Energia e o do Interior a criarem, por meio de Portaria Interministerial (29/03/78), o Comitê Especial de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas – CEEIBH, com os objetivos principais de classificação dos cursos de

água da União e o estudo integrado e o acompanhamento da utilização racional dos recursos hídricos das bacias hidrográficas dos rios federais no sentido de obter o aproveitamento múltiplo de cada rio e minimizar as conseqüências nocivas à ecologia regional. Esses comitês eram compostos pelos(as) titulares: da Secretaria Especial do Meio Ambiente –SEMA (criada em 1973, no âmbito do Ministério do Interior); do DNAEE; Departamento Nacional de Obras de Saneamento - DNOS (criado em 1940, para o planejamento do setor de saneamento); das Superintendência de Desenvolvimento Regional e das Secretarias Estaduais, indicadas pelos(as) respectivos(as) governadores(as).

A partir do CEEIBH, foram criados os Comitês Executivos de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas em diversos rios federais, entre eles podemos citar:

CEEIVASF, para o rio São Francisco; CEEIVAP, para rio Paraíba do Sul, e CEEIGRAN, para o rio Grande.

Essa iniciativa de constituir os comitês por bacia hidrográfica pode ser entendida como a primeira tentativa de implementar um processo de gestão sistêmica de bacias hidrográficas federais, entretanto a falha deste trabalho reside no fato de que não havia a participação da sociedade civil na composição desses comitês e que não possuíam atribuições deliberativas (Freitas, 2000).

Em 1979 foi sancionada a Lei n.º 6.662, de 25 de junho de 1979, que instituiu a Política Nacional de Irrigação. Como resultado desta lei, a outorga do uso de águas de domínio da União passou a ser competência de duas instituições: o Ministério do Interior, quando o uso das águas fosse para irrigação; e o DNAEE, para os demais usos. Em 1985 é criado o Ministério Extraordinário da Irrigação, com o Programa Nacional de Irrigação (PRONI) e o Programa de Irrigação do Nordeste (PROINE)

Em outubro de 1991, foi encaminhado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo o Projeto de Lei n.º 2.249, que estabelecia a proposta inicial sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos.

Em 1995, é criada a Secretaria de Recursos Hídricos, ligada ao Ministério Meio Ambiente, que passou a chamar-se de Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, pela medida provisória n.º 813, de 01 de janeiro de 1995, (mais tarde convertida na Lei n.º 9.649 de 27 de maio de 1998). Em 1996 é criada a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

Em 1997, é aprovada a Lei n.º 9.433, de 08 de janeiro de 1997, que estabelece a Política Nacional de Recursos Hídricos e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Em 2000 é sancionada a Lei n.º 9.984, de 17 de julho de 2000, que dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas (ANA), entidade federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e de coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.