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Na sociedade de mercado15 os agentes econômicos, sobretudo as empresas, evitam seus custos privados e podem transferi-los como custos sociais para a sociedade como um todo. Nestes termos, as empresas poluem o meio ambiente, através de suas

15 O mercado é o ponto de contato, onde se ajustam através dos preços, as ofertas e as demandas dos agentes econômicos. Na

economia de mercado o essencial é que todos os bens e serviços tenham um preço e que mediante o equilíbrio dos preços se resolvam os três problemas básicos da economia: O que produzir; Como produzir e Para quem produzir. (Hauwermeiren, 1998, p. 25).

emissões, sem se preocuparem com os custos a outros(as) agentes econômicos e desta forma a empresa tem benefícios privados e os custos são socializados, pois o meio ambiente é um bem comum de toda a sociedade.

A abordagem neoclássica entende que todos os problema da sociedade poderiam ser resolvidos via mercado, através de sistemas de preços. Quando isso não é possível, como no caso dos problemas ambientais, afirma-se que houve uma falha de mercado. A partir desta “falha”, gera-se uma deseconomia externa, custos externos ou como é mais conhecido, externalidades.

Sobre essa questão Altvater, (1995, p. 306), afirma que,

“os economistas neoclássicos e políticos conservadores ou liberais defenderão uma proteção ambiental atribuída ao mercado, conferindo assim à restrição sistêmica ecológica uma semântica que pode ser comunicada no discurso econômico dos agentes do mercado. As empresas deveriam ser obrigadas a internalizar os efeitos externos. Para tanto, estaria a disposição um conjunto de instrumentos: impostos e soluções negociadas até certificados com os quais poderiam ser adquiridos e comercializados “direitos de poluição”. Entretanto, nenhum instrumento pode ajudar, porque é impossível por princípio internalizar completamente os efeitos externos da produção e do consumo. E, mesmo que fosse possível, o gasto de sintropia e a produção de entropia internalizadas, e por isso levadas em conta nos cálculos de custos, não deixam de ocorrer pelo fato de não serem mais calculados como custos sociais, mas apenas como custos privados de unidades microeconômicas. Assim, a economização da ecologia é um empreendimento bastante difundido, mas muito duvidoso. Seu atrativo nos discursos modernos pode ser explicado pelo imperialismo da economia, ou seja, pelo predomínio da linguagem e da racionalidade do sistema econômico em vigor.”

Essas externalidades são geradas, segundo a abordagem neoclássica, porque o meio ambiente é um bem comum, sem definição clara dos direitos de propriedade, com isso não é possível utilizar o sistema de preço, via mercado, para regular sua utilização. Por consequência, os agentes econômicos não tem motivação econômica para internalizar os custos da degradação ambiental. Diante dessa situação os neoclássicos defendem os direitos de propriedades sobre os recursos naturais, ou então, a intervenção do Estado na criação de mecanismos econômicos que oriente a “internalização dessas externalidades”.

Nesse sentido é que surge o Princípio Poluidor(a) Pagador(a), definido pela OCDE, e defendido como um princípio para a gestão ambiental, o qual tenta introduzir um raciocínio econômico financeiro no tratamento da degradação ambiental. E tem como pressuposto básico a possibilidade de realizar a internalização das externalidades

a partir da valoração ambiental, ou seja, que toda degradação ambiental pode ser mensurada e receber um valor monetário, para que seja possível incluí-lo no cálculo financeiro dos agentes econômicos.

No entanto, devido a complexidade das relações ecossitêmicas, é preciso levar em consideração que as externalidades podem ser incertas, desconhecidas ou irreversíveis. E que as resoluções das questões ambientais não podem ser reduzidas a apenas uma escala única de valor, ou seja, a questão do uso, controle e conservação dos recursos hídricos tem que ser entendido num contexto de complexidade, e por isso deve ser utilizado uma relação entre as diversas escalas de valores possíveis de serem mensuradas, pois os recursos hídricos têm, sim, valor econômico, mas a pergunta é, porque tem que ser esse valor o principal ou mesmo o único a ser considerado?

As definições acerca da gestão dos recursos hídricos deve necessariamente levar em consideração a diversas escalas de valor que possam ser mensuradas, pois a água tem valor social, valor ecológico, valor econômico, valor cultural, etc.

Essa percepção, por consequência, leva a uma situação de analisar criticamente todos os aspectos de funcionamento da sociedade, pois a predominância de uma única escala de valor para equacionar os problemas sociais e ambientais, é o resultado da hegemonia ideológica do sistema capitalista sobre o pensamento da sociedade, tentando resumir tudo a uma relação econômica e transformar tudo em mercadorias, submetida a lógica do mercado.

As externalidades são concebidas como exceções, como uma coisa que acontece eventualmente e que supera a capacidade do mercado se auto-regular. Entretanto, o conceito de externalidade não é uma unanimidade e muitos(as) autores(as) fazem críticas em relação ao uso desse conceito para a discussão da degradação ambiental, Martins e Felicidade (2001, p. 27), afirmam que,

“autores marxistas, como Hunt (1989), afirmam que a concepção neoclássica de externalidades começa a se esvair quando é apresentado como uma exceção produzida pelo sistema econômico, ou seja, como um acontecimento excepcional que supera as capacidades de regulação do mercado. Na realidade, de acordo com o autor, as externalidades estão presentes na maioria das ações – sejam estas de produção ou de consumo – dos agentes econômicos e seus efeitos repercutem sobre o meio social do qual fazem parte”.

O conceito de externalidade vem sendo bastante utilizado para tentar justificar a valoração do meio ambiente, e essa lógica vem influenciando a formulação de políticas

de gestão ambiental. O conceito de externalidade também é utilizado na gestão dos recursos hídricos, principalmente no caso do princípio poluidor pagador e no caso da cobrança pelo uso da água.

A economia neoclássica parte do pressuposto que toda externalidade pode receber uma valoração monetária, tendo como objetivo estender a lógica da economia mais além do mercado, ou seja, suas proposições consiste em ampliar ecologicamente o mercado. Sobre isso, Hauwermeiren (1998, p. 163), afirma que é impossível traduzir a valores monetários atualizados os impactos ambientais, argumentando contra a possibilidade de uma internalização monetária convincente das externalidades:

“los agentes económicos, valoran de manera arbitraria los efectos irreversibles e inciertos de las acciones actuales sobre las generaciones futuras. Por lo tanto, (...) no se puede poner un límite a la produción desde el mercado que sea incontestable, porque no es posible conocer los ‘costos externos marginales’. La alternativa (...) es poner el límite a las emisiones o a la produccioón desde fuera de la economia, a partir de un debate científico- político de evaluación social”.

Na literatura que trata da questão da gestão dos recursos hídricos o conceito de externalidade é amplamente utilizado para justificar a cobrança pelo uso da água e do mercado de direito de uso de água. Muitas vezes o conceito de externalidade é utilizado sem a devida apreciação do seu conteúdo conceitual e ideológico, e outras vezes é utilizado exatamente por esse conteúdo.

Na realidade, o discurso da necessidade de “internalizar as externalidade” é utilizado para encobrir uma tentativa de ampliar ecologicamente o mercado, numa perspectiva de apropriação privada dos recursos naturais – a partir do discurso da necessidade de definição de direitos de propriedade, com a argumentação que o agente gerador da externalidade arque com os custos da sociais produzidos - e de submissão à lógica do mercado, onde o uso, controle e conservação dos recursos hídricos seriam reguladas através do sistema de preços.

Argumenta-se que com essa “internalização” os recursos hídricos seriam utilizados mais “racionalmente”, na medida que estaria sendo utilizada uma racionalidade econômica. Porém, não seria essa racionalidade econômica - baseada na maximização da exploração dos recursos naturais e do trabalho - que predominou até hoje, a responsável pela situação de crise ambiental que o mundo passa atualmente?

Outro problema facilmente identificado nessa abordagem que propõe a “internalização das externalidades” é a total ausência da compreensão dos processos históricos e naturais e uma abstração territorial, na medida em que a sociedade e a natureza são vistas dissociadas, e esta última só é considerada quando passa a impor limites a atividade econômica. Em oposição a essa abordagem, Martins e Felicidade (2001, p. 27), afirma que é necessário entender que,

“os processos ecológicos são componentes do território e interagem com processos econômicos e culturais na determinação das formas sociais de significação e apropriação da natureza. As interações complexas entre esses processo sociais e ecológicos afetam a evolução e a sucessão dos ecossistemas, suas condições de estabilidade, resistência e produtividade, bem como seus processo de desestabilização, degradação e destruição.”

Outra questão que merece destaque é o fato da valoração dessas externalidades ser feita de forma arbitrária, levando em conta apenas uma escala de valor, e sem considerar que os efeitos dessas externalidades podem ser incertos, desconhecidos ou irreversíveis.