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3.2 Os instrumentos de gestão

3.2.3 Outorga de direito de uso dos recursos hídricos

A questão da outorga de uso de recursos hídricos já era prevista no Código das Águas de 1934, não com essa denominação, mas o referido Código estabelecia claramente a necessidade de uma autorização para a derivação das águas públicas. Todavia, a outorga do direito de uso da água só começa a ser efetivada após a promulgação das legislações de recursos hídricos estaduais e da Lei Federal nº 9.433/97.

O Artigo 43, do Código de Águas, estabelece que:

“As águas públicas não podem ser derivadas para as aplicações da agricultura, da indústria e da higiene, sem a existência de concessão administrativa, no caso de utilidade pública e, não se verificando, de autorização administrativa, que será dispensada, todavia, na hipótese de derivações insignificantes.”

A Constituição de 1988, tornou todas as águas públicas, ou seja, água é um bem público. Por isso, para um(a) usuário(a) utilizar uma determinada quantidade de água é necessário solicitar uma autorização de uso ao órgão gestor, ou seja, a instituição pública responsável pela gestão dos recursos hídricos.

O artigo 11 da Lei 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, afirma que: “O regime de outorga de direito de uso de recursos hídricos tem como objetivos assegurara o controle quantitativo e qualitativo dos usos de água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água”. (Brasil, 1997).

Setti (2000, p. 180), argumentando acerca da outorga que,

“essa norma geral é vinculante para a ação governamental federal e estadual na outorga de direito de uso. Os Governos não podem conceder ou autorizar usos que agridam a qualidade e a quantidade das águas, assim como não podem agir sem equidade ao darem acesso a água.”

“I – derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público ou insumo produtivo; II – extração de água de aqüíferos subterrâneos para consumo final de processo produtivo; III – lançamento em corpo de água de esgoto e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de diluição, transporte ou disposição final; IV – aproveitamento dos potenciais hidrelétricos; V – outros usos que alterem o regime, quantidade ou a qualidade de água existente em um corpo de água.” (Brasil, 1997).

A outorga é um ato administrativo condicionada a critérios definidos na Lei 9.433/97, não podendo o órgão outorgante colocar outros interesses que não constem na referia Lei. A publicidade do procedimento da outorga é fundamental para que o processo tenha visibilidade e legitimidade junto aos(as) usuários(as) de água e a sociedade em geral, para que o interesse geral pela boa gestão da água seja atingido.

Ainda no artigo 12, parágrafo primeiro, da Lei Nº 9.433/97, estabelece que independem de outorga os seguintes usos:

I – o uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural; II – as derivações, captações e lançamentos considerados insignificantes; III – as acumulações de volumes de água consideradas insignificantes.

Será necessário regulamentar os critérios para quantificar e definir o que são, ou qual o limite para esses “pequenos núcleos populacionais”, bem como qual o parâmetro para dizer que um uso é “insignificante”, o que tem que levar necessariamente em consideração a diferença de vazão dos corpos de água e as peculiaridades de cada bacia hidrográfica.

No Artigo 18, da Lei Nº 9.433/97, diz que “A Outorga não implica a alienação parcial das águas que são inalienáveis, mas o simples direito de seu uso”. Entretanto a referida lei é omissa em relação a possibilidade de transferências das outorgas entre terceiros(as). Essa questão ficou para ser definida na regulamentação da lei. Essa omissão da lei não foi por acaso, existem interesses de grupos nacionais e multinacionais na possibilidade de transferência das outorgas, o que seria a base para a implantação de um “mercado dos direitos de uso da água”.

A legislação brasileira deixa claro que a água é um bem público inalienável, e esse preceito torna ilegal a compra e venda (alienação) da água propriamente dita, pelo Estado e entre os(as) usuários(as). Legalmente a água não poderia ser submetida a lógica privada do mercado, pois é um bem público.

Entretanto, há interesses de determinados grupos econômicos na transferibilidade das outorgas, pois vislumbram a possibilidade de implantar o “mercado de direitos de usos da água”, no lugar do “mercado de água”. Dessa forma a mercantilização não recairia diretamente sobre a água, mas indiretamente a partir da mercantilização dos direitos de usos. Nessa situação a mercadoria legalmente não seria a água, seria a outorga, o que acaba dando no mesmo, na medida em que as questões de uso, controle e conservação das águas estariam vinculadas ao interesse privado de lucratividade, estando sua alocação sujeita apenas ao critério econômico de oferta e demanda, cujo movimento seria definido pela sinalização dos preços.

Para que a outorga não se transforme num mecanismo de mercantilização da água, é necessário garantir nas legislações estaduais e na federal, que ela seja um instrumento de autorização de uso de água pessoal e intransferível.

Não obstante, a outorga é um instrumento de gestão muito importante, pois permite o controle detalhado dos usos existentes num determinado sistema hídrico, com isso pode-se definir a demanda real e realizar o balanço hídrico entre a oferta e a demanda existente, servindo também como informação fundamental para o planejamento dos recursos hídricos.

Dada a importância da outorga como um instrumento de gestão de recursos hídricos, é necessário a transparência dos procedimentos de análise e liberação das outorgas, tornando pública essas informações, garantindo assim a visibilidade e a legitimidade junto aos(as) usuários(as) de água e a sociedade em geral, bem como a participação e o acompanhamento dos comitês das respectivas bacias hidrográficas.