• Nenhum resultado encontrado

MARXISMO

3.5 A FENOMENOLOGIA

Nesse desespero, a existência é tudo o que falta ao homem, tudo o que ele tem de ser. O ser humano, diz Heidegger, só pode definir-se a partir de seu existir, isto é, de sua possibilidade de ser ou não ser o que ele é; a existência autêntica do homem não é um fato, mas uma inquietude de ser. Heidegger, segundo Garaudy (1965), descreve esta existência humana em três momentos:

 A derrelição – O homem emerge do nada. Acha-se jogado no meio de suas possibilidades. Seu surgimento é sem razão, radicalmente contingente, absurdo.

 O projeto – O homem se lança em direção ao possível. Mas é lançar-se no vazio, em direção ao que ainda não é, pois que o homem está cercado pelo nada. Nosso futuro inscreve-se no nada. Por nossos projetos, o mundo adquire um sentido – graças ao homem, que carece de sentido.

 A queda – Este impulso, que não é dirigido nem sustentado por nada, perde-se a cada instante, e vem o abandono da existência autêntica, a queda no cotidiano, no habitual, no estabelecido. O homem converte-se numa coisa entre as coisas.

Sendo assim, para Heidegger, tudo o que é social, impessoal, e que, por conseguinte, afasta o homem de sua existência autêntica, oferece-nos um ser acabado que priva a nossa vida de seu sentido pessoal. Aqui o homem não é senão o que é preciso que seja em função de sua profissão, de seu papel social, etc. e para escapar a esta degradação, o homem deve dirigir-se para todos os possíveis, sem nenhuma exceção, inclusive a possibilidade da impossibilidade da existência. De modo que essa existência, que vai dar no nada e que só tem sentido por causa dele, é fundamentalmente, como dito anteriormente, uma existência para a morte. A morte, para Heidegger, é o que abre o horizonte infinito dos possíveis, o que lhe permite arrancar-se à realidade acabada, e o sentido da vida consiste então, em fazer de sua morte a obra mais pessoal (GARAUDY, 1965).

existencialismo, mas que, de qualquer modo, age em todas elas sob a forma de um conceito-base: o caráter intencional da consciência (ABBAGNANO, 1993).

O ponto de vista de Husserl é de crítica ao objetivismo, uma crítica da concepção positivista e pragmática da ciência, que recoloca em questão, simultaneamente, o materialismo mecanicista e o idealismo transcendental.

Para afastar a interpretação cética, agnóstica e, afinal, irracionalista, Husserl ressalta que falar de crise não é absolutamente pôr em dúvida a eficácia, o poder e o valor da verdade e o futuro das ciências, que jamais alcançaram êxitos maiores que no começo do século XX. Trata-se, ao contrário, de entrar em luta contra o ceticismo que poderia nascer, não das ciências, mas de uma concepção da ciência, a do positivismo, que a priva de sua significação humana. Husserl luta, portanto, contra o ceticismo, mostrando a significação humana do pensamento científico, buscando fundar a ciência pela tomada de consciência do sentido primordial do procedimento científico (GARAUDY, 1965).

Sendo assim, os princípios, até então os mais bem estabelecidos, apareciam como simples hábitos técnicos, como pré-juízos, segundo Husserl, e isto exigia que se refletisse simultaneamente sobre a significação da realidade do mundo e da realidade da imagem conceitual que dele formamos; numa palavra, que se refletisse sobre a significação da verdade. As noções, segundo Husserl, não podem ser consideradas como coisas, como realidades eternamente válidas, a pretexto de que corresponderiam a estruturas definitivas do real, a essências: só adquirem seu sentido pelo movimento que as produziu, pelo retorno às exigências práticas, vividas, que nos levaram a criá-las. O mérito de Husserl foi o de ter contribuído para definir a verdade como movimento, como revisão e superação, afirmando que a verdade não é um objeto, mas uma dialética prática (GARAUDY, 1965).

Desta exigência das ciências num momento crítico de seu desenvolvimento, no início do século, Husserl fez o ponto de partida de uma concepção nova da filosofia e do humanismo. Desta forma, a fenomenologia de Husserl nasceu da conjunção desse momento crítico do desenvolvimento das ciências, que repunha em causa as verdades mais bem estabelecidas, e desse momento crítico da história humana em que o homem se vê levado a repor em

causa os valores mais bem estabelecidos, e a por diante de si o problema fundamental do sentido da própria existência e do sentido da história que ele está a viver. Para Garaudy (1965), um acontecimento desconcertante pôs na ordem do dia esta discussão sobre a significação da verdade científica e do sentido da história. O desenvolvimento das ciências, como a história mesma, mostraram que, no primeiro quarto do século, não se podia, nem nas ciências nem na vida, fazer abstração da presença do homem, no mais forte sentido: a responsabilidade pessoal do homem na elaboração da concepção científica do mundo, assim como na continuação da história. Desde o primeiro parágrafo de sua Crise das ciências européias, Husserl mostrou o alcance de sua crítica, afirmando que a crise das ciências seria a expressão da crise radical do humanismo europeu. Embora sua crítica não tenha permitido resolver tal crise, Husserl teve o mérito de pôr o problema fundamental ao qual deve responder toda filosofia contemporânea: a redução positivista da ciência a uma simples série de fatos subtrai à ciência sua significação humana, porque exclui o problema do sentido e do valor de nossa existência (GARAUDY, 1965).

Em psicologia o conhecimento já é uma ação; não posso estudar-me e definir-me sem modificar-me, sem comprometer meu futuro, mesmo que seja para esquivar minha responsabilidade. Em outros termos, nas ciências humanas, a relação da consciência com seu objeto não é a de duas realidades exteriores uma à outra, e independentes uma da outra. A lei geral de toda observação é esta: o conhecimento não deixa intacto seu objeto; ele não é um fato, mas um ato (GARAUDY, 1965).

A idéia nova introduzida por Husserl na filosofia contemporânea é a da intencionalidade, como sendo o fato de ter consciência de alguma coisa percebendo, pensando, sentindo, querendo, etc. Já de acordo com Lévinas, a intencionalidade é essencialmente o ato de emprestar um sentido. Consciência para Husserl, implica iniciativa, isto é, liberdade, ou melhor, transcendência.

Não se trata de uma transcendência nua e de uma liberdade vazia, a consciência dá sentido às coisas, reunindo-as sob um mesmo olhar, percebendo-as não em seu isolamento, mas em seu conjunto. A consciência é, portanto, totalidade, ou antes, totalização (GARAUDY, 1965).

Desta feita, a consciência, para Husserl, só pode ser um todo, uma totalização. O que se lhe aparece, o que para ela tem um sentido, é igualmente

um todo, sendo irredutível a seus elementos. O todo é algo mais que a adição das partes que o constituem (GARAUDY, 1965).

Contudo, Husserl consente em afirmar a existência do ser, sob a condição de entender por isto apenas o que tem um sentido para mim; o que não tem sentido para mim não existe, ou pelo menos, não é do domínio da filosofia. Dessa forma, Husserl condena-se a uma tarefa impossível: descobrir a transcendência no interior da imanência, encerrando-se num paradoxo insolúvel, posto que, sonha com um conhecimento absoluto da objetividade, mas para ser absoluto, esse conhecimento deve constituir-se integralmente por operações do sujeito – e, para ser objetivo, deve revelar- se uma realidade que transcenda a subjetividade (GARAUDY, 1965).

Diante desta postura, Husserl adota uma atitude insustentável, pois, o que caracteriza o fenomenólogo é a capacidade de apreender a presença do objeto como uma operação da subjetividade. O mesmo descobriu uma variante nova do idealismo: ao introduzir, com a intencionalidade, a importância da significação, ao fazer do sentido, o vínculo entre o sujeito e o objeto, permitiu conceber uma forma de idealismo na qual o sujeito não se acha encerrado em seus próprios estados, mas inclinado para um mundo que toma seu sentido graças a ele (GARAUDY, 1965).

Outra debilidade de Husserl é a de que sua fenomenologia é atemporal, exterior à história, fazendo abstração de todo elemento social e histórico. De acordo com Garaudy (1965), a consciência cuja análise a fenomenologia fornece, não se acha de maneira alguma imersa na realidade nem comprometida pela história.

Mas a despeito das contradições internas da doutrina de Husserl, esta obra tem uma importância capital, por duas razões essenciais. Em primeiro lugar, porque introduz, no pensamento filosófico, temas novos ou renovados, dos quais nenhuma filosofia contemporânea pode esquivar-se. Em segundo lugar, porque o problema de Husserl, o de fundar ao mesmo tempo o valor da ciência e a responsabilidade do homem, é o problema filosófico capital de nossa época. Com isso, Husserl exerceu uma forte influência sobre a filosofia francesa contemporânea, sendo que se nos determos no primeiro momento de seu pensamento, o momento crítico, é possível localizar sua influência sobre a constituição do existencialismo ateu (GARAUDY, 1965).

Sendo assim, a partir do desafio husserliano, desenvolver-se-á, na França o existencialismo ateu, que viverá da contradição entre a liberdade do homem e as exigências cada vez mais imperiosas de uma história que deve ser ao mesmo tempo necessária para ser inteligível e contingente para continuar a ser humana (GARAUDY, 1965).

O ponto de partida da filosofia de Sartre encontra-se em dois artigos nos quais ele se situa em relação a Husserl; o primeiro escrito em 1937, intitula-se A Transcendência do Ego, e o segundo, escrito em 1939, chama-se Uma idéia fundamental da fenomenologia de Husserl: a intencionalidade. Nestes artigos, a preocupação central de Sartre é a de escapar ao mesmo tempo ao materialismo e ao idealismo (GARAUDY, 1965).

Para Sartre, a descoberta essencial de Husserl é a transcendência da consciência; a consciência não pode ser rebaixada e exibida ao nível do fato;

ela é existência, isto é, ao mesmo tempo realidade e valor, natureza e transcendência. Desenvolvendo este tema fundamental, Sartre faz a concepção de Husserl sofrer uma transformação que decorre da crítica precedente (GARAUDY, 1965):

 Para lá da intencionalidade, insiste sobre a transcendência, que é seu fundamento ontológico.

 A intencionalidade é intimamente ligada por Sartre à negatividade, consistindo, essencialmente, na iniciativa que permite ao homem tomar distância em relação ao mundo e em relação a seu passado.

 Esta concepção vai sofrer uma lenta evolução: no início, sob a influência de Kierkegaard, a negatividade é essencialmente a da angústia; em seguida, sob a influência crescente de Hegel e, depois de Marx, a negatividade será de preferência a do trabalho e da luta.

Para Sartre, toda intenção implica numa escolha que o sujeito faz de si mesmo, uma escolha não refletida, mas vivida. As minhas escolhas cotidianas exprimem uma escolha original que inspira todos os pormenores de meu comportamento; a escolha de minha atitude fundamental diante do mundo.

Sartre esforça-se por isolar, em O Ser o Nada, este projeto fundamental, por meio da psicanálise existencial (GARAUDY, 1965).

De acordo com Abbagnano (1993), a ontologia da consciência, entendida como ser no mundo é o fim nítido da principal obra de Sartre, O Ser

e o Nada. Neste texto, Sartre define a consciência como consciência de qualquer coisa e de qualquer coisa que não é consciência, e chama a este qualquer coisa de ser em si. O ser em si só pode descrever-se analiticamente como o ser que é aquilo que é, expressão que torna clara a sua opacidade. O seu caráter maciço e estático devido ao qual não é nem possível nem necessário, é pura positividade, ésimplesmente.

Já Garaudy (1965) sustenta que Sartre quer em seu livro O Ser e o Nada, graças à fenomenologia, superar a alternativa entre materialismo e idealismo. O autor afirma que, após haver expulsado as coisas da consciência e definido a consciência exclusivamente por sua relação ao ser, como um vazio total – pois que o mundo inteiro acha-se fora dela, Sartre espera ter escapado ao agnosticismo e ao idealismo. A idéia de que o ser é irredutível ao conhecimento é uma tese fundamental do existencialismo. Para Sartre, continua, a consciência é totalmente responsável por seu ser, e o filósofo, com isto, quer salvaguardar nossa responsabilidade, afirmando que não somos nada, temos de fazer-nos.

Garaudy (1965) destaca que em O Ser e o Nada, Sartre critica constantemente Hegel do ponto de vista de Kierkegaard, censurando-o por não ter valorizado o momento da subjetividade, o da consciência e o da liberdade, mas uma atenção excessiva à subjetividade o conduz a privar com freqüência o homem de sua dimensão histórica, social, e inclusive natural, e a destiná-lo a um desespero sem saída. O autor cita o próprio Sartre para demonstrar sua postura:

A realidade humana é sofredora em seu ser, porque vem ao ser como perpetuamente obsedada por uma totalidade que ela é sem poder sê-la, visto que justamente não poderia atingir o em-si sem perder-se como para-si. É portanto, por natureza, consciência infeliz, sem superação possível do estado de infelicidade. (Sartre apud Garaudy, 1965, p. 87)

Sartre, com tal postura reprova o otimismo de Hegel, tanto o seu otimismo epistemológico, que antecipa a respeito de um conhecimento total e admite a coincidência do ser e do conhecimento, quanto o seu otimismo ontológico, em que afirma que a pluralidade pode e deve superar-se em direção à totalidade. Garaudy (1965) conclui que, entre esse canto de vitória

prematuro e essa recusa sem esperança de toda perspectiva de vitória estende-se o campo de uma batalha a travar que não está nem previamente ganha, como nos promete Hegel, nem previamente perdida como nos assegura Sartre: é a batalha da liberdade e da história.