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MARXISMO

3.13 MORAL E POLÍTICA EM SARTRE

como dizia Sartre em O Ser e o Nada, trata-se do poder de cumprir tal ou qual ato social e de atingir tal ou qual objetivo histórico, e não mais de autonomia da escolha, visto que a liberdade neste último sentido não depende das circunstâncias e que, por conseguinte, não posso ajudar os outros em nada para adquiri-la ou perdê-la. Garaudy (1965) cita o próprio Sartre no texto referido, para demonstrar sua concepção de liberdade:

O respeito à liberdade de outrem é uma palavra vã: ainda que possamos projetar respeitar esta liberdade, cada atitude que tomássemos em face do outro seria uma violação desta liberdade que pretendíamos respeitar... Realizar a tolerância em torno de outrem é fazer com que outrem seja lançado à força num mundo tolerante.É tirar-lhe por princípio suas livres possibilidades de resistência corajosa, de perseverança, de afirmação de si que teria tido a ocasião de desenvolver num mundo de intolerância (Sartre apud Garaudy, 1965, p. 95).

Sartre faz com esta afirmação, da realidade histórica da sociedade individualista na qual vivemos, uma realidade ontológica, sendo inconcebível a especificidade do social e do histórico. As relações sociais, por seu turno, reduzem-se a uma multiplicação de relações pessoais, e não têm um caráter histórico, mas metafísico (GARAUDY, 1965).

estruturada que de ordinário. Mas, diz Garaudy (1965) o filósofo assim conclui em relação à definição de classe oprimida:

[...] a classe oprimida encontra sua unidade apenas no olhar do terceiro. Não é de modo algum a rudeza do trabalho, a inferioridade do nível de vida ou os sofrimentos suportados que constituirão a coletividade oprimida em classe. Pelo contrário, o senhor feudal, o burguês ou o capitalista, aparecem não somente como poderosos que comandam, mas, ainda antes de tudo, como os terceiros, isto é, aqueles que se encontram fora da comunidade oprimida, e para quem esta comunidade existe. É portanto para eles e em sua liberdade que a realidade da classe oprimida vai existir. Fazem-na nascer por seu olhar (Sartre apud Garaudy, 1965, p.103).

Sendo assim, Garaudy (1965) sustenta que a definição de classe sartreana é subtraída da história: não se trata mais de relações particulares, criadas por um regime social determinado, mas de relações atemporais entre o poderoso que comanda e aquele ao qual oprime; e esta definição é válida uniformemente para as relações de senhor e escravo, e de capitalista e proletário, o que configura, de acordo com o autor, uma compreensão metafísica das classes sociais.

Para Garaudy (1965), Sartre tinha a preocupação de mostrar que o homem não poderia reduzir-se a um objeto, e que, em conseqüência, nenhum estado de coisas, seja qual for – estrutura política, e econômica da sociedade, o estado psicológico, etc. – é capaz de motivar por si mesmo um ato qualquer.

Como dito anteriormente, tal postura coincide com a interpretação de Lênin em Que Fazer? quando afirma não poder a consciência revolucionária espontaneamente surgir apenas da situação da classe operária. Sartre, então, insiste na importância do projeto, afirmando que só quando o operário fizer o projeto de transformar a sua situação é que ela lhe parecerá intolerável. Mas Garaudy (1965) coloca o problema sobre a origem do projeto, e sobre como esse projeto pode ser o de uma classe.

O autor destaca que ao responder estas questões, Sartre modificou suas posições iniciais, e diz que no estudo dos fenômenos humanos, o mesmo privilegiou a interpretação pelo subjetivo, como reação contra os que, preocupados em começar pelo objetivo, acabaram por retirar toda iniciativa à consciência. Mais tarde, Sartre notou que, após a guerra, novas tensões apareceram em sua filosofia e, com sua preocupação de oferecer uma imagem

completa da condição humana, viu-se levado, pelo desenvolvimento mesmo da luta de classes, a dar uma definição histórica de nossa condição. Esta evolução manifesta-se em sua análise da noção de classe social, em que afirma que a unidade de classe não pode ser nem passivamente recebida, nem espontaneamente produzida.

Garaudy (1965) continua afirmando que a primeira parte desta tese retoma as idéias já desenvolvidas em O Ser e o Nada,em que sustenta que a unidade dos trabalhadores não pode criar-se mecanicamente pela identidade dos interesses e das condições. À sua demonstração primitiva sobre a necessidade da superação da situação pelo projeto, Sartre acrescentou dois argumentos novos:

 Se nos contentamos em definir a classe social por fatores externos, dando a todos os membros desta classe uma mesma natureza definida pelo papel que desempenham na produção, esta identidade de natureza e de função fará do conjunto dos operários uma simples adição de indivíduos idênticos sob uma mesma relação, fará deles uma coleção, e não uma totalidade orgânica, viva.

 Para escapar a esta concepção de uma unidade passiva, é preciso definir o fato de pertencer à classe por uma participação consciente e voluntária, e o proletariado faz-se a si mesmo por sua ação cotidiana; o operário faz-se proletário na medida em que recusa seu estado.

Em seguida, diz Garaudy (1965), Sartre mostra que a unidade dos trabalhadores não se produz espontaneamente. A espontaneidade dos operários tomados um por um, não pode conduzir à unidade da classe por duas razões, afirma Sartre. Em primeiro lugar, porque, em virtude da concorrência constante entre operários imposta pelo regime capitalista, a unidade da classe seria quebrada a cada instante; em seguida, continua o autor, porque, como demonstrou Marx, sendo as idéias dominantes as idéias da classe dominante, o que é espontâneo é o livre consentimento à opressão.

A experiência prova que, conclui Sartre, quando um operário se afasta da organização unitária e consciente de sua classe, recai no campo de atração da ideologia burguesa (GARAUDY, 1965). Após esta afirmação, Sartre subscreve uma conclusão fundamental de Marx e de Lênin, de que o proletariado só pode agir como classe constituindo-se em partido político distinto.

Mas, pergunta-se Garaudy (1965), qual seria então, para Sartre, o princípio de unidade que funda a existência e a legitimidade deste partido, já que o mesmo não admite, como o fazem Marx e Lênin, a fusão do movimento operário e do conhecimento científico, permitindo a passagem da classe em-si à classe para-si. Negando-se a reconhecer o valor de uma ciência do desenvolvimento histórico, Sartre, diz o autor, busca em sua ontologia esse princípio de unidade.

Contudo, em 1954, Sartre aprofunda sua análise da consciência operária, investigando as condições históricas do desenvolvimento do movimento operário na França, e tais investigações testemunham sua evolução filosófica: a especificidade do histórico e do social impôs-se a Sartre, sendo possível percebe-la a partir do sentido que o mesmo dá à negatividade, diferente daquele presente em O Ser e o Nada, como demonstra Garaudy (1965):

Rejeitar não é dizer não; é modificar pelo trabalho. Não há que crer que o revolucionário rejeite em bloco a sociedade capitalista: como poderia faze-lo, se se acha dentro dela? Muito ao contrário, aceita-a como um fato que justifica sua ação revolucionária. Transforma o mundo, diz Marx. Transforma a vida, diz Rimbaud. Em boa hora:

transforma-os se podes. Isso quer dizer que aceitarás muitas coisas para modificar algumas delas. No seio da ação, a rejeição reconhece sua verdadeira natureza: é o momento abstrato da negatividade (Sartre apud Garaudy, 1965, p.106).

Garaudy (1965) destaca que Beauvoir sublinhou em artigo escrito sobre as idéias de Sartre, que este, através do desenvolvimento de sua obra, insistiu cada vez mais no caráter comprometido da liberdade, na facticidade do mundo, na encarnação da consciência, na continuidade do tempo vivido. A filósofa também admitiu, contudo, que a conciliação da ontologia e da fenomenologia de Sartre suscita dificuldades.