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MARXISMO

3.8 JEAN-PAUL SARTRE

fissura ontológica, nosso poder absoluto de escolha, nossa responsabilidade total (GARAUDY, 1965).

Desse ponto de vista, o momento supremo do homem, o da liberdade, não é plenitude e realização, mas, ao contrário, indica uma carência, uma ausência, um oco no ser; o nada se converte no personagem central do drama da existência e a realidade humana é uma privação de ser (GARAUDY, 1965).

Diante deste quadro, Lukács (1967) afirma que toda concepção e mesmo toda categoria ótica encerra – conscientemente ou não – uma certa visão da sociedade e de sua evolução e esta visão pode, sem dúvida, negar toda evolução.

Do ponto de vista do autor, a crise na qual se debate o existencialismo manifesta-se pelas divergências cada vez mais graves que separam os primeiros princípios desta corrente, provenientes, socialmente, da situação de certa classe de intelectuais do estágio do imperialismo, e que provêm, do ponto de vista teórico, de Kierkegaard, de Husserl e de Heidegger, de problemas e de concepções novas que lhe impôs a época histórica consecutiva à Libertação. É neste contexto, portanto, que Sartre, nos termos de Garaudy (1965), renovou, aprofundou e sistematizou o existencialismo na França.

relaciona com o ser no mundo. Desde as suas primeiras obras, Sartre não foi um fenomenólogo, mas um existencialista, afirma Abbagnano (1993).

Jean Paul Sartre publicou, em 1943, um volumoso ensaio filosófico intitulado O Ser e o Nada, obra fundamental da teoria existencialista. Em 1945, Sartre escreveu uma peça teatral, Entre Quatro Paredes, pondo em cena personagens que viviam os dramas existenciais abordados por ele nas obras teóricas. O autor escreveu também romances como A Idade da Razãoe Com a Morte na Alma, nos quais também utilizou os dramas existenciais em suas histórias (CHAUÍ, 1978).

Em 1946, diante das críticas à sua filosofia existencialista exposta em O Ser e o Nada, Sartre publicou O Existencialismo é um Humanismo21, onde mostrou o significado ético do existencialismo. No plano da ação política, essa época marcou a aproximação de Sartre com o Partido Comunista. Porém, em 1956, em decorrência da intervenção soviética na Hungria, Sartre rompeu com o partido, e escreveu um artigo, O Fantasma de Stálin, no qual expôs o que para ele significavam os desvios do espírito do marxismo por parte das autoridades soviéticas (CHAUÍ, 1978).

Um dos intelectuais que acompanhou Sartre nesta decisão de apoiar, mas não aderir ao PCF, foi Merleau-Ponty. Segundo Aron (s/d), o mesmo nomeou sua própria posição de expectativa marxista. No plano político esta expectativa não implicava em adesão nem ao campo soviético, nem ao campo americano, nem mesmo ao terceiro partido; tendia a favorecer, na França e no mundo, a não-guerra entre comunistas e anticomunistas.

Tais hesitações, meias-adesões e meias-rupturas destes pensadores, ocorreram porque eles se viram impedidos, por suas idéias e pelo rebaixamento da França, de se resignarem com a democracia burguesa, bem como se viram rechaçados pelo despotismo ideológico do comunismo, buscando assim, a “pátria de seus sonhos” num comunismo que fosse diferente daquele da União Soviética na época de Stálin. Esses intelectuais sem pátria que não aderiam a nenhum dos dois campos da Guerra Fria, dissertavam incansavelmente a respeito do matiz exato de sua abstenção.

21De acordo com Ferreira (1978), O Existencialismo é um Humanismoveio a público primeiramente na forma de conferência, sendo repetida depois em privado para que os adversários expusessem suas objeções, sendo posteriormente publicado na forma de artigo.

Aron (s/d) conclui sobre esta postura afirmando que, quem se associa ao Partido sem adesão, coopera com a ação sem subscrever o pensamento.

Nos anos seguintes, Sartre continuaria sendo um homem de ação e de pensamento e em 1960, publicou um extenso trabalho intitulado A Crítica da Razão Dialética, precedido pelo ensaio Questão de Método, nos quais se encontram reflexões no sentido de unir o existencialismo e o marxismo (CHAUÍ, 1978).

Como dito anteriormente, a obra na qual se encontra a filosofia existencialista de Sartre é O ser e o Nada. Nesta obra subintitulada ensaio de ontologia fenomenológica, Sartre definiu desde o início qual seria a perspectiva metodológica adotada por ele. A abordagem proposta por Sartre pretende não seguir as metafísicas tradicionais, que, segundo ele, sempre contrastavam ser e aparência, essências subjacentes à realidade e aos fenômenos, o que estaria atrás das coisas e as próprias coisas, como suas manifestações. Segundo Sartre, a ontologia fenomenológica superaria essa dualidade pela descrição do ser como aquilo que se dá imediatamente, ou seja, não propondo explicar a experiência humana por referência a uma realidade extra-fenomenal. Sendo assim, para Sartre, o dualismo de ser e parecer não teria mais “direito de cidadania” na filosofia, sendo o ser de um existente qualquer, precisamente aquilo que parece, e não existiria outra realidade fora do fenômeno. Isto não quer dizer que o fenômeno, segundo Sartre, não seja verdadeiramente um ser.

Para ele, o ser do fenômeno é posto pela própria consciência e esta tem como caráter essencial, a intencionalidade. Em outros termos, a consciência visa a um objeto transcendente, implicando, portanto, a existência de um ser não-consciente. Poder-se-ia, então, concluir que, de acordo com Sartre, existem dois tipos de ser: o ser-para-si (consciência) e o ser-em-si (fenômeno) (CHAUÍ, 1978).

Em relação ao ser-em-si, somente se pode dizer que, segundo Sartre, ele é aquilo que é. Isso significa que o ser-em-si é opaco para si mesmo, nem ativo nem passivo, sem qualquer relação fora de si, não derivado de nada, nem de outro ser: o ser-em-si simplesmente é. Segundo o filósofo, a densidade opaca, o absurdo do ser-em-si provocariam no homem o mal-estar, que ele denomina náusea. Já o ser-para-si, a consciência, seria radicalmente diferente, definindo-se como sendo aquilo que não é e não sendo aquilo que ele é.

Enquanto o ser-em-si é inteiramente preenchido por si mesmo e sem nenhum vazio, a consciência é constituída por uma descompressão do ser. A consciência é presença para si mesma, o que supõe que uma fissura se instala dentro do ser. Essa fissura, ou descolamento é a marca do nada no interior da consciência. O nada, diz Sartre, é um buraco mediante o qual se constitui o ser-para-si, e o fundamento do nada é o próprio homem, isto é, mediante o homem é que o nada irrompe no mundo. Dessa forma, o ser-para-si conteria, portanto, uma abertura e seria precisamente essa abertura a responsável pela faculdade do para-si, no sentido de sempre poder ultrapassar seus próprios limites. Enquanto o ser-em-si permaneceria fechado dentro de suas fronteiras, o ser-para-si ultrapassar-se-ia perpetuamente e esse poder de transcendência seria expresso através das formas do tempo (CHAUÍ, 1978).

Diante deste quadro, Chauí (1978) sustenta que a teoria sartreana do ser-para-si conduz a uma teoria da liberdade. Isto porque o ser-para-si define-se como ação e a primeira condição da ação é a liberdade. O que está na badefine-se da existência humana é, segundo Sartre, a livre escolha que cada homem faz de si mesmo e de sua maneira de ser. O em-si, sendo simplesmente aquilo que é, não pode ser livre. A liberdade provém do nada que obriga o homem a fazer-se, em lugar de apenas ser. Desse princípio decorre a doutrina de Sartre segundo a qual o homem é inteiramente responsável por aquilo que é; não teria sentido, segundo o mesmo as pessoas quererem atribuir suas falhas a fatores externos, como a hereditariedade ou a ação do meio ambiente ou a influência de outras pessoas.

Ao lado das análises rigorosamente técnicas de O Ser e o Nada, nas quais se encontra exposta a filosofia existencialista, Sartre expressou seu pensamento através de várias obras literárias, que o colocam como um dos maiores escritores do século XX. Nelas encontram-se todos os temas fundamentais de sua concepção do homem, realizados no plano concreto das personagens, suas ações e suas situações existenciais (CHAUÍ, 1978).

Um exemplo disto é o romance de Sartre intitulado As Palavras publicado em 1945, no qual o autor sustenta, numa passagem, que os acontecimentos políticos revelam que os projetos de vida individuais são, na verdade, determinados pelo curso da história, tornando-se ilusória a busca da liberdade num plano puramente pessoal: a liberdade é sempre vivida “em

situação” e realizada no engajamento de projetos voltados para interesses humanos comunitários. Apenas um compromisso com a história pode dar sentido à existência individual, diz Sartre.

Sendo assim, o homem enquanto ser-em-situação, a necessidade de engajamento, a responsabilidade pessoal por todas as ações e projetos de vida e, sobretudo, a liberdade como raiz fundamental da pessoa humana são as coordenadas do pensamento existencialista de Sartre. As obras puramente teóricas expõem seus fundamentos filosóficos, e o teatro, o romance e o conto revelam concretamente essas idéias. Por outro lado, a própria vida do autor, principalmente depois de 1940, quando passou a participar ativamente dos acontecimentos políticos de seu tempo, também é testemunho de suas teses (CHAUÍ, 1978).

Contudo, é possível afirmar que as posições filosóficas iniciais de Sartre sofreram transformações à medida que o filósofo buscou inserir o existencialismo numa concepção mais ampla. Essas transformações derivaram, por um lado, do próprio existencialismo sartreano, que constitui uma filosofia “aberta”, e por outro, do engajamento social e político do filósofo. Do ponto de vista da fundamentação teórica, essa nova concepção de Sartre encontra-se em Questão de Métodoe Crítica da razão Dialética, publicadas em 1960 (CHAUÍ, 1978).

Nestas obras, sustenta Chauí (1978), o objetivo visado por Sartre foi saber se há possibilidade de se reencontrar uma compreensão unitária do homem, para além das várias teorias, das várias técnicas. Sartre, contudo, não pretendeu inventar esse novo saber do homem, não se tratando de opor à tradição uma nova filosofia, capaz de fornecer soluções para os problemas que as antigas doutrinas sobre o homem não conseguiram resolver. Sartre afirma nessas obras que esse novo saber já existia e circulava anonimamente entre os homens: o marxismo. Segundo ele, o marxismo seria a filosofia insuperável do século XX, o clima de nossas idéias, o meio no qual estas se nutrem, a totalização do saber contemporâneo, porque reflete a práxis que a engendrou.

O filósofo conclui que, depois da morte do pensamento burguês, o marxismo seria, por si só, a cultura, pois é o único que permite compreender as obras, os homens e os acontecimentos. Sartre, contudo não pretende revisar ou superar as obras de Marx, pois para ele o marxismo supera-se a si mesmo, sendo uma

filosofia que, por conta própria, se adapta às transformações sociais. Por outro lado, também não pretende voltar ao materialismo dialético puro e simples, pois este, de acordo com Sartre, não conseguiu dar conta das ciências, que permanecem ainda no estágio positivista. Também não se trata do materialismo histórico exclusivamente. Separar o materialismo dialético do materialismo histórico constituiria uma divisão artificial dos domínios do saber e contrariaria o espírito do marxismo, que pretende ser um projeto de totalização do conhecimento, dizia Sartre.

Chauí (1978) afirma que, dentro da concepção sartreana de que o marxismo constitui a filosofia de nosso tempo, o existencialismo é concebido como um território encravado no próprio marxismo, que, ao mesmo tempo, o engendra e o recusa, tornando o marxismo de Sartre um marxismo existencialista, dentro do qual o existencialismo seria apenas uma ideologia22. Um segundo aspecto de sua doutrina consistiria no modo pelo qual Sartre procura resolver o problema das relações materiais de produção, através do projeto existencial. Isto significa que se o saber é marxista, sua linguagem pode ser a linguagem do existencialismo. Ao afirmar que o marxismo é a filosofia insuperável de nosso tempo, Sartre não faz dele uma filosofia eterna e sim, a rigor, afirma que o marxismo deverá ser superado quando existir, para todos, uma margem de liberdade real além da produção da vida.

Em A Crítica da Razão Dialética, Sartre conservou o esquema geral do existencialismo e alguns dos seus conceitos, mas investiu numa reinterpretação do marxismo, que ele defendia e ilustrava em seus ensaios políticos. Contudo, a fim de que o existencialismo sartreano se tornasse capaz de constituir uma teoria da ação e da história, era necessária uma revisão radical das suas posições fundamentais. As teses deste existencialismo, expostas em O Ser e o Nada, podem ser recapituladas deste modo: 1- A filosofia é uma psicanálise existencial por ser a análise do projeto fundamental em que consiste a existência; 2 - O projeto fundamental é fruto de uma escolha absolutamente livre, isto é, não vinculada ou limitada por qualquer condição ideal ou factual. Esta liberdade é o destino do homem; 3- Todos os projetos fundamentais são equivalentes porque não existe nenhuma condição de fato

22De acordo com Sartre (1978,), ideologia é um sistema parasitário que vive à margem do Saber, a que de início se opôs e a que, hoje, tenta integrar-se.

ou de valor que possa, de qualquer modo, orientar a sua escolha ou servir para julgá-los. Uma filosofia que defenda estes princípios básicos é obviamente uma filosofia contemplativa: nada dá ao homem para fazer, tornando-o apenas consciente (como faz qualquer tipo de psicanálise) das suas próprias estruturas constitutivas. Mas, que o homem seja ou não consciente de tais estruturas, é coisa que não influi no seu destino, que continua a ser a liberdade absoluta de escolha (ABBAGNANO, 1993).

Para Abbagnano (1993), na Crítica da Razão Dialética, Sartre empreende uma revisão destas teses para as adaptar às exigências de uma teoria da ação. Em primeiro lugar modifica completamente a noção de projeto.

Em O Ser e o Nada, o projeto não tem, como se disse, qualquer limitação: não parte de dados, mas origina-os na medida em que é uma liberdade incondicionada. Já na Crítica da Razão Dialética, o projeto é a ultrapassagem de uma situação dada, que define os limites ou as condições de possibilidade desse mesmo projeto. Neste texto, Sartre afirma, de acordo com o autor:

Dizer de um homem aquilo que ele é significa dizer aquilo que ele pode, e reciprocamente: as condições materiais de sua existência circunscrevem o campo das suas possibilidades. Assim, o campo dos possíveis é o fim em vista do qual o agente ultrapassa a sua situação objetiva. E este campo, por sua vez, depende estritamente da realidade social e histórica (Sartre apudAbbagnano, 1993, p.187).

Com essa noção de projeto expressa em termos de condicionamento, a liberdade absoluta do projeto fundamental de que Sartre tratava em O Ser e o Nada foi radicalmente eliminada, tornando possíveis outras determinações do projeto, a saber: o projeto tem um dado que é constituído pelas condições materiais da nossa existência e da nossa própria infância. Concebido deste modo, o projeto pouco se parece com aquilo que Sartre definia, com o mesmo nome, em O Ser e o Nada, e aproxima-se mais, segundo o autor, da antropologia de Marx. Todavia, vale ressaltar que, diferentemente de Marx, o projeto de Sartre continuou a ser um assunto privativo do homem singular;

constitui existência singular (ABBAGNANO, 1993).

Diante deste quadro, Lukács (1967), destaca que há uma divergência que separa Sartre de Heidegger e que atesta a diferença entre a atitude dos

intelectuais franceses e a dos intelectuais alemães frente às questões mais importantes da vida.

Segundo o autor, depois da queda do fascismo, a edificação e a consolidação da democracia encontraram-se no centro da preocupação da opinião popular de todos os países. Todas as discussões sérias tendiam a determinar a natureza da democracia nova desse regime de liberdade que seria edificado sobre as ruínas deixadas pela barbárie fascista e que teria por missão impedir para sempre o retorno do fascismo e da guerra.

Diante desta conjuntura, Lukács (1967) afirma que o existencialismo conseguiu manter sua popularidade nesse mundo transformado, e parece mesmo que esteve em vias – o de Sartre, bem entendido, e não o de Heideggger – de partir para a conquista do mundo. Isto porque o lugar central que atribui à liberdade é certamente nele muito maior, e o desejo de liberdade retomou formas concretas e manifestou-se com vigor. Neste período, a interpretação da noção de liberdade desencadeou debates apaixonados e lutas ferozes, e pergunta-se, exatamente por isto, como explicar então que, nessas condições, o existencialismo e sua liberdade rígida e abstrata possam pretender conquistar o mundo; mais exatamente: onde o existencialismo recruta seus partidários e qual é a força de persuasão que emana dessa nova filosofia da liberdade? Para poder responder a essa questão, continua Lukács (1967), e para melhor compreender o segredo do sucesso do existencialismo, é indispensável examinar a noção de liberdade, tal como é definida pela filosofia de Sartre.

Em relação ao texto O Existencialismo é um Humanismo, Abbagnano (1993) afirma que nele Sartre define o existencialismo como a doutrina para a qual a existência precede a essência, no sentido de que o homem, em primeiro lugar, existe, isto é, encontra-se no mundo, e só depois se define por aquilo que é ou quer ser. Do ponto de vista existencialista, o homem não tem, portanto, uma natureza determinante; ele é aquele em que se torna a partir do seu projeto fundamental e é plenamente responsável pelo seu ser; é ainda responsável por todos os outros homens, na medida em que a sua opção é ainda a opção do ser dos outros e dos valores que devem penetrar no mundo e tornar-se realidade. Deste ponto de vista, a angústia é apenas o sentimento da nossa completa e profunda responsabilidade, não conduzindo à inércia, mas

sim à ação. Quanto ao desespero, significa apenas ter em conta aquilo que depende da nossa vontade ou o conjunto de probabilidade que torna possível a nossa ação. Logo, também não conduz à inércia, apesar de nos dissuadir de crer na realização infalível daquilo em que estamos empenhados. Em conclusão, de acordo com Sartre, o existencialismo é uma doutrina otimista porque afirma que o destino do homem está no próprio homem, e que este só pode confiar na sua ação e só pode viver para a ação. Como vemos, diz Abbagnano (1993), já em 1946, Sartre insistia nos aspectos positivos do existencialismo, pondo entre parênteses os aspectos negativos ou paralisantes que tinham sido expressos em O Ser e o Nada. De acordo com este escrito, que contribuiu grandemente para a difusão das idéias de Sartre, o existencialismo é definido como um pessimismo da teoria e um otimismo da ação, segundo o qual o homem pode fazer-se por si, isto é, pode fazer de si aquilo que quiser e não existem essências, valores ou normas que predisponham o seu fazer-se, não existindo também para nenhum limite a este fazer-se, um não-possível que delimite aprioristicamente as suas possibilidades. Dessa forma, essa obra tentava essencialmente constituir o existencialismo como uma teoria da ação e da história.

No que se refere à sua produção literária, o primeiro romance de Sartre, A Náusea, é o ponto de partida de uma filosofia da negação e do absurdo contra a filosofia clássica da afirmação e do valor. A tese desse romance, que, é um verdadeiro manifesto filosófico, é a de que o mundo nada mais significa desde que eu não tenha mais objetivo. A experiência privilegiada analisada por Sartre em A Náusearevela um universo ainda muito próximo do de Heidegger, em que este afirma que o tédio profundo, estendendo-se pelos abismos da existência, confunde as coisas, os homens e nós mesmos numa indiferença geral. Esse tédio é a revelação do existir em sua totalidade. A náusea, no romance de Sartre, é o sentimento experimentado diante do real quando se toma consciência de que ele é desprovido de razão de ser, sendo absurdo, e a partir do momento em que o personagem principal sente que sua vida não está mais orientada, imantada por um objetivo, a partir do momento em que ela não mais tem sentido, sente a impressão de existir à maneira de uma coisa, de um objeto. As coisas, os objetos, o mundo, perderam seu sentido, e já que sua vida não tem mais objetivo, as coisas deixam de ser para ele meios para atingir

um objetivo, deixam de ser pontos de apoio para seus empreendimentos, utensílios ou obstáculos, rompendo-se assim, os vínculos entre as coisas e o espírito (GARAUDY, 1965).

Tal é o ponto de partida, a experiência originária de Sartre. A crítica do objeto, do mundo objetivo, acha-se estreitamente ligada à crítica do mundo burguês, das verdades objetivas e dos valores estabelecidos. Essa derrocada dos princípios é salutar, assim como mostrar que, sob a crosta superficial das convenções desse mundo que quebra por todo lado, só há coisas informes, o caos, é, de acordo com Sartre um momento libertador (GARAUDY, 1965).

Porém nesse romance já se esboça o limite fundamental de Sartre: por uma extrapolação arbitrária, o filósofo toma essas características do mundo capitalista no momento de sua decadência, com o que comporta de absurdo e de monstruoso, por características de uma condição humana eterna. A náusea, então, já não é uma reação histórica diante de um mundo que se decompõe, mas uma reação metafísica diante da vida em geral (GARAUDY, 1965).

Em seus romances, Sartre teve a preocupação de mostrar o homem tomando uma consciência aguda de sua total responsabilidade, mostrando que o fundamento do ser é a liberdade. O indivíduo, segundo ele, não é um elemento de um todo ou um elo de uma corrente, sua vida não é o desenvolvimento de uma lei, o homem não se desenvolve à maneira de uma planta, cujo futuro inteiro, acha-se inscrito na semente: ele é artesão, autor de seu futuro. Esse despertar da responsabilidade é uma etapa necessária, mas não basta afirmar a liberdade, pois é preciso mostrar como ela se exerce, segundo Garaudy (1965), e o mundo de Sartre é um mundo sem racionalidade:

nele, cada um está só com sua liberdade, e tudo, a cada instante, é reposto em questão.

Diante deste quadro, esta interpretação de Sartre não corresponde à nossa experiência completa, porque certamente, há pontos de ruptura na história, mas essas rachaduras só são tais porque infletem ou interrompem encadeamentos necessários; a contingência mesma só adquire seu sentido por esta necessidade, sendo impossível isolá-las. Para Garaudy (1965), a concepção sartreana de liberdade é solitária, já que o nós não resulta de um acordo entre vários tu; o social não é somente outrem; a história não é apenas uma intersubjetividade. Enquanto o social e o histórico não forem apreendidos