• Nenhum resultado encontrado

MARXISMO

3.4 HEIDEGGER

A primeira grande figura do existencialismo contemporâneo é Martin Heidegger, que foi influenciado por Husserl, a quem dedicou sua obra Ser e Tempo. Sendo assim, Heidegger define a estrutura fundamental da existência, baseando-se no princípio da fenomenologia de Husserl: a existência é essencialmente transcendência, e esta é entendida como superação. Nesse sentido, a transcendência não é para o homem um comportamento possível ao lado de tantos outros, mas antes a sua constituição fundamental, o que forma a própria essência da sua subjetividade. Transcender para o mundo significa fazer do próprio mundo o projeto das possíveis atitudes e ações do homem;

deste modo, a transcendência é, para Heidegger, certamente um ato de liberdade e é mesmo, a própria liberdade. Mas se o homem é livre no ato de projetar o seu mundo, este mesmo projeto subordina imediatamente o homem a si, tornando-o necessitante e dependente (ABBAGNANO, 1993).

Se para Heidegger, existir no mundo significa para o homem projetar, e projetar se baseia nas possibilidades que se oferecem ao homem, a compreensãode tais possibilidades é um modo de ser fundamental do próprio

homem. Sendo assim, a transcendência existencial, baseando-se nas possibilidades de ser do homem, é, ao mesmo tempo, um ato de compreensão existencial: para compreender-se, o homem pode adotar como ponto de partida o si mesmo ou o mundo e os outros homens, e, no primeiro caso, tem uma compreensão autêntica (ABBAGNANO, 1993).

Vimos que, para Heidegger, a existência humana é constituída por possibilidades, e nestas se baseia todo o seu projetar ou transcender. Mas também vimos que todo o projetar ou transcender lança o homem no mundo que ele projeta ou transcende, e o remete ao fato insuperável de que como homem existe e está ao nível de todos os outros existentes; todas as possibilidades humanas sob este aspecto se equiparam, e a escolha entre elas seria indiferente (ABBAGNANO, 1993).

No que diz respeito à morte, para Heidegger, esta é a possibilidade absolutamente própria, porque diz respeito ao próprio ser do homem. Trata-se de uma possibilidade incondicionada, porque pertence ao homem enquanto individualmente isolado. Todas as outras possibilidades põem o homem no meio das coisas ou entre os outros homens, mas a possibilidade da morte, diz Heidegger, isola o homem consigo mesmo; é uma possibilidade insuperável, porque a extrema possibilidade da existência é a sua renúncia a si mesma; é, enfim, uma possibilidade certa. Heidegger afirma que é apenas no reconhecer a possibilidade da morte, no assumi-la como decisão antecipadora, que o homem encontra o seu ser autêntico (ABBAGNANO, 1993).

Sendo assim, a existência anônima cotidiana é uma fuga da morte, segundo Heidegger. Ele a considera como um caso, entre os muitos da vida de cada dia, no qual o homem oculta o seu caráter de possibilidade imanente, a sua natureza incondicionada e insuperável, e procura esquecer a existência, não pensando nela, entregando-se às preocupações cotidianas do viver. A voz da consciência, por seu turno, ao arrancar o homem à existência anônima, fá-lo voltar ao ser-para-a-morte; fá-lo sentir-se em dívida para com a verdadeira natureza e encaminha-o para uma decisão antecipadora, que projeta a existência autêntica como um viver-para-a-morte. Mas, Heidegger esclarece que viver para a morte não é, em absoluto, uma tentativa de realizá-la através do suicídio; a morte é uma possibilidade e não pode ser entendida e realizada senão como pura ameaça suspensa sobre o homem. Nem é sequer uma

espera, porque mesmo a espera não pretende mais do que a realização, e a realização nega ou destrói a possibilidade como tal. Heidegger esclarece então, que viver para a morte significa compreender a impossibilidade da existência enquanto tal, pois ela é essencialmente, radicalmente, impossível. O que é possível é a compreensão desta impossibilidade, e o viver para a morte é precisamente tal compreensão (ABBAGNANO, 1993).

Mas, diz Heidegger, dado que toda a compreensão é acompanhada por um estado emotivo, também a compreensão da morte é acompanhada por uma tonalidade emotiva que é a angústia. Com a angústia, o homem sente-se em presença do nada, da impossibilidade possível da sua existência. A angústia coloca o homem fundamentalmente ante o nada, e nela, a totalidade da existência converte-se em algo transitório, acidental e fugidio, em que o próprio nada se apresenta no seu poder de aniquilação. Mas assim, a angústia revela também o significado autêntico da presença do homem no mundo: esta presença significa manter-se firme no interior do nada. A revelação do nada é, por isso, originária. O nada está, certamente, escondido ou velado na existência trivial cotidiana, mas mesmo aí atua através da negação, da renúncia, da limitação, da proibição e atua, sobretudo, como condição oculta, mas ineliminável, do próprio revelar-se realidade existente como tal. Este revelar-se tem lugar, com efeito, no ato da transcendência, e a transcendência é a superação do ser na sua totalidade, é um salto sobre o ser, que do nada chega ao nada (ABBAGNANO, 1993).

Dessa forma, Heidegger afirma que, a existência autêntica é, assim, a única que compreende claramente e realiza emotivamente a nulidade radical da existência. A existência é transcendência, progride continuamente para além da realidade existente, antecipando e projetando, e é só neste progredir, neste antecipar e projetar, que a realidade existente se apresenta como tal e se torna compreensível (ABBAGNANO, 1993).

No que diz respeito ao conceito de história, para Heidegger, a liberdade do homem, em que se baseia a sua historicidade, consiste em fazer da necessidade virtude, em escolher e aceitar como própria, a situação de fato em que já está lançado e em permanecer-lhe fiel. No entanto, isso só é possível pela convicção de que todas as situações de fato são equivalentes, que é impossível subtrair-se a elas, e que é impossível que elas sejam mais do que

aquilo que são: impossibilidade e nada. O destino, em que consiste a historicidade do homem, é precisamente este herdar as próprias possibilidades, querer ser aquilo que já se foi, repetir a situação a que se está ligado; esta repetição é o destino (ABBAGNANO, 1993).

Dessa forma, Heidegger aceita de Nietzsche o conceito do amor fati como vontade daquilo que já aconteceu e inevitavelmente acontecerá. O destino é a herança da tradição, o retorno às possibilidades cuja existência é já constituída de fato, um querer ser que seja no futuro, aquilo que já foi no passado. A decisão em que consiste o destino é a escolha da escolha, mas não a escolha entre diferentes possibilidades, tais que uma delas possa ainda constituir uma ruptura com o passado ou uma conquista nova. Só é possível escolher entre querer ou não querer aquilo que foi e em qualquer caso será. A repetição das possibilidades não tende sequer para um progresso; para a existência autêntica, o passado e o progresso são indiferentes.

Para Heidegger, a existência como transcendência projetora é lançada na própria realidade que ela transcende, e aí a mantém fixa e impotente. Já para Sartre, a existência desagrega e nulifica a realidade de fato e afirma-se sobre ela como poder absoluto. A filosofia de Heidegger é a filosofia de uma necessidade absoluta que se torna liberdade apenas como aceitação consciente da necessidade. A filosofia de Sartre, por seu turno, é uma filosofia da liberdade absoluta que pretende dissolver e anular toda a necessidade (ABBAGNANO, 1993).

No período entre as duas guerras e, muito particularmente, na Alemanha, a derrota de 1918 deixara mais ruínas morais que materiais. Um niilismo radical preparava os espíritos para a embriaguez hitlerista, com seu irracionalismo profundo, sua exaltação do instinto e do mito. A expressão mais aguda dessa confusão encontra-se em Martin Heidegger, que entre “um céu vazio e uma terra em desordem”, apresenta a vida do homem sem perspectiva, sem saída. Do que era a situação dos homens de certa nação e de uma classe dessa nação num momento de crise, Heidegger fez a condição humana, a característica trágica de toda existência. Diante do homem não há mais Deus para guiá-lo, não há mais valores estáveis, não há mais verdades, o mundo lhe é incognoscível e estranho; o homem está diante de nada, o nada (GARAUDY, 1965).

Nesse desespero, a existência é tudo o que falta ao homem, tudo o que ele tem de ser. O ser humano, diz Heidegger, só pode definir-se a partir de seu existir, isto é, de sua possibilidade de ser ou não ser o que ele é; a existência autêntica do homem não é um fato, mas uma inquietude de ser. Heidegger, segundo Garaudy (1965), descreve esta existência humana em três momentos:

 A derrelição – O homem emerge do nada. Acha-se jogado no meio de suas possibilidades. Seu surgimento é sem razão, radicalmente contingente, absurdo.

 O projeto – O homem se lança em direção ao possível. Mas é lançar-se no vazio, em direção ao que ainda não é, pois que o homem está cercado pelo nada. Nosso futuro inscreve-se no nada. Por nossos projetos, o mundo adquire um sentido – graças ao homem, que carece de sentido.

 A queda – Este impulso, que não é dirigido nem sustentado por nada, perde-se a cada instante, e vem o abandono da existência autêntica, a queda no cotidiano, no habitual, no estabelecido. O homem converte-se numa coisa entre as coisas.

Sendo assim, para Heidegger, tudo o que é social, impessoal, e que, por conseguinte, afasta o homem de sua existência autêntica, oferece-nos um ser acabado que priva a nossa vida de seu sentido pessoal. Aqui o homem não é senão o que é preciso que seja em função de sua profissão, de seu papel social, etc. e para escapar a esta degradação, o homem deve dirigir-se para todos os possíveis, sem nenhuma exceção, inclusive a possibilidade da impossibilidade da existência. De modo que essa existência, que vai dar no nada e que só tem sentido por causa dele, é fundamentalmente, como dito anteriormente, uma existência para a morte. A morte, para Heidegger, é o que abre o horizonte infinito dos possíveis, o que lhe permite arrancar-se à realidade acabada, e o sentido da vida consiste então, em fazer de sua morte a obra mais pessoal (GARAUDY, 1965).