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20 A fruição do eterno e a utilização do temporal

E qual o papel exato da beleza nesse amor? Agostinho distinguirá a beleza de que se faz uso, beleza própria a tudo que há no mundo em alguma medida, e a Beleza de que se pode (e a única de que se deve) fruir, a saber, a da própria divindade. Nesse sentido, a Estética agostiniana – caso caiba tal designação anacrônica – é fundada em uma cosmologia de tipo platônico e, além disso, reitera, como é de se esperar, o recurso à Física clássica. Como vimos, a moderação não nos proíbe alegrarmo-nos junto às coisas criadas, não é condenado como impuro todo contato com elas, desde que o homem, nas palavras de Boehner e Gilson (2008, p. 186), não se detenha nem repouse nelas, “que não as amemos em detrimento do nosso fim último”. De um lado, enquanto vestígios de Deus, as criaturas participam no bem e na beleza do criador, mas, de outro, enquanto meros vestígios, não são amáveis em virtude de si mesmas, pois apenas refletem o modelo eterno (BOEHNER; GILSON, 2008, p. 204-205). A moderação diante da beleza sensível é tão decisiva quanto é habitual esperarmos

encontrar um bem na sua fruição, o que significa dizer: a beleza nos atrai e, agindo sobre os sentidos, pode nos desviar de nosso verdadeiro fim – o Bem supremo –, do caminho correto rumo ao nosso “lugar” próprio junto a Deus, consequência que se evita apenas na medida em que é acima de tudo a verdadeira Beleza o que temos em vista. Sobre isto, ressente-se Agostinho, no capítulo 27, §38, do décimo livro das Confissões: “Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Eis que habitáveis dentro de mim, e eu lá fora a procurar-Vos. Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criastes. Estáveis comigo, e eu não estava convosco!” (AGOSTINHO, 1996, p. 285). Apenas desta Beleza eterna (e interior) é lícito fruir.

Para que fique clara a diferença entre fruir e alegrar- se, deve-se ter em conta o que foi dito sobre a hierarquia dos objetos do amor humano, que ascendem desde aqueles que são fins/bens intermediários àquele que é o fim por excelência, ou Bem supremo, ou seja, desde o que é querido em vista de outra coisa até que se atinja a felicidade – boa em si mesma –, além da qual nada mais se quer.

Tomemos o exemplo simples dos alimentos. Comer não significa o mesmo que alimentar-se, nutrir-se. Podemos comer exclusivamente em vista do prazer sensível da degustação, do prazer pessoal que sentimos no paladar, no olfato, ou mesmo na visão que nos faz salivar, assim como normalmente recu- samos ingerir o que desagrade a qualquer desses sentidos não importando o quão nutritivo possa ser o alimento. Há também motivações morais, intelectuais, para se comer ou não isto ou aquilo, como se pode reconhecer nas mais diversas dietas vege- tarianas ou que meramente rejeitem carne vermelha ou a carne de certos animais (cobras, porcos, crustáceos) ou que interditem a ingestão de sangue, gorduras ou álcool. Nestes últimos casos, como naquele em que se tem em vista o modo como os animais de abate são cultivados, processados e distribuídos, o que se come ou não se come é determinado em vista de um prazer intelectual

(por vezes inconsciente) no ato de selecionar moralmente (i.e.

racionalmente) nossas fontes de energia, proteínas e, é claro,

bem-estar. A primazia do prazer intelectual visa à moderação do mero prazer físico que, deixado à sua própria sorte, pode levar a negligenciar as condições de vida animal e também a própria saúde, como no caso da gula. No entanto, esse prazer intelec- tual também não pode ser um fim em si mesmo, nem sequer se baseia em uma solução completa para o problema, uma vez que permanece incontornável até para o vegetariano mais radical o fato de que a vida se alimente de vida. (Os vários organismos alimentam-se exclusivamente de substâncias não vivas, mas seu funcionamento natural exige que se as obtenha destruindo outros organismos que as contenham, sejam animais ou vegetais.) Em uma primeira instância, o bem social deve ser considerado, como mostra Platão na República: uma boa dieta deverá prevenir doenças e, assim, reduzir ao mínimo a necessidade de médicos e remédios, não apenas o sofrimento individual. O prazer tirado da embriaguez é outro exemplo de vantagem pessoal e passa- geira que, na melhor das hipóteses, só traz benefício a outrem em casos isolados no tempo e no espaço, como para produzir diversão coletiva em festividades. Por sua vez, considerando que a finalidade de comermos e bebermos é a necessidade de nutrição para nossa conservação, a boa alimentação é um meio suficiente, devendo-se rejeitar o que nada contribui para isso. Desse modo, a alegria em comer é um bem pessoal e intermediário para a nutrição, além de completamente dispensável, devendo estar exclusivamente sujeito a ela, um bem maior que traz consigo a boa saúde, elemento necessário (mas não suficiente) à felicidade, para a qual nada contribui ou mesmo impede um desmedido prazer em comer e beber ao custo de males, ainda que passageiros, para o corpo e para a alma.

O que é intermediário consiste, portanto, em mero instru- mento por meio do qual se pretende obter algo além, consistindo em algo de que nos servimos provisoriamente em vista de um fim maior, definitivo – por exemplo, servimo-nos da beleza

corpórea do sexo oposto, se não pudermos evitá-lo, à espera da salvação pela vida eterna e apenas enquanto não a conquis- tamos e, portanto, urge a conservação da espécie. Logo, o que se ama no utilizar se ama por amor de outra coisa – seguindo o último exemplo, ama-se a perpetuação da espécie por amor da imortalidade –, enquanto que o que se ama no fruir se ama por amor disso mesmo que se ama no fruir – a eternidade em Deus. Nesse sentido é que o dever de conservar a vida é antes um dever para com Deus do que para consigo mesmo, não sendo por outra razão que o suicídio é uma espécie de tabu em diversas religiões e, por extensão, a eutanásia. (Aliás, é conveniente lembrar aqui uma observação de Locke, no século XVII, a respeito do direito natural à vida: “Eis que sendo todos os homens obra de um Artífice onipotente e infinitamente sábio [...], são propriedade d’Aquele que os fez, destinados a durar enquanto a Ele aprouver e não a uns e outros” (LOCKE, 1978, p. 36. cap. II, §6) – aqui, faz-se analogia entre o direito natural à propriedade e o direito natural à vida, princípios fundamentais da democracia liberal, implicando em que os homens são, do ponto de vista ético-político, fins em si mesmos, não podendo ser de modo algum utilizados uns pelos outros, pois, do ponto de vista teológico, pertencem exclusivamente ao seu criador, cujas “posses” são todos obrigados a honrar e respeitar. Além disso, é condenável a escravidão, pois, segundo o mesmo princípio, cabe ao homem servir apenas a Deus, não ao semelhante, bem como exercer domínio apenas sobre o que é produto seu).

Por isso, a perfeição do amor consiste em amar aquilo além do que nada mais se pode amar, i.e. a perfeição, tratando-se de um amor sem limites exclusivamente merecido pelo que é infi- nito, sendo apenas nessa correta fruição que se pode encontrar o almejado e feliz repouso. Afinal, agora, a felicidade humana reside unicamente em Deus. Isto serve para esclarecer o sentido do amor de si agostiniano, o qual, não egoísta, não é amor de si em virtude de si mesmo, mas por Deus: “a alma não é o bem supremo, e por isso não deve fruir de si mesma, mas ‘usar-se’

para Deus. Donde o mandamento de amar a Deus de toda a alma” (BOEHNER; GILSON, 2008, p. 193-194). É por Deus que devemos buscar a saúde e é por Deus que se pode ter filhos e que se deve amá-los – certamente não foi Kant, portanto, a “inventar” a ética do dever. Em outras palavras, frui do amor de Deus aquele que usa sua própria alma, isto é, a emprega apenas para Deus – a essa atitude poderemos dar o apropriado nome de “dedicação”. Como é válido no que diz respeito a qualquer ferramenta, o uso do amor deve atender às condições exigidas para se obtenha um bom “produto final”, havendo, portanto, regras para esse uso como há para o uso de qualquer outro instrumento – trata-se de uma verdadeira “arte (ou técnica) de amar”.

A exclusividade da dedicação a Deus mostra-se como evidência cabal de que Agostinho, uma vez que se contempla sua filosofia como um todo, e não apenas em parte, termina por recusar qualquer dignidade aos amores humanos, não importa o que diga a respeito das criaturas como “reflexos do Criador”. Encarar o amor às criaturas como algo meramente instrumental parece-me, enfim, mais grave do que atribuir-lhe valor secundário pura e simplesmente. Dito de outro modo, por aceitável que seja postular que não se deve amar a nada nem ninguém tanto quanto ou mais do que se ama a Deus, concluir disto que não se deve fruir de nenhum outro amor que não o amor de Deus chega a soar como uma condenação a uma dor incurável, sentenciada precisamente por quem pretende indicar a cura para toda dor. Não há dúvidas de que comidas e bebidas têm valor meramente utilitário para os seres vivos em geral, seja enquanto servem ao prazer, seja enquanto servem à saúde, seja enquanto as consumimos de maneira responsável (ou “sus- tentável”), seja de maneira irresponsável (ou “predatória” e “inconsequente”), mas até que ponto esse raciocínio pode ser estendido? A interdição da fruição deve valer igualmente para o amor à comida e para o amor a seres humanos? Os humanos podem ter perfeita consciência do caráter utilitário dos mais diversos bens, mas algo deve dizer a essa mesma consciência

que nem toda criatura lhe serve como instrumento. De que vale considerar socialmente o humano como “fim em si mesmo” enquanto o fundamento teológico dessa dignidade política remete ao seu caráter de “propriedade divina”? O homem é fim em si mesmo apenas para seus semelhantes, ou seja, de modo meramente relativo. Por que, afinal, não há graus de fruição correspondentes aos graus de objetos corretamente amáveis que Agostinho se empenha em estabelecer? Porque a fruição significa um prazer desinteressado e nenhum prazer que não seja acompanhado de uma felicidade definitiva, absoluta, pode ser dito desinteressado, uma vez que sempre se poderá ansiar (e se ansiará) por felicidade maior, como é o caso até mesmo da conservação da vida.

Certamente Platão e Aristóteles não concordariam com Agostinho, já que, para eles, a atividade filosófica também consiste em uma busca nascida do ócio e independente de fins ulteriores. Ora, sua religião assentava-se sobre outras bases: à Beleza, chamada Afrodite, o homem é atraído por ação daquele que é o primeiro a segui-la – Eros; este, no entanto, dirigia o olhar humano para as mais diversas expressões de Afrodite, coisa que os cristãos acusariam como perversidade diabólica. Para alguns gregos, como para Aristóteles, também a poesia é produzida e fruída independentemente de qualquer utilidade. Sabedoria acerca do bom e do justo, ou verdadeiro, assim como a contemplação do belo, eram bens estimados pelos gregos como bens em si mesmos – superiores ao próprio homem, talvez –, os bens mais elevados de que o homem poderia tirar proveito (fruir), mas, no Cristianismo, tudo isto se vê unificado em uma só palavra: Deus. É verdade que Platão, na República, além de propor uma dieta, revoga casamentos, repreende as paixões juvenis e submete a concepção de filhos a uma eugenia espiri- tual, mas tudo isto em vista da fruição de uma boa vida política

aqui na terra, tal como ele a entendia – logo ele, acusado como

difamador deste mundo em benefício de outro. Desse modo, não é o termo latino empregado por Agostinho – “frui” – que o

autoriza a fazer tamanha restrição, mas o dogma que impõe à palavra o significado de que a fruição não deve ser em proveito próprio ou de uma “Cidade dos Homens”, mas sempre ter como causa um bem infinito tornado finalidade única de todo agir: fazer jus a uma vida eterna na “Cidade de Deus”. Os cristãos então traduzem a busca da sabedoria, da verdade, do bem e da beleza como busca de Deus. Portanto, tudo aquilo que consista em bem particular finito, seja para poucos, seja para muitos, na medida em que não tem por objeto o próprio Deus, é vinculado por Agostinho à conjunção “uti”, “a fim de”, vinculada à palavra “utilitas”, “utilidade”. Em suma, de um lado temos Deus, cuja dignidade absoluta impede-nos de submetê-lo a nossos capri- chos, e, de outro, todo o universo de criaturas, cuja falta de dignidade própria as submete inteiramente ao serviço de Deus, como propriedade sua – diz Locke –, ficando assim também a salvo de nossos caprichos na medida em que não nos pertencem – e apenas por isso, se racionais, fazem jus a uma dignidade de “ser fim em si mesmo” tomada de empréstimo. Se, a esta altura, o leitor tem a impressão de um retrocesso dos medievais em relação aos antigos, e mais, de uma repetição dos medievais pelos modernos, tal impressão, certamente desconfortável, é bastante exata – trata-se de um signo da decadência do próprio amor.

A desvalorização dos afetos humanos como um todo é uma conclusão que já vem sendo antecipada há várias páginas, e sua inquestionável razoabilidade, sua consistência teórica, ao lado dos impasses e implicações comumente negligenciados, sobretudo por aquele que crê, justificam o longo espaço dedicado à filosofia cristã do amor a partir de suas raízes agostinianas, modelo a que as tenho remetido. A mística de Agostinho, como a de seus sucessores, é antes de tudo estritamente racional, mas quem pode provar que o problema do amor seja algo tratável pela razão, que a correção intelectual do que é dito corresponda à certeza existencial de que amar não é servir a quem quer que seja, mesmo um deus? Trata-se de algo que apenas quando ruminado com vagar pode ser adequadamente surpreendido em

sua perversidade constitutiva – em verdade, essa mesma racio- nalidade, como toda outra, já é sempre um ruminar... perverso.

Tal perversidade é aquela de que tanto se ocuparia Nietzsche: o Cristianismo oferece a cura para uma doença que ele mesmo produziu – a culpa por uma existência volun- tariamente (i.e. por uma escolha) lançada na mortalidade – e cuja convalescença ele retarda ao máximo, prolongando assim indefinidamente seu próprio efeito. Trata-se, em uma palavra, da dor; a dor de viver; a dor de uma vida fadada à morte, o que me faz lembrar, casualmente, as palavras de Kiríllov no celebrado romance de Dostoiévski sobre os niilistas revolucionários: “Deus é a dor do medo da morte” (DOSTOIÉVSKI, 2011, p. 120)25. A

cura: negar o valor singular do que é próprio a esta condição, produzir a dor incurável da culpa por querer fruir do que “não se deve”. A suposta cura para a dor incurável de ser mortal – considerando que nenhum homem é capaz de superá-la sem auxílio divino – incorreria, pois, na produção de uma dor tão essencial quanto a de ser mortal: a dor de querer ser amado sem ser digno de amor, de querer ser fruído ao invés de mero objeto de caridade, de querer tudo poder oferecer a outrem sem nada possuir de próprio além de si mesmo, de querer “ser para sempre” quando se é mera fugacidade. “De que serve um excesso de prudência que nos proporcione mais males do que aqueles de que nos previne? De que serve prolongar sua vida com seu suplício? Não seria cem vezes melhor presenciar por um único instante e em seguida morrer?” (ROUSSEAU, 1772, Vol. I, p. 129)26. Aos olhos de Nietzsche, o Cristianismo como que

exerce o papel daquele médico que se vê incapaz de imaginar a si mesmo útil na ausência da miséria, mas, enlouquecido por isto, deliberadamente alimenta essa miséria, diferente do simples sonhador que se empenha em causas perdidas. Ora, mas se a miséria é alimentada e encerrada em um círculo vicioso, talvez

25 Parte I, cap. III.VIII.

isto signifique que não seja de modo algum uma causa perdida; em vez disso, ela talvez deva ser tornada uma causa perdida.

Mas será mesmo a dor de ser mortal algo tão essencial, se não para a formulação de filosofias e credos? Ou esta dor traduzirá algo mais corriqueiro? Refiro-me à dor da perda. Afinal, na perda, qualquer que seja, se tem experiência da impotência, quer dizer, de que não se tem a vida submetida à nossa vontade, de que algo não se encontra sob nosso poder, em especial o que mais nos importa. Disse mais acima que o cristão quer, em última instância, o fim do sofrimento, e isto entende como sendo a “felicidade” – eis o que julga encontrar (somente) em Deus, a privação de algo: o que faz doer; uma felicidade ela mesma

privativa enquanto não sofrimento. A “maldição lançada contra

a vida” consiste em colocar toda a ênfase naquilo que impos- sibilita toda felicidade autêntica e então dizer que a vida não passa disso. O que mais além da perda produz mais sofrimento, mesmo que tal perda seja apenas uma possibilidade? A morte mesma é entendida – talvez, de modo equivocado, mas o que vale aqui é como se a entende – como uma perda, a perda por excelência, perda de si mesmo para todos os outros e perda de todos os outros para si. Vimos que a morte tem uma peculiar relação de oposição com o amor. Vimos que o amor é – de modo seguramente equivocado, cabendo, porém, desfazer tal equí- voco – comumente entendido como uma conquista. Que se pode concluir disto? Que a dor da perda seja o grande mal a cujo fim se aspira, que o prometido vazio que supostamente a sucede seja a fonte por excelência de todo sofrimento humano – ouso arriscar. Mas, para que uma coisa seja perdida, é necessário que algo presente possa passar e ir-se embora; para tanto, por sua vez, é necessário que haja uma só “coisa”, em princípio: tempo. Poder-se-ia sugerir até que a perpétua infância de Eros, em meio a outros elementos que constituem sua imensa riqueza simbólica, também exprimisse o anseio por um tempo que não passa jamais, que não leva consigo a beleza, o vigor, a juventude, o próprio amor – aliás, muitos dizem que este último decai com

a idade. Não é à toa que, pelo amor de Deus, se pretende obter, ganhar, conquistar um tempo sem fim; querer “vencer o tempo” é querer “vencer a morte”.

Talvez seja muito cedo para dizer que todo o problema do amor, seja metafísico ou não, decorre de um mal-estar humano perante o tempo. Guardemos esta hipótese por enquanto, mas foquemos no seguinte: a promessa do fim do sofrimento é indissociável de uma outra promessa, a saber, a do “Fim dos Tempos”, ou da conquista da eternidade. A partir de Platão – que sequer considerava a morte um problema, apenas o temor a ela –, o que encontramos é, fundamentalmente, orientações sobre como viver na temporalidade, sobre como lidar corre- tamente com o efêmero. Nessa tradição, alguns desprezam o efêmero, outros o combatem duramente, outros ainda procuram conviver com ele, e a notoriedade alcançada por Agostinho provavelmente se deve em grande parte a ter dado a resposta tida como mais satisfatória e reconfortante entre os partidários da (mais conveniente) “convivência” – para nós, neste livro, sua importância também decorre do fato de ninguém mais haver refletido tanto sobre nosso tema.

Platonicamente escreve Agostinho em seu tratado Da

religião verdadeira, citado por Boehner e Gilson (2008, p. 206-

207), reconhecendo o bem constitutivo de toda criatura de Deus: “E não se pense que tudo isto é mau só por ser efêmero”. O problema, segundo ele, não está na natureza transitória de tudo aquilo que é criado, mas no fato de que muitos, colocando os sentidos à frente da inteligência, “amam as coisas temporais [...] e por causa do seu apego ao temporal, não querem que passe aquilo que amam”. Penso que devemos concordar sem restrições neste ponto como em alguns outros já indicados, exceto, talvez, no que diz respeito ao significado dado a “inte- ligência” – afinal, essa inteligência se apega a objetos ideais, a formas genéricas, conceitos, abstrações estáticas e atemporais,

mau em si mesmo – afinal, se produz pela ação de Deus –, assim