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Retornando aos mitos, somente mais tarde, já no tempo de Empédocles, se tornam mais e mais corriqueiras as representações de Afrodite acompanhada por Eros, não sendo nada desprezível ou casual que nos encontremos em meio ao alvorecer do período glorioso da Antiga Grécia, tempo dos grandes dramas trágicos, contexto no qual a beleza e o amor a ela chegavam a ser tidos como virtudes das mais elevadas. Expressão disto viria a ser a

kalok’agathia ateniense, implicando o cultivo da beleza (kalos) e

do bem (ágathos), então identificados entre si. É especialmente ao longo dos séculos V e IV da Era pré-cristã que se vão conso- lidando os atributos de Eros que conhecemos hoje, Eros-sexual, Eros-paixão, Eros-desejo, feito tão poderoso quanto fora um dia Eros cósmico, se não mais, considerando as limitações apon- tadas em seu arcaísmo e o fato desse novo Eros possuir armas capazes de ferir até mesmo deuses olímpicos. Sem dúvida, esse Eros nascido nos versos de Hesíodo vem se tornar, quatrocentos anos passados, uma das divindades mais intrigantes, densas e complexas, talvez mesmo em razão da importância daquilo que simboliza e personifica. Elevado ao Olimpo com sua “nova mãe”, Afrodite olímpica, vinculada aos matrimônios, filha de Zeus e Dione conforme os antigos versos de Homero, Eros, ou Cupido, como o chamarão os latinos, agora amante de Psyché, terá seu significado abstrato elevado às últimas consequências. Sua história com Psyché, a belíssima princesa que, presenteada com asas de borboleta – um dos significados de seu nome, ao

lado de “alma” –, se torna imortal, é inteiramente contada por Apuleio (século II) ao longo dos livros IV, V e VI de O asno de ouro (APULEIO, 1922)5. Permanece indecidida sua ascendência por um

certo tempo, mas, agora, como esposo de Psyché, nela concebe uma filha chamada Prazer (Voluptas) – desfecho do amor-sexual, a mais intensa das paixões da alma, a menos prezada pela imensa maioria dos filósofos tradicionais.

Embora seja apenas uma entre outras possibilidades sugeridas por poetas até o século V da Era pré-cristã, não deixa de ser muito significativa para nós a filiação de Eros a Ares, atribuída a Simonides de Ceos (Cf. FRANCO, 2006, p. 48)6, e

ignorada por filósofos ao longo de séculos. Essa versão surge da tradição mais antiga que vincula a Afrodite olímpica a Ares como seu amante, união adúltera da qual foram gerados Harmonia, Medo e Pavor, sendo estes dois últimos acompanhantes de Ares e Eris nas batalhas. A essa prole é acrescentado não apenas Eros, mas também – ouso dizer – o “verdadeiro” Anteros, sendo esse o possível modelo para o par cosmogônico já mencionado acima. Duas observações interessantes sobre essa versão dizem respeito ao seguinte: a relação entre amor e morte violenta; a ambiguidade do nome Anteros. Desta versão ainda vem à tona a questão da representação de Eros como um menino que parece ter menos de dez anos de idade, o que, a princípio, para alguns, a exemplo do que lemos no discurso de Agaton no Banquete, pode evocar atributos ideais do amor tais como delicadeza, pureza e ingenuidade, ou mesmo agir tantas vezes imprudente sob sua inspiração. No entanto, tais qualidades “infantis”, decerto, nada têm a ver com o caráter de Eros7, longe que este está dos

anjinhos barrocos que contemplam eternamente a glória divina. Aliás, os tais anjinhos, já muito distintos das figuras aludidas na Bíblia, frutos imediatos do divino amor-criador, de nenhum

5 V. tb. BULFINCH, 2001, p. 99-109. 6 V. tb. CASERTANO, 2012, p. 250. 7 V. FRANCO, 2006, p. 38-39.

outro modo se relacionam com amor propriamente dito, exceto enquanto símbolo de pureza espiritual.

Em primeiro lugar, destaca-se o fato de Eros passar a ser representado como filho de Ares, fruto de um ímpeto adúltero pelo qual a mais bela das deusas trai o mais feio dos deuses, Hefestos, deitando-se com o mais bravo do Olimpo, símbolo da coragem (andr[e]ia) masculina (andros) – ou seja, o símbolo da virilidade –, cujo nome é aparentado da palavra grega para virtude, areté... Sem sombra de dúvida, trata-se de uma versão muitíssimo rica e eloquente. De Ares, Eros recebe como atributos sua violenta imprevisibilidade e sua invencibilidade, bem como o desmedido ímpeto que facilmente pode tornar cruéis os mais bondosos, agressivos os mais pacatos, capazes de destruir o que se ama e, no outro extremo, não se podendo destruí-lo, fazendo retornar essa violência contra si mesmos, capazes do suicídio – tudo pelo ódio à derrota; tudo por uma paixão tresloucada. Talvez, o registro mais antigo de tais atributos, já no quinto século da Era pré-cristã, seja a célebre e imitada fala do coro na Antígona, de Sófocles (2007, p. 96), quando a protagonista está prestes a morrer (v. 781-92):

Eros, invencível nas batalhas, Eros, tu que subjugas os poderosos,

que nas macias bochechas da donzela repousas, que sobre o mar e agrestes

moradas vagueias, nenhum dos deuses imortais

pode fugir de ti,

nenhum dos homens de vida transitória, e aqueles que atinges enlouquecem. Mesmo as mentes dos justos tu perturbas

para a injustiça, para sua ruína.8

Fora isso, Franco, em diversos momentos de seu livro O

sopro do amor, nos mostra a inferioridade do amor efeminado aos

olhos dos gregos, e que mesmo a pederastia exigia, sobretudo da parte do amado, uma virilidade.

O ímpeto cego do amor sem outra meta que não a con- quista também impele ao confronto e à morte violenta. Eis um dos tipos de cegueira que podem acometer o louco de amor passional. Eros-sexual, Eros-paixão, Eros-desejo encontram-se resumidos no Eros impetuoso, de maneira que sua filiação a Ares reforça o imensurável orgulho herdado de Afrodite, fonte de sua crueldade vingativa, pois tal impetuosidade também se quer exclusiva enquanto modelo de bem e de beleza. Mas de onde verdadeiramente viria essa coragem capaz de destruir o outro e a si mesmo, caso mereça tal nome? Já foi dito: de uma ausência. Ausência da beleza, roubada da vida do amante que, como Orfeu a Eurídice, tem perdido para sempre seu amado ou pensa ser esse o caso ou estar por perdê-lo. Perdido o belo amado, nada mais se tem a perder, nem a própria alma, como Orfeu que, até a trágica morte, jamais voltou a olhar para mulher alguma. Não há nisso, até agora, nenhum moralismo ou exagero poético; apenas o mais temível para todo homem: o sentimento de vazio. O amor, por sua vez, preenche a vida com a beleza para a qual nos atrai – o amor como remédio para a solidão é, ao menos sob esse ponto de vista, algo em que piamente se crê. Em segundo lugar, convenientemente se insinua outro modelo para o amor, modelo ainda mais posterior à Grécia clássica, muito embora já valorizado no âmbito das relações humanas em geral sob o título de “amizade” (philia), contudo dos mais familiares entre nós no que diz respeito especialmente ao amor: o desejo de reciprocidade. Surge então Anteros, irmão de Eros, filho de Ares e Afrodite como, a essa altura, não podia deixar de ser, valendo isso para ambas as interpretações de seu significado. Começando por aquela que já conhecemos, de Anteros como contradição de Eros, temos a força que refreia

a impetuosidade no sentido de protegê-la de si mesma. Eu aproveitaria para vincular a Anteros, assim entendido, por minha própria conta, a recusa do amor, o suposto antídoto que simultaneamente protege o antigo amado e o próprio amante, o refreamento dos ímpetos, a fuga para junto de uma razoabi- lidade. Por outro lado, Anteros pode ser traduzido por Contra- Amor – não no sentido da contrariedade, mas no daquilo que vem na direção inversa, na contramão, não enquanto ameaça ou em rota de colisão, mas em retorno, como resposta, corres-

pondência, ou seja, reciprocidade. Daí alguns o traduzirem como

Amor-por-Amor, Amor-em-Troca, Amor-em-Contrapartida (FRANCO, 2006, p. 135).

Para esse segundo significado há um mito (COMMELIN, [s.d.], p. 68) segundo o qual Anteros nasce para que Eros, sempre menino até então, pudesse vir a crescer normalmente. Por insólita que seja essa versão, por diversas razões, ela indica com clareza, dispensando maiores comentários, o surgimento da ideia de que o amor se desenvolve e amadurece mediante a retribuição. Adicionalmente, amor passa a envolver respon-

sabilidade, por si mesmo e pelo outro, tanto no sentido do já

referido amadurecimento (responder por...) quanto no sen- tido mais estrito da atenciosidade (responder a...). Tal visão, apesar de estar intimamente ligada à concepção de amizade como suprema virtude da vida pública cotidiana, elogiada por Aristóteles na Ética a Nicômaco, está em franca distinção com relação aos papéis antes bem definidos de amante e amado entre os gregos, mesmo que não a exclua – de todo modo, não foi identificada nenhuma fonte grega para essa versão. Nisto se pode reconhecer o significado profundo das incômodas – porém justas – palavras de Nietzsche no §102 de Além do bem e do mal: “Descobrir que é correspondido deveria na verdade desenganar o amante em relação ao ser amado. ‘Como? É modesta a ponto de te amar? Ou estúpida? Ou – ou –’.”. (NIETZSCHE, 1996, p. 73). Afinal, enquanto a amizade aristotélica é uma virtude cultivada entre iguais, enquanto cidadãos livres, o amor propriamente dito

concerne a uma relação entre indivíduos diferentes; valoriza-se no outro algo de elevado que não se encontra em si – como ser, então, amado por ele?

Bem, por diferentes que pareçam essas duas possibilidades de interpretação para o significado de Anteros, acredito que, ao longo deste livro, poderemos chegar à conclusão de que ambas representam, fundamentalmente, a mesma coisa, na medida em que ambas colocam o amor em uma espécie de balança, impõem-lhe algum equilíbrio. O que, no entanto, está em jogo no presente momento é em que medida a reciproci- dade tem a ver com eros, sendo claro, por sua vez, seu papel no que concerne à philia. O fato de a amizade política exigir reciprocidade não é motivo suficiente para que se reconheça que entre os gregos isso valeria igualmente para as relações amorosas de caráter pessoal e privado, se não entre amigos. Além disso, há uma diferença que não pode ser posta de lado em nossas reflexões: uma coisa é a superação de uma tensão intrínseca como componente essencial do equilíbrio, outra é o sacrifício de suficientes pontos de tensão em nome de um equilíbrio aparente. Trata-se da própria diferença de atitude entre aquele que deixa o outro ser si mesmo como outro, como diferente, alegrando-se nessa contrariedade, e aquele que vive ou impõe ao outro uma fantasia de fusão, fazendo do amado um amante, amando-o narcisicamente, alegrando-se apenas por ver a si mesmo duplicado como objeto de amor e, ao mesmo tempo, o outro reduzido.

Finalmente, o que essa última narrativa sobre Anteros vem obscurecer e mascarar é o mistério de Eros ser, em geral, sempre criança. Isto é o que comumente acontece quando uma nova visão de mundo tem a infeliz pretensão de “corrigir” com emendas e acréscimos (ou supressões) uma visão mais antiga em vez de, antes, tentar compreendê-la adequadamente – o resultado tende a ser que a nova versão acabe denunciando a si mesma em vez de esclarecer a antiga. O questionamento sobre

isso parece bastante importante. Ao elogiar Eros como o mais jovem dos deuses, o Agaton representado por Platão se move na superfície, fazendo parecer que a tenra juventude do deus remetia, antes de tudo, à sua beleza e qualidades correlatas – afinal, o elogio dos belos jovens pode ser tido como subtema do diálogo. Ademais, nesse contexto, o deus que inspira o amor aos belos jovens deve ser, ele mesmo, um belo jovem. Sócrates, em seguida, por meio do célebre ensinamento de Diotima, diz estar Eros – que não mais é anunciado como um deus, mas um espírito intermediário – entre o belo e o feio, o bom e o mau; trata-se da personificação do desejo. Acredito, porém, haver mais além disso.

A estática infância de Eros evoca algo que condiz também com seu lado perverso, com sua maldade; mais do que isso, condiz com a natureza dessa perversidade, que, no rigor do termo, não pode ser dita “má”, embora o faça Apuleio (1922, p. 190-191. Livro IV, §30). Próprio às crianças é o jogo, também a falta de clareza na compreensão de regras e deveres, o que fatalmente resulta em inconsequência e irresponsabilidade. Nada podendo levar a sério em razão de sua imaturidade para os negócios da vida adulta, em seus jogos, a criança instaura desordens (relativas à ordem adulta), tendo o poder de con- taminar a todos com sua infantil loucura, sua relativa falta de juízo. Eros, que temos o direito de imaginar como sendo a mais bela das crianças, é capaz de despertar amor à primeira vista – por ser belo e por ser criança. Por isso mesmo Plotino se refere a ele como “guardião das belas crianças” (PLOTINO, 2002, p. 103)9. Crianças, entretanto, também maquinam, expe-

rimentam, desafiam, amam obstáculos e proibições, repre- sentando, caso os adultos se deixem dominar por seu espírito inquieto, a total perturbação da rotina, dos compromissos e dos afetos. É sabido que nos loucos de amor, nos apaixonados, se reconhece os mesmos sintomas, não sendo por outra razão

que os enamorados comumente brinquem bastante. Um adulto movido pela infantilidade sempre é, no entanto, observado com censura, como um inconveniente, sobretudo quando isso não se manifesta apenas em breves momentos de lazer (sempre devidamente controlados, diga-se de passagem). Chega a ser vedado tal comportamento quando não se está junto apenas de crianças, no meio delas. Não reconhecer “a hora e o lugar” dos jogos é justamente o defeito apontado nesses adultos aparentes. A idade que Eros aparenta ter quando representado em sua forma infantil é bem adequada a essas características: uma criança pequena demais para ser inserida nos costumes, práticas e regras da vida adulta, compreendê-las e incorporá-las com convicção; grande o bastante para ter uma criatividade e uma energia incontrolavelmente pulsantes e habilidade para as mais incríveis peripécias, indiferentemente voltada para o que nos parece bom como para o que nos parece ruim, pois de tudo se pode tirar divertimento na medida em que tudo é gratuito, tudo pode ser fonte de fruição e prazer. Desse modo, Eros aproxima pelas mesmas armas que afasta ao promover disputas de amor – sim, pois, como deus do amor, Eros não apenas o promove, mas o impede e reverte em repulsa; tem total controle sobre ele, como expressa perfeitamente o mito de Dafne narrado por Ovídio (século I) no primeiro livro das Metamorfoses, versos 452- 567 (OVÍDIO, 1951, p. 34-43)10. Ou seja, Eros não tem regras nem

para si mesmo, pois está acima de toda lei, de toda divindade e

de toda natureza,conforme se encontra nos versos 365-379 do livro

quinto (OVÍDIO, 1951, p. 262-265)11. Nas palavras de Nietzsche:

“O que se faz por amor sempre acontece além do bem e do mal” (NIETZSCHE, 1996, p. 80, §153; 2012, p. 40); “o amor, concebido de modo inteiro, grande, pleno, é natureza e, como natureza, algo eternamente ‘imoral’” (NIETZSCHE, 2001, p. 265, §363; 2012,

10 Ver a história do amor de Apolo por Dafne também em Bulfinch (2001, p. 28-31).

p. 37). As ações de Eros, portanto, são injustificáveis e sequer exigem ou permitem explicação, o mesmo devendo valer para o que se faz sob sua influência.

Como a criança cheia de carinhos para com seus próximos e ao mesmo tempo inflexível contra o que repudia, Eros é menos sincero do que absolutamente desconhecedor do que de fato significam honestidade e polidez, valores meramente convencio- nais, civis – Eros é o que é. Eis o que inspira a íntima certeza de estar ou não estar amando: não há meio-termo. Crianças até certa idade, embora possam mentir para se protegerem, ser solícitas em troca de um agrado, dizem a verdade por não saberem enganar, e, se não sabem enganar, não é por virtude – quando a virtude se lhes torna possível, não importa a idade, a criança também está sujeita a vícios e capacitada para ludibriar –, mas porque ainda (e somente enquanto) não descobriram o cálculo da dissimulação, razão pela qual não podem ser “compradas” em seu afeto – quando muito, “flexibilizadas”. A educação, nesse sentido, é sempre um processo de (contra-)violência pelo qual se dá forma ao naturalmente informe, pelo qual se canaliza e otimiza instintos em detrimento da livre e antissocial potência natural. De todo modo, para sua própria conveniência, os adultos prontamente ensinam aos pequenos a barganha, e a tática utilizada já foi esboçada na introdução. Muito se romantizou em torno dessa suposta “transparência imediata” da criança, mas não é o caso aqui, pois não estou dizendo que as crianças são boas, tampouco que sejam más – são além do bem e do mal. Assim é que Eros, em sua divindade, se encontra acima da Natureza – Eros é rigorosamente sobrenatural. “Quando é concebido como ‘divino’, essa definição até lhe faz justiça, pois aquilo que é mais poderoso na psique sempre foi definido como ‘Deus’” – escreve Jung (2005, p. 15) em Símbolos da transformação, §98, e lemos posteriormente em sua autobiografia: “Significativamente o antigo eros é um deus, cuja divindade ultrapassa os limites do humano e por isso não pode ser entendido nem descrito [...], cuja influência se estende do céu até os abismos mais obscuros

do inferno” (JUNG, 2005, p. 32-33). Sua inconsequência decorre exatamente dessa incapacidade de olhar para mais além, tão cara aos “deliberativos” e “negociadores”, mas apenas para o imediato aqui-e-agora, sendo por isso chamada “irracionali- dade”, ou “falta de juízo”. O tempo próprio e essencial do amor é, por isso, sempre o presente – seu passado não pode ser senão

sempre presente e, seu futuro, para sempre presente, nisso residindo

sua tão comumente atribuída eternidade; tudo o mais é, se não apenas ignorado, esquecido.

O Amor, enfim, é “cego” também porque não vê o que

nós vemos nem rebaixa seu olhar até o nosso nível; por outro

lado, também não costumamos ver o que “ele vê” senão por “seus olhos”, o que, aliás, só é possível se formos suscetíveis à beleza – neste sentido, o amor requer “espírito”. “Eros é o deus que empresta aos homens os olhos de deus” (FRANCO, 2006, p. 95). Nesse ponto, devemos concordar com o que diz Rousseau (1992, p. 237) no quarto livro do Emílio: “Fizeram o amor cego porque tem melhores olhos do que nós e vê relações de que não podemos perceber”. Por isso mesmo merece suspeita a relação entre amor e alguma capacidade de ver o verdadeiro ou alguma outra coisa que suponhamos compreender racionalmente... Vale aqui citar novamente Jung, sentença extraída do §254 de

Psicologia em transição: “Na linguagem moderna, poderíamos

expressar o conceito de eros como relação anímica e o de logos como interesse material” (JUNG, 2005, p. 34). Mas, afinal, de que beleza se trata, aquela com que se estabelece uma “relação anímica” ao invés de um “interesse material”? Isto, nenhum dos mitos acima tentou responder, provavelmente porque quem os narrava e quem os ouvia soubessem muito bem, ou, muito pelo contrário, como nós, muito frequentemente os confundissem.