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16 Neoplatonismo e a beatitude despersonalizada na união mística

Vista de longe, a busca filosófica grega por uma unidade de princípio para todas as coisas e seu movimento chega a parecer uma estranha obsessão. Desde quando Thales afirmara ser a água até quando Heráclito afirmava ser o fogo; desde quando Platão afirmava ser a Ideia e, Aristóteles, o primeiro motor; desde quando os estoicos elegiam o Logos imanente até quando os neoplatônicos diziam ser o Um absolutamente transcendente, sem falar dos atomistas e sua “matéria indivi- sível”. A peculiaridade do neoplatonismo em meio a tudo isso consiste na mística explícita que vislumbrava a possibilidade de uma tal ascese que, a exemplo do nirvana budista, permitiria à alma retornar à unidade originária indefinível e inimaginável. Trata-se da possibilidade de, segundo a interpretação da mística cristã, identificar-se com Deus no sentido extremo da palavra. Ou seja, a possibilidade de o Deus que está em mim, a centelha de sua natureza que está na criatura que sou, tornar-se idêntico ao próprio Deus uma vez despido de tudo que não é divino18. O

cristão, no cume da ascese, como Cristo, é o próprio Deus: “eu e o Pai somos um”. Este passa a ser o sentido último da imitação de Cristo como seu ansiado coroamento.

Tal concepção combina elementos das mais diversas dou- trinas. Desde que o movimento é explicado como tendência à perfeição, concebida como eterno estado de imobilidade/ imutabilidade, as variadas doutrinas de mortificação, como já vimos em Clemente de Alexandria, reconheciam na ruptura com as paixões, ou seja, na apatia, na anestesia da alma, a superação do que, em nós, é sintoma de carência essencial. O propósito do ascetismo é, dito brevemente, fazer cessar o intranquilo movimento da alma para junto do que lhe é exterior e outro. Ao mesmo tempo em que se diz que tudo que se move é imperfeito,

se diz também, seguindo Aristóteles, que a própria natureza nos faz tender ao divino, muito embora jamais possamos alcançá-lo plenamente enquanto indivíduos que somos. Interrompido o movimento da alma imposto por qualquer coisa que não fosse o amor divino, teria lugar uma autêntica absorção por Deus, dirão os místicos. Isso seria possível mediante a graça de conseguir viver uma vida do espírito, não da carne, única forma de ter realizada em si a imutabilidade característica do divino. Como diz Plotino no §7 do mesmo tratado “Sobre o amor”, que torno a citar: “Só pode verdadeiramente se saciar quem pode atingir a plenitude por sua própria natureza. Mas o que é levado por sua própria indigência ao desejo, ainda que por um instante seja saciado, nada pode reter” (PLOTINO, 2002, p. 112-113). Afinal, o constante fluxo da vida não nos permite nada capturar.

Portanto, a oposição ao erotismo enquanto movimento (de alma para alma ou de alma para corpo) guarda em si a esperança de cessação de todo movimento, a qual, segundo se supõe, tem por efeito a vitória sobre nosso destino comum, para onde se dirige todo nosso movimento: a morte. Para tanto, devemos deixar de ser corpo para sermos exclusivamente espí- rito, ou, dito de maneira mais palpável, devemos deixar de nos reconhecermos como corpo para nos identificarmos com nossa verdadeira natureza indestrutível. Imóveis diante dos motivos das paixões, nos tornamos caritativamente moventes pela abundância do amor que vem de Deus, e nisto consiste dizer: amar as criaturas (somente) através de Deus; amar, nas criaturas, apenas Deus, ou seja, o que há de divino no fundo de tudo o que existe. Assim se retoma de modo definitivo a contradição a que me referi mais acima entre amor subjetivo (de um por outro) e amor objetivo (de cada um por todos) como sentido último da impessoalidade do amor caritativo divinamente inspirado e, portanto, como nova forma da cegueira do amor, a saber, o amor que não vê a quem, amor este incapaz de propiciar qualquer satisfação “mundana”. É inevitável que, nestas circunstâncias, o amor termine por ser extraviado em alguma excelsa forma

de amizade. Como escreve Arendt (2005, p. 61): “Dada a sua inerente natureza extraterrena, o amor só pode falsificar-se e perverter-se quando utilizado para fins políticos, como a transformação ou salvação do mundo”.

Em uma duríssima crítica à “metafísica do rosto do Outro” de Lévinas – um judeu, não um cristão, aliás –, cujo alvo espe- cífico não me interessa tanto quanto o pensamento mais geral aí alvejado, diz Schiffter (2012, p. 134-135) com propriedade:

Se encontramos, a cada dia, indivíduos cuja fisionomia não nos encanta, nem nos repugna, nem nos intriga, nem nos inspira a menor sensualidade, é porque passam despercebidos aos nossos olhos. Não ter nenhuma consideração pela expressão psíquica de uma mulher, de um homem, de uma criança ou de um idoso, legível em seus traços físicos, só corresponde a uma experiência relacional: aquela, banal, da indiferença em relação a um estranho.

Indiferença... Eis uma coisa que o amor não é, nem pode ser. Este diagnóstico deixa de parecer um exagero quando vemos, por exemplo, um carro na rua com um adesivo dizendo em letras garrafais: “Jesus te ama... e eu também!”. Muitos levantarão a voz para dizer, em defesa, que, ao invés de indiferença, se tem por esse “tu” o mais honesto amor e anseio de que se salve. Mas quem é esse “tu” que aquele “eu também” ama? Todos!...

Ninguém... Todos os “tu” que leem a mensagem à passagem

do carro, tanto quanto os “tu” que sequer a notam, passam, entretanto, absolutamente despercebidos como alguéns aos olhos cegos daquele “eu” que cumprira seu dever em espalhar a “palavra do amor” sem esperar contrapartida, sem se aper- ceber se foi notada ou não e por quem quer que seja – afinal, ele nada espera do “tu”; ora, “eu também” nada espero dele... e sigo adiante. Não será, também esta, uma fala sem escuta? Ali passou um cristão, mas terei recebido seu amor ou apenas uma palavra impressa aos milhares em uma gráfica qualquer? Com relação à filosofia lévinasiana da alteridade, Badiou ainda pondera que a experiência epifânica do “rosto do outro”, apoiada

em Deus como “Todo-Outro”, diz respeito a uma experiência da alteridade que é central a uma ética, que até poderia fazer sentido se o amor fosse um sentimento ético, mas “não há nada de especialmente ‘ético’ no amor como tal” (BADIOU; TRUONG, 2011, p. 31-32). Diz ele, no mesmo lugar, que o amor não seria “uma experiência na qual eu me esqueço de mim em benefício do outro, ele mesmo modelo neste mundo daquilo que em última instância me reconduz ao todo-Outro”. Ao invés disso, Badiou defende que o amor concerne à diferença de duas singularidades, tratando-se do Dois, não do Um, pelo que recusa toda concepção fusional.

Vimos o quanto Plotino contribui para essas formulações despersonalizantes e fusionais, embora não faça referências ao Cristianismo, mas a outras tradições estrangeiras que se somam a sua formação fundamentalmente grega. Todavia, egípcio e místico que era e tendo vivido em Alexandria, terra de Philo e de Clemente, que ainda vivia durante sua infância, é muito provável que Plotino tenha conhecido pelo menos o cristianismo copta, o cristianismo gnóstico. Em seu tratado “Sobre o amor”, segue de muito perto Platão, nele baseando sua exposição, indo, no entanto, muito além. Na verdade, à parte a acomodação da doutrina de Platão à sua, o mérito de Plotino não está tanto na originalidade do que é dito ali, mas na deli- cadeza cuidadosa com que, fora alguma confusão de detalhes,

sistematiza e preenche com sua própria orientação espiritual

as profundas lacunas deixadas na obra de seu antecessor. Se a leitura de Platão exige de nós, com relação ao tema do amor, algum trabalho em correlacionar e costurar elementos variados e dispersos, correndo imenso risco de errar ou deixar de notar alguma coisa, Plotino nos oferece tudo em uma perfeita ordem que, não sendo a de Platão, é a sua. Aliás, justiça seja feita, Plotino é o primeiro a realizar a tarefa de escrever um texto sistemático exclusivamente dedicado ao amor em sua essência e compreendendo seus diversos aspectos, o que é incrível em um tratado tão curto. Como que querendo colocar os pingos nos

“is”, inicia perguntando: “O Amor é um deus, um daimon ou um estado de alma?” – isto é, trata-se de Eros, de um intermediário entre deuses e homens ou de uma paixão, um pathos? – “Ou seria mais correto dizer que há uma espécie [de amor] que é um deus, outra que é um daimon e outra que é um estado de alma? E o que ele é em cada um desses aspectos?” (PLOTINO, 2002, p. 99). A primeira pergunta surge diante da difusa exposição feita por Platão; a segunda consiste naquilo que Plotino conclui de seu estudo de Platão mediante a sistematização pela qual responde à terceira pergunta. Trata-se então de buscar o correto estado de alma que cumpra a essência do amor e sua aspiração de eternidade e perfeição.

A união querida pelos amantes só pode ser perfeita – nisto Plotino se aproxima mais dos cristãos do que de Platão – quando se realiza junto ao próprio Deus incorpóreo. Da superação das paixões “indigentes”, contrárias à natureza ou voltadas apenas para coisas materiais, que não visam à geração, passa-se à supe- ração da necessidade de geração. Daí vem não somente a pura e casta amizade, mas a própria vida se passa a odiar. Sim, Plotino afirmava isto, uma vez que a vida corpórea é mera imagem da vida verdadeira do espírito. Conta-se até que, seguindo o platonismo até o limite mais extremo, recusando as imitações artísticas dos corpos como cópias ainda mais inferiores – tema dos mais polêmicos no diálogo A república – e, no entanto, infe- lizmente, mais duráveis, sequer se deixava retratar. Que resta da própria philia além da exigência de sua superação rumo à autossuficiência encontrável apenas na abnegada união com o estágio divino mais elevado, a absoluta assimilação no Outro como o Mesmo? Nesse processo, se cumpre a ascese do amor ao Bem e à Beleza em si. Aliás, o próprio outro enquanto tal vem a ser desprezado no processo de contínua desexteriorização do amor – e que se perdoe este dissonante neologismo.

No nono tratado da sexta Enéada, “O Bem ou o Um”, que encerra a obra organizada pelo discípulo Porfírio, lemos no §9:

Os que ignoram este estado, imaginem, pelos amores daqui em baixo, o que será encontrar o objeto mais amado, e saibam que os amores daqui são mortais e caducos, enganam e perecem, e que não são na realidade amores, nem constituem nosso bem, nem são o que buscamos. Lá está nosso verdadeiro amor e podemos unir-nos a ele participando dele e possuindo-o, se não saímos em busca dos prazeres da carne (PLOTINO, 1981, p. 95).

Diante disto, por que não odiar o mundo se nele não há verdadeira beleza e, portanto, verdadeiro amor, não sendo então possível para nós, na atual condição, a verdadeira felicidade, o verdadeiro bem? O próprio amor apolíneo e objetivo é privado de sua realidade, é esvaziado. Sob este aspecto, ao menos, a doutrina plotiniana do amor representa, a meu ver, o ápice da desesperança do amor na terra, se não o próprio desespero tornado filosofia – pior de tudo: não haverá de ser um caso isolado, devendo ser, por isso mesmo, lembrado. Pouco mais adiante, no §11, o último, lemos também, com grifo nosso:

[...] em sua ascensão não oferecia nem cólera nem desejo, mais ainda, nem razão, nem pensamento, nem sequer seu ser completo, senão que, como arrancado ou arrebatado de entusiasmo se encontrava numa tranquila calma; e não se separando da essência de Deus, nem voltando-se para si mesmo, permanecia

completamente imóvel ou era, melhor, a própria imobilidade; já não

o retinham as coisas belas, porque olhava por cima da própria

beleza; havia já deixado para trás o coro das virtudes, como quem penetra no mais sagrado do templo deixa para trás as estátuas

(PLOTINO, 1981, p. 97).

Se Eros é o olho que vê, devemos compreender que perdera sua serventia, mesmo porque não há mais objeto algum, não há sujeito, nem amado nem amante, nem alma (psyché) nem movimento amoroso (eros). A “visão”, aqui, é pura contemplação,

theoria, um tipo muito peculiar de visão (orein) propriamente

divina (theon) descoberta e advogada pelos místicos sob a rubrica de gnose. Por sua vez, a síntese se exprime em uma única palavra, que não haverá de ser “felicidade”, mas niilismo.

Fácil imaginar o efeito destas palavras sobre o Cristianismo de então, derivado de uma religião iconoclasta cujo primeiro mandamento proibia que se colocassem imagens (intermediários)

diante do deus, em cujo templo houvera um dia o restrito e silen-

cioso recinto que guardava as tábuas sagradas, representativas da própria presença da palavra divina, exclusiva intermediária legítima de Deus junto aos homens. Complementa Plotino (1981, p. 97-98), “é outra maneira de ver, como a que tinha no santuário: êxtase, simplificação, abandono de si”, terminando finalmente com as seguintes palavras: “distanciar-se das coisas deste mundo, sentir desgosto por elas, e fugir, só, ao encontro do Só”19.

Se mantivermos firme em nossa mente que filosofia, pen- samento, amor, não se dão no isolamento, perceberemos o fosso de profundidade infinita aberto entre Plotino e seu mestre, tão incomensuráveis, embora também indissociáveis, quanto são o silêncio e o diálogo. De fato, considero que ao amor, como à filosofia e ao pensamento, pertençam ou, melhor dito, sejam constitutivos um silêncio e uma solidão bastante peculiares, para cuja compreensão, no entanto, é necessário prosseguirmos mais um tanto em nossas reflexões. Por ora, parece o momento adequado para que se dê atenção àquilo que há de reativo nesse desespero místico que busca sua cura no próprio aprofunda- mento desse mesmo desespero. Longe de ser uma desesperança, o desconsolo com relação às coisas deste mundo é feito ponto de partida para a mais desesperada esperança de “além”, uma esperança platônico-cristã, como enfatizará Nietzsche, de outro mundo, até que, em Plotino, se torna esperança de mundo nenhum, um não-lugar onde nada acontece.

Isso certamente aponta para um conflito interno, talvez inerente à alma humana, no sentido de uma deformação de nosso amor cujas raízes se estendem desde a tenra juventude da civilização ocidental. Ao menos parece ser este o significado das palavras de Jung no §253 de seu livro Símbolos da transformação:

É difícil pensar que este rico mundo seja pobre demais para poder oferecer um objeto ao amor de uma pessoa. Ele oferece um espaço infinito para cada uma. É muito mais a incapaci- dade de amar que rouba das pessoas as oportunidades20. Este

mundo é vazio apenas para aquele que não quer direcionar sua libido às coisas e às pessoas, tornando-as vivas e belas para si mesmo. Portanto, o que nos obriga a criar um substituto a partir de nós mesmos não é a carência externa de objetos, mas sim nossa incapacidade de nos envolver amorosamente com algo fora de nós. [...] Uma parte da alma quer o objeto externo, mas a outra quer voltar ao mundo subjetivo, onde nos acenam os palácios leves e facilmente construídos da fantasia (JUNG, 2005, p. 17-18).

Nietzsche, por sua vez, no §129 de Humano, demasiado

humano, chegara a conclusão similar partindo do pressuposto

(talvez, apenas à primeira vista) inverso: “Não há no mundo amor e bondade bastantes, para que ainda possamos dá-los a seres imaginários” (NIETZSCHE, 2006, p. 92; 2012, p. 12). Lidas em conjunto, as palavras de Jung e Nietzsche como que dizem: cabe-nos amar neste mundo e o que lhe pertence – a alternativa: abandoná-lo ao empobrecimento. Ademais, já não é tão incom- preensível que o mundo careça de amor e bondade após tantos séculos de exigências de que dirigíssemos nossos olhos para o além-mundo ou mesmo para o não-mundo da visão mística, e isto como pretensa cura para um ódio preexistente contra a vida feita de fatalidades. Será o empobrecimento ainda maior da vida (que para tantos já vale tão pouco) um preço justo para a salvação pessoal, ou mesmo para a redenção definitiva da abstrata humanidade – uma assumida crença?

Parecem, enfim, muito acertadas as contundentes pala- vras de Nussbaum (1998): “Uma sociedade que quer reduzir o ódio e a violência deve ter, então, razões para desencorajar o amor”. De fato, não é outra coisa que vemos em curso desde Platão, movido por expressas e as mais altas pretensões de estadista. Se o amor de pessoas impele à voluntariedade, à

obstinação, à parcialidade, e a isto se vinculam supostamente ódio e violência, desencorajá-lo, seja como pecaminoso, mes- quinho ou até contrário ao interesse público pode suscitar legítimas suspeitas de que sob tais propostas haja algo muito mais profundo do que o desespero a que me referi, ou ainda, que as mais hediondas aberrações políticas procedam disso mesmo. A esse respeito, diz Adorno:

Hoje em dia qualquer pessoa, sem exceção, se sente mal- -amada, porque cada um é deficiente na capacidade de amar. A incapacidade para a identificação foi sem dúvida a condição psicológica mais importante para tornar possível algo como Auschwitz em meio a pessoas mais ou menos civilizadas e inofensiva (ADORNO, 1995, p. 134).

A julgar pela postura que Nussbaum (2004) adota em face do projeto de Platão na República – sobre a qual, diga-se de passagem, eu faria não poucas ressalvas –, pode-se supor que ela partilha destas suspeitas, já antecipadas por Freud. Aliás, diz ela a respeito do Ulysses, de James Joyce: “Vinculando o idealismo religioso ao antissemitismo e o amor de Bloom pelo corpo a um amor pela humanidade em geral, Joyce indica, também, que a tradição ascética pode ser uma causa de ódios sociais, ao invés de sua cura” (NUSSBAUM, 1998).

Mas então, se o problema está no ímpeto dos amantes, não tanto no amor em si mesmo, por que não se restringiu a Filosofia à análise do amor isolando-o de suas eventuais impli- cações casuais em corações egoístas em vez de, pelo contrário, mantê-las como imperfeição típica e essencial do amor humano, buscando-se, para isto, alguma explicação? Talvez porque se tenha reconhecido nisto mesmo algo estranho, mas de grande interesse: uma sede tão profunda, tão insaciável, que tornaria propícia a maior das seduções, qual seja, a crença esperançosa de que há um néctar inextinguível para saciá-la, de cuja fonte, aliás, provém a própria sede. Mas isto, ao menos por enquanto, fica como suposição. O fato é que o desencorajamento do amor a que se refere Nussbaum não implicou jamais em sua supressão,

mas em outra atitude, segundo ela mesma o diz e aqui se assume: “Os filósofos da tradição ocidental estiveram, por conseguinte, preocupados com o projeto de construir uma reforma ou ‘ascese’ do amor que nos capacitaria reter seu mistério e sua beleza enquanto o purificava de excessos deformadores” (NUSSBAUM, 1998). Parece-me que este projeto, pretensa cura oferecida pelos “purificadores do amor”, jamais fora tão amplamente edificado até Agostinho, cujo pensamento, portanto, merece demorada análise, tanto quanto nele se deixa vislumbrar o caráter suma- mente paradoxal do remédio, cujos efeitos colaterais parecem ser, eles mesmos, os princípios ativos da “cura”.