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Para que a psicologia cristã do amor seja mais bem com- preendida em seu apelo ao mais ordinário dos desvarios do desejo – o desejo egoísta que, pesando, quer descanso –, devemos dar atenção a como se constrói e estabelece a hierarquia de valo- res no amor mediante a hierarquização de seus objetos segundo a ontologia já apresentada mais acima. Preliminarmente, é notável que, com o Cristianismo, a arcaica divindade do Amor é reconfigurada de maneira que, de mero intermediário na produção e reprodução da vida, o Amor é convertido em uma espécie de causa-primeira. Seu significado fica ainda mais confuso na medida em que não apenas temos “objetos” de amor,

coisas mais dignas ou menos dignas de serem amadas; o amor ele mesmo é, agora, um objeto – amando-se, ama-se o amor por amor dele mesmo. Por fim, a doutrina do livre-arbítrio, que enfatiza a vontade somente como princípio de ação, submete a liberdade de amar – ou, melhor dizendo, a liberdade do amor – não apenas a um chamado ontológico essencial, mas, antes de tudo, a um dever moral. Nesse contexto, “é uma só e mesma coisa dizer que Deus é digno de ser amado, que ele move os seres, que ele causa o movimento destes em direção a ele ou que ele cria neles o próprio amor com o qual eles o amam”, concebendo-se “uma circulação do amor, que parte de Deus e leva de volta a ele”, de acordo com o que dirá Tomás de Aquino em seu livro sobre os nomes divinos (GILSON, 2006, p. 352).

Para Gilson (2006, p. 353), trata-se da tentativa de superar uma limitação das morais gregas que, voltadas “ao plano do homem e das suas relações com bens finitos”, não teriam encon- trado um “problema metafísico do amor a resolver”, podendo ser estimadas “como esforços para paliar um mal inevitável e tornar suas consequências tão pouco nocivas quanto possível, sem nutrir de resto nenhuma esperança de suprimi-lo”. De fato, o que se encontra nas falas de Sócrates nos diálogos platônicos é um tratamento metafísico, sim, mas para os problemas da cultura política – no Fedro – e da natureza do ímpeto para o saber – no Banquete –, não para um problema do amor como tal, como “objeto” de questionamento. Ora, desde a introdução a este livro anuncio um problema fundamentalmente meta-

físico do amor, mas, entretanto, de modo algum penso que

uma “solução” possa ser encontrada no modo grego de fazer metafísica. Tampouco nutro a pretensão de “suprimir” o dito “mal inevitável” do querer humano. O que se segue deverá servir como bom exemplo do que acontece quando se pretende resolver um problema metafísico não grego apelando para o modo grego de resolver seus problemas metafísicos.

Falando em “peso”, Agostinho toma emprestado à física grega uma doutrina da qual extrai uma curiosa analogia. Aristóteles consagra a tese de que o movimento dos corpos exprime uma tendência intrínseca ao repouso atingível quando da exaustão de suas potencialidades. A potencialidade consiste em tudo aquilo que algo pode vir a ser e, por conseguinte, esgotar as potencialidades significa atingir o máximo da perfeição própria a cada coisa e, nesse caso, aquilo que é eternamente perfeito é, por definição, eternamente imóvel. É justamente por isso que Aristóteles rejeita as doutrinas criacionistas segundo as quais a uma causa-primeira perfeita e eterna seja cabível produzir o que quer que seja, uma vez que a compreensão grega de “causa” era bem mais ampla do que a atualmente corriqueira – “causa” significava “tudo aquilo em virtude de que algo é o que é e como é”, não necessariamente o que o produz (causa eficiente). O conhecido “primeiro motor imóvel”, posteriormente identificado com o Deus cristão enquanto causa-primeira, forma absolutamente perfeita do Bem, fonte da vida e finalidade da existência a que tudo tende, contemplação pura, é facilmente reconhecido nas palavras de Gilson quando explica a doutrina tomista da circulação do amor “de bono ad bonum”. Aliás, Tomás de Aquino, com sua sutileza filosófica, dá a palavra final na platonização de Aristóteles em benefício da teologia cristã seguindo o pressuposto de que a Natureza é também um produto, um artifício. No entanto, Agostinho muito antes já dissera, ao fim das Confissões, livro XIII da segunda parte, capítulo 37, §52: “Senhor, Vós sempre estais ativo; sempre estais em repouso. Não vedes, não Vos moveis, nem descansais, conforme o tempo” (AGOSTINHO, 1996, p. 415-416).

Além disso, Aristóteles ensinara que há movimentos naturais, que o que é pesado tende para baixo e o que é leve tende para cima, como que se dirigindo a seu respectivo “lugar natural” onde encontra repouso. Como é de se esperar, dir-se-á que os corpos tendem para baixo como as almas tendem para o alto. À luz de doutrinas como esta, Agostinho conceberá o amor

como “peso da vontade”, ou seja, o que a faz tender para as coisas inferiores ou para as coisas elevadas, para as impuras como para as puras, conforme indicado no mesmo livro XIII das Confissões, sugestivamente dedicado ao tema da paz. (Afinal, o erótico é justamente apresentado como uma força que dirige uma coisa para outra, o princípio de nossas inclinações, ou seja, de nossos desejos.) Mais precisamente, o título do nono capítulo é “O peso do amor” e, em seu §10, podemos ler: “O corpo, devido ao peso, tende para o lugar que lhe é próprio, porque o peso não tende só para baixo, mas também para o lugar que lhe é próprio. Assim o fogo encaminha-se para cima, e a pedra para baixo. Movem-se segundo o seu peso. [...] As coisas que não estão no próprio lugar agitam-se, mas, quando o encontram, ordenam-se e repousam” (AGOSTINHO, 1996, p. 382-383). Conforme dito por Agostinho mais acima, nosso descanso é encontrado em nosso lugar próprio, o seio da divindade que, de acordo com as primeiras palavras das Escrituras, pairava sobre as águas do abismo.

Tudo isto traduz, no fundo, um espírito cultural perdido para nós, modernos: que a finalidade do nosso trabalho seja o descanso. Hoje em dia, ao contrário, inspirados pelos ideais de progresso ininterrupto das ciências na História e aumento de riquezas, abandonamos a esperança na “perfeita tranquilidade” como possibilidade deste mundo, mesmo que nos já difíceis moldes da felicidade aristotélica, substituindo-a pela ânsia de satisfação de necessidades imediatas e pontuais. Como consequ- ência, ou antes como causa disso, temos a inversão do espírito antigo: agora, o descanso é simples meio para a continuidade do trabalho, não mais sua finalidade; o ócio se torna momento propício à geração de novas necessidades imediatas e pontuais. Esta breve digressão deve servir de imagem útil à compreensão tanto do ideal de repouso quanto do horror à inquietude, que certamente, ainda hoje, desempenham papel decisivo em nossos modos de amar, mas deixemos isto por enquanto e retomemos o fio da discussão principal.

A analogia feita por Agostinho merece ser qualificada como, no mínimo, “extravagante”, mas não pelo fato de tal física haver sido contradita pela ciência moderna. As ciên- cias naturais, em sua refutação dos antigos, não têm poder algum contra o significado da analogia, que antes procura responder por nosso sentimento de decadência e aflição e por nosso anseio de elevação e paz. (Sim, anseios e esperanças são sobremaneira inquietantes!) A física aristotélica, tomada poeticamente, torna-se ainda mais poderosa na medida em que não mais nos reconhecemos como parte de uma natureza bruta e inflexivelmente predeterminada com precisão matemática. Devemos ter em conta que Aristóteles e demais pensadores antigos não tinham em mente apenas oferecer explicações para fenômenos visuais como o fogo que sobe e a pedra que cai recorrendo a teorias ingênuas baseadas em meras aparências. Pelo contrário, tratava-se de ir aos fundamentos metafísicos dos fenômenos e a grandeza das teses a que se chegou só pode ser adequadamente notada quando considerado o conjunto do sistema a que pertencem. Que Newton tenha provado que todo corpo pesado dirige-se para baixo, e que o próprio peso é uma grandeza não absoluta, mas relativa à atração gravitacional, além de não impedir que balões continuem a subir como tudo que seja mais leve do que o ar – fenômeno para o qual outra lei explicativa teria de ser formulada –, nada diz acerca das coisas espirituais. A extravagância da analogia agostiniana reside no fato de ele haver superado a ousadia aristotélica e então formu- lado uma tese sobre o amor com base na Física! Bem entendido, a filosofia cristã, como Platão, busca para o amor uma causa, uma explicação – mais do que isto: julga havê-la encontrado! Como isso aconteceu é fácil de entender: herdou-se dos gregos o pressuposto de que tudo no mundo seja regido por um único princípio, ou seja, de que as leis válidas para o mundo natural remetem a uma ordem supranatural radical que lhes serve de modelo, e tal pressuposto é tão compartilhado que vemos Aristóteles dar as mãos a Platão com plena convicção. Para os

antigos, portanto, a natureza deverá se refletir na sociedade em virtude do caráter absoluto de seus fundamentos.

A antiga tese de que o amor preside nossa adesão e união às demais coisas do mundo e ao que se encontra para além dele é agora ressignificada de modo que o amor, identificado à causa-primeira da Natureza, seja ele mesmo a causa de todo movimento. Daí se segue a famosa sequência às palavras de Agostinho que lemos há pouco: “O meu amor é o meu peso. Para qualquer parte que vá, é ele quem me leva” (AGOSTINHO, 1996, p. 383). Acontece que partimos para junto de muitas coisas, para muitos “lugares”. Se é sempre o amor a nos levar para aqui e acolá e se o amor é sempre o mesmo, de um lado temos que tudo é de algum modo digno de ser amado, visto que é Deus, em última instância, que nos guia, mas, por outro lado, nem todo lugar é o nosso lugar próprio. Como dirá Descartes, o erro não se origina de nossa incapacidade para conhecer, mas dos juízos que formamos acerca do que se nos dá a conhecer. É então necessário o exercício de uma liberdade de arbítrio orientada pelo conhecimento verdadeiro a fim de que a graça divina se cumpra em nós. “É vosso fogo, o vosso fogo benfazejo que nos consome enquanto vamos e subimos para a paz da Jerusalém celeste. [...] Lá nos colocará a ‘boa vontade’, para que nada mais desejemos senão permanecer ali eternamente” (AGOSTINHO, 1996, p. 383). Dada a finalidade desse movimento – Aristóteles já havia estabelecido a felicidade como causa final de todo agir, o que se busca como resultado último em toda ação, consis- tindo tal felicidade, em sua máxima possibilidade, no repouso contemplativo –, Boehner e Gilson (2008, p. 189) reconhecem no amor “a alegria ontológica mais profunda”, que “não pode deixar de atuar, até mesmo na ausência do seu objeto”. Mas, para o cristão, o amor é também a causa formal e até mesmo eficiente de tudo o que existe. “Neste caso”, prosseguem eles, o amor

visa ao ignoto e ao distante; torna-se uma espécie de nostal- gia ou saudade do amor: tem-se amor ao próprio amor. [...]

Se há um problema, este não diz respeito ao amor como tal, nem à necessidade de amar, mas unicamente ao objeto do amo (BOEHNER; GILSON, 2008, p. 189).

Assim sendo, a hierarquia de valores atribuídos aos vários objetos serve de parâmetro para o estabelecimento de uma ordem do amor pela qual os objetos são dispostos uns acima dos outros segundo sua pretensa proximidade do divino, ou seja, do universal e eterno. Eis também a medida pela qual se valora os prazeres puros e os impuros nesse amor platônico.

De início, não parece que a valoração seja objetiva. Não pretendo que o leitor admita sem maiores argumentos que

toda valoração é subjetiva, que os objetos não são dotados de

valor intrínseco absoluto, independente do modo como nos afetam em particular – como ser humano e como professor de Filosofia, sei o quanto isso é geralmente difícil de ser aceito em casos extremos. Pretendo, sim, fazer notar que o que se encontra subestimado nessa escala de valores corresponde diretamente aos graus de aflição e conflito experimentados pelo homem, pelo próprio Agostinho. Diz ele com clareza no §1 do primeiro capítulo do terceiro livro da primeira parte das

Confissões, quando recorda seu período de estudos em Cartago:

Ainda não amava e já gostava de amar. [...] Gostando de amar, procurava um objeto para esse amor [...]. Não tinha fome desta fome [de alimento interior], porque estava sem apetites de alimentos incorruptíveis, não porque deles transbordasse, mas porque, quanto mais vazio, tanto mais enfastiado me sentia. Por isso minha alma não tinha saúde, e, ulcerosa, lançava-se para fora, ávida de se roçar miseravelmente aos objetos sensíveis (AGOSTINHO, 1996, p. 79).

Agostinho via-se como tendo estado sob o jugo de Eros ao longo de sua juventude e retrospectivamente atribui a isto sua aflição, bem como a seu não compreendido desejo do ines- gotável, um sinal da atração exercida pelo amor de Deus. Tal incompreensão o teria levado ao equívoco de buscar prazer físico nos corpos quando deveria encontrar nas almas objetos de sua

amizade. Por isso, diz ele, com grifo nosso, “ainda que alegre,

enredava-me nos laços das tribulações para ser flagelado pelas

férreas e esbraseantes varas do ciúme, das suspeitas, dos temores, dos ódios e das contendas” (AGOSTINHO, 1996, p. 80). Como dizem

Boehner e Gilson (2008, p. 291) acerca dos ensinamentos de Bernardo de Claraval, que segue a mesma orientação: “O coração humano ama as coisas terrenas por crer encontrar nelas a sua felicidade. Entretanto, tais coisas externas não só não conseguem satisfazê-lo, senão que, ao contrário, o tornam infeliz”.

Fica bastante evidente a confusão de Agostinho, que não é uma prerrogativa dele, mas o mais eloquente lugar-comum em tudo que há muito se diz do amor e seus “males”: o objeto de desejo leva toda a culpa pelo fato de nós não conseguirmos lidar com nosso próprio amor por tais objetos. Eis o equívoco

primordial no que concerne às coisas do amor humano que, dito

de outro modo, pode ser assim resumido: impotentes perante as exigências do amor, inventamos uma razão objetiva para um mal estritamente subjetivo, inalienável por sua própria natureza. Em vez de buscarmos correção para nós mesmos – seja lá o que isto signifique –, procuramos corrigir nosso amor – isto é, adequá-lo a tipos de objeto a cada vez que nos surpreendemos impotentes para adequar os objetos às expectativas que também inventamos a seu respeito – como se tal poder estivesse a nosso alcance. A obstinação moral, em verdade, nos dá apenas a ilusão de consegui-lo, uma ilusão de poder. Tal ilusão ganha muito mais força quando a impossibilidade de acomodar o objeto às nossas expectativas é também vista como uma falha no objeto, como se se tratasse de uma madeira nodosa, imprópria à nossa carpintaria afetiva, como nos casos tão corriqueiros do “filho ingrato” ou do “amado descuidado”. É dessa ilusão que padece a tradicional filosofia do amor e, quiçá, toda ética pautada no princípio de felicidade, incluindo o utilitarismo. O ciúme, a suspeita, o temor, o ódio, a contenda, aflições de um sujeito que supõe terem seu motivo no exterior, jamais podem ser aplacadas por qualquer alteração nos objetos, verdade que Agostinho conhece muito

bem, mas se engana gravemente ao pensar que o problema está em “amar errado”, ou mais que isso: gostar de amar, ainda sem amar (de ou na verdade, o verdadeiro).

Ora, mas nem toda sexualidade, por exemplo, já vimos, é condenada no Cristianismo como espécie de “amor errado”. No entanto, também vimos que nenhuma sexualidade cumpre o papel de nos satisfazer de uma vez por todas, justamente porque o matrimônio pertence à nossa condição decaída e, assim, encontra-se sempre envolto em tribulações próprias à vida exterior, corpórea. Isso é discutido por Agostinho (1996, p. 63-65) no segundo capítulo do segundo livro das Confissões, §2: “nas relações de alma para alma, não me continha a moderação, conforme o limite luminoso da amizade, visto que, da lodosa concupiscência da minha carne e do borbulhar da juventude, exalavam-se vapores que me enevoavam e ofuscavam o coração, a ponto de não se distinguir o amor sereno do prazer tenebroso”. Prossegue ele no §3, citando Paulo e o Evangelho:

Quem me fixaria um limite às suas delícias, de tal maneira que as ondas da minha idade se agitassem de encontro à praia do matrimônio – já que doutro modo não era possível a tranquilidade – e encontrassem o fim natural na geração de filhos, como prescreve a vossa lei, ó Senhor, que criais a descendência para nossa raça mortal. [...] “É bom para o homem não tocar em mulher alguma”; “o que não tem esposa pensa nas coisas de Deus e em como lhe há de agradar; o que está unido em matrimônio pensa nas coisas do mundo e em como há de agradar à esposa”. [...] Se tivesse vivido eunuco ‘por amor do reino dos céus’ esperaria agora, feliz, os vossos abraços.

Temos aí, pois, três níveis bem distintos na hierarquia que balizam todo o resto. (Não me deterei no perturbador detalhe de que o casamento se transforma em uma espécie de desafogo do instinto sexual mediado pela moderação... Que isto seja deixado à reflexão do leitor.) Como a Física antiga conserva-se aqui como modelo teórico?

Na ordem dos fins da natureza, a perfeição ocupa o pri- meiro lugar. Consistindo em um estado de não privação, de não

necessidade, o perfeito é imóvel, o que significa dizer que tudo tende, move-se por ele e para ele, enquanto ele mesmo não é movido nem causado por nada – trata-se da causa-primeira ela mesma, fonte de todo bem e beleza. Na ordem dos fins da ação, à perfeição corresponde a abundante e imperturbada felicidade. O primeiro motor imóvel de Aristóteles é como a mais feliz inteligência para a qual toda inteligência quer se dirigir, mas seria absurdo atribuir a Aristóteles a ideia de que se deve amar o primeiro motor – a própria enunciação disto não soa bem. Para o cristão, por sua vez, querer a felicidade é querer a Deus, o que exige querê-lo como fim último, e não como meio para a própria felicidade pessoal, sendo este o significado de querer a Deus, amar a Deus, não por si próprio, mas exclusivamente

por ele mesmo. Tudo o mais que se pode amar no mundo, seja

corpóreo, seja espiritual, se deve amar em nome e em vista de Deus, o fim último e princípio do amor como tal. Eis o que deve distinguir a amizade comum da autêntica caridade: “A caridade

consiste principalmente num peso interior, que atrai a alma para Deus” (BOEHNER; GILSON, 2008, p. 189). Na amizade comum,

por amor de nós mesmos, tomamos prazer pessoal no convívio com o outro, o usamos como uma coisa qualquer que está lá para consumirmos e extrairmos satisfação.

No entanto, a própria caridade não realiza a finalidade do amor, pois está restrita à possibilidade de igualdade entre amante e amado, como é o caso da philia grega. Amar ao próximo como a si mesmo nada mais é do que amar a quem se encontra ou pode se encontrar em um mesmo nível conosco, seja por nos elevarmos a ele, seja por elevarmos ele até nossa posição.

Amar a Deus, porém, é amar o bem como tal. Já não pode haver questão de igualdade entre o amante e o amado. Para amar a Deus convenientemente, devemos amá-lo de modo absoluto, isto é, não com igualdade, mas com desigualdade. O que significa, em primeiro lugar, que importa amá-lo mais do que a nós mesmos. E ainda: de modo absoluto, sem esperança de retribuição e sem comparação. No amor inter-humano a justiça reclama a igualdade. A mesma justiça exige que Deus

seja o objeto absoluto do nosso amor. Pelo que devemos amar a Deus de um modo absoluto e infinito. A medida do amor a Deus é o amor sem medida (BOEHNER; GILSON, 2008, p. 190).

Aqui se insinuam outros princípios éticos, tais como o da equidade e o do mérito, que sem dúvida aplicamos na clas- sificação de nossas relações afetivas. Assim, o amor infinito de Deus por si mesmo é o modelo de amor que move nosso amor

para ele, sendo por este último movido nosso amor pelos homens

enquanto semelhanças de Deus, dele diferentes infinitamente, porém iguais entre si e iguais a nós mesmos. Trata-se, simples-