• Nenhum resultado encontrado

2. REVISTA A ORDEM: A ELABORAÇÃO DO ANTICOMUNISMO NA

2.3. Revista A Ordem: a formulação e disseminação do discurso da Igreja por meio do

2.3.7. A Guerra Civil Espanhola, o Anarquismo e o Comunismo

Outro aspecto importante na confluência de ideias opostas que caracterizou o período do Entreguerras foi a Guerra Civil Espanhola (1936 - 1939). Como um dos movimentos mais expressivos da disputa entre as forças da direita e os grupos da esquerda, esse conflito opôs liberais, socialistas, comunistas e anarquistas; à direita conservadora, aliada ao Exército, com o apoio do alto clero da Igreja Católica. A implantação do governo Republicano em 1931, com a separação entre a Igreja e o Estado, junto a medidas de reforma social favorecendo a participação de grupos camponeses e operários, foi o estopim da Guerra Civil. Como afirma Salvadó185 “foi o início de uma era de radicalismo político, extremismo ideológico e crise econômica mundial nunca antes vistos”.

É neste impasse que o catolicismo permitiu arregimentar e coordenar as forças conservadoras contra os grupos de esquerda, ajudando a formar a mentalidade social que fortaleceu o posicionamento dos grupos a favor de medidas nacionalistas, conservadoras e autoritárias. Com a vitória de Franco a Igreja passou a retomar suas prerrogativas antes perdidas, como o controle da área educacional, a ajuda financeira por parte do Estado e a abolição da constituição republicana laica. Fez ressurgir também um governo que contava com a participação do poder eclesiástico, no que Salvadó definiu como um “catolicismo nacional”. 186

Ao apostar nos nacionalistas, a Igreja assumiu um papel nos assuntos do Estado semelhante ao que tinha no século XVI. A publicação pela hierarquia católica espanhola, em julho de 1937, de uma carta coletiva para os bispos do mundo não foi apenas a declaração oficial de sua posição partidária, mas

185

SALVADÓ, Francisco J. Romero. A Guerra Civil Espanhola. Tradução de Barbara Duarte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 54.

186

96 também um vital golpe de propaganda. A Igreja confirmou seu papel como principal propagadora da visão maniqueísta dos nacionalistas a respeito da guerra e responsável ideológica por sua legitimidade. 187

A Revolução Espanhola então foi um tema também abordado na revista ‘A Ordem’, muitas vezes, se fazendo referência ao predomínio do comunismo.

No artigo “O Anarchismo na Hespanha” de Aniano R. de La Pena 188, a origem desse novo sistema político no país ibérico se deu por causa das ideias anarquistas, porém, não sendo a única teoria que culminou no surgimento das “doutrinas terroristas” na Espanha. Pena deixa evidente que esse sistema só foi possível devido à atuação dos governantes, uma vez que a incapacidade do sistema liberal na legislatura fez com que não se reagisse contra as tomadas decisivas da República. O anarquismo seria o que predominava na Espanha, porém, seria importante analisar a política espanhola partindo da difusão das ideias socialistas e comunistas que tiveram início no século XIX, com sua elaboração nos congressos das Internacionais.

Segundo o autor, o que se poderia perceber no contexto político espanhol seria a emergência dos princípios comunistas, segundo a necessidade de analisá-lo “penetrando nas afinidades da psicologia revolucionaria, ponto de convergência das três Internacionais”. 189 O anarquismo, o comunismo e o socialismo, as “doutrinas proletárias” seguem a doutrina de Bakunin, através do “Catecismo Revolucionario” onde estão os princípios dos insurretos:

O anarquista deve conhecer uma ciencia: a ciencia da destruição. Todos os sentimentos de afeto, de amor, de gratidão, devem ser sufocados na alma. Dia e noite, seu unico pensamento será a destruição impacavel, terrível, completa, universal....190

Para o autor, o que predomina na Espanha seria o “Anarquismo Revolucionario” que possui “elementos terroristas” e, por isso mesmo, não se denomina como um partido político, mas fazia parte do “Partido Internacional Proletario”, se organizando em “celulas libertarias” que se difundiram através das organizações sindicais em regiões de “pobres e incultos”. Este teria sido o caminho preparado para a infiltração do proselitismo comunista.

187 Idem.

188 PENA, Pe. Aniano R. de la. O Anarchismo na Hespanha. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 78, p. 421, mai. 1937. 189

Ibidem, p.423. 190 Idem.

97 Nesse raciocínio, o autor utiliza e faz referência à obra de Cesar Lombroso “Los Anarquistas” em que se afirma que na maioria dos anarquistas prevalece essa atuação por um caso patológico de “criminosos comuns” e, pela inaptidão de se adequarem à sociedade:

A maior parte dos anarquistas são indivíduos de cérebro pouco evoluídos, infelizes alienados em gráus diversos... seres dignos de lastima, aos quais as influencias do meio (antepassados, família, sociedade...) lançaram ao crime ou á loucura. 191

Para Pena existiria uma homogeneização da propaganda anarquista quando se observa as expressões artísticas das obras na Rússia, Espanha, do México e do Brasil. Nestas produções se pode constatar a precariedade “moral e artística”, como também a inexistência de valores sublimes e nobres se podendo observar: “o mais hediondo, juntamente com o comunista, que a maior inteligência judaica não poderia imaginar”.192

O antissemitismo foi tornado um dos pontos importante da análise de Pena, pois se referindo aos “escrúpulos do judeu vagabundo” – Trotsky –, também alude aos judeus e por sua vez, aos participantes de trás de toda essa articulação das revoluções internacionais socialistas e comunistas vigentes:

Sendo o judaismo o mentor deste retrocesso mental, quem deseja conhecer o espirito aniquilador que o anima, deve-se interessar-se por conhecer o fim a que tende tanto o anarquismo como o comunismo, assim como os meios postos ao serviço deste ideial de loucura. 193

A nova situação política com a Revolução Espanhola se deveria, por conseguinte, às influências e ações do anarquismo que, ao serem permitidas ao país, favoreceram a entrada das ideias e ações do comunismo. Tudo isto seria consequência do “capitalismo judaico” que forneceu a base para a “revolução internacional”, assim como a precariedade do sistema político espanhol, com seus “políticos traidores e criminosos”, antinacionalistas que teriam permitido desestabilizar o governo e os setores financeiros do pais, somados à ação conjunta do judaísmo e da franco-maçonaria”. 194 191 Ibidem, p. 425 192 Ibidem, p. 432. 193 Idem. 194 Ibidem, p.439.

98 A Igreja Católica atuou de modo adentrar na sociedade de forma mais concreta através da formulação de um capital simbólico e por meio de uma rede de sociabilidade intelectual de leigos, que forneceu subsídios para todas as demandas da Igreja na sociedade e nos campos educacional, político e religioso. Este capital foi difundido por meio da Ação Católica, que se formou como uma instituição dentro da própria Igreja – poderíamos dizer que a Ação Católica foi a grande solução e a vanguarda no combate contra todo o perigo que os inimigos reais e fictícios da Igreja poderiam apresentar, principalmente o Comunismo, na questão social.

A Ação Católica se colocou no lugar de discernir o bem do mal, duas forças antagônicas em que organizou seu discurso onde elencou os perigos da modernidade. As novas organizações sociais, ou mesmo outras associações não ficaram de fora, como foi o caso do Rotary e da Maçonaria, que iriam ser apontados como organizações que favoreciam proliferação das ideias comunistas.

A ameaça vinda por intermédio de qualquer filosofia, religião ou até mesmo alguma organização social era, por consequência, motivo de advertência à Igreja Católica. O que observamos nos artigos da revista do Centro Dom Vital – ‘A Ordem’ – foi a preocupação em deixar evidente quais eram seus inimigos contemporâneos, e alertar, através desse veículo de comunicação, o mal que seus inimigos de outrora poderiam ocasionar. No caso, o comunismo foi elencado como a principal face desse mal após o Levante de 1935.

Porém, com a constatação de que o catolicismo e o comunismo eram duas categorias que estavam em posição de disputa cultural e política foi realizado que o comunismo só poderia ser combatido por meio de uma linguagem que compartilhasse os mesmos regimes de estratégias e de ações daquele, logo, surgiria nessa expectativa a rearticulação do anticomunismo católico.

Depois disso, cabia também organizar a resistência a este inimigo e, salientar que a desordem tenderia a reaparecer, sempre camuflada, por intermédio de organizações de cunho internacional. Seria fornecido por meio do comunismo, o exemplo de todo o mal que o imperialismo, o racionalismo e o anticristianismo poderiam acarretar à sociedade brasileira.

99

CAPÍTULO III

E o Rio Grande do Norte, que tem na sua historia, tantos martyres da fé e da Eucharistia só podia ter por Jesus-Hostia um ardente devoção, para se tornar digno dos seus maiores. Enquanto existirem em nosso Estado almas capazes de comprehender o heroismo christão dos martyres de Cunhaú e de Uruassú e de repetir a phrase que santificou a bravura de Mathias Moreira – “Louvado seja o Santissimo Sacramento” – podemos estar tranquillos que as portas do inferno não se abrirão para nós nem as milicias communistas do demonio invadirão os nossos lares e talarão os nossos campos.

Jornal A Ordem, 1937. 195