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2. REVISTA A ORDEM: A ELABORAÇÃO DO ANTICOMUNISMO NA

2.1. A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro

A ideia de espaço social, trabalhada conforme Pierre Bourdieu,88 nos servirá, para analisar nosso objeto de pesquisa, na medida em que procuraremos empreender a busca da gênese de um discurso que inclui o anticomunismo, junto com a análise das dinâmicas que resultaram na reprodução de suas representações. Por meio da compreensão das estruturas desse espaço social e dos seus mecanismos de reprodução, julgamos poder compreender as particularidades da atuação e das diretrizes sociais da Igreja Católica na década de 1930.

Buscaremos, por conseguinte, definir um espaço simbólico católico que foi instituído por uma dinâmica própria, que incluía o anticomunismo e, na qual seus agentes se reconheceriam reciprocamente numa constante produção e reafirmação representativa.

Analisando a formação do pensamento católico brasileiro no século XX através de suas matrizes políticas percebemos, por meio da análise de nossas fontes, a formulação de uma linguagem que remete a um discurso mais amplo.

Para isso, é necessário pensar que esse discurso se originou das formulações do laicato católico no Centro Dom Vital, as quais buscavam firmar os posicionamentos da elite eclesiástica, de modo a se poderem elaborar definições acerca da situação política em que se encontrava o país junto às demandas de cunho internacional, originadas da concorrência de sistemas políticos liberais, comunistas e fascistas.

Pensamos que o catolicismo, como um subcampo do espaço religioso, não dispensava, também, a disseminação do seu pensamento no campo político, visando, nessa dinâmica elaborar um posicionamento doutrinário e, colaborar em numa formação do político. Para compreender o espaço social do catolicismo em meio ao campo religioso e político é preciso perceber como se procedeu à construção deste espaço autônomo do catolicismo nos campos e, procurar abranger a dinâmica própria de suas ações num determinado recorte de tempo e espaço. Como define Bourdieu:

88 BOURDIEU, Pierre. Op. cit., p. 18.

50 Essa idéia de diferença, de separação, está no fundamento da própria noção de espaço, conjunto de posições distintas e coexistentes, exteriores umas às outras, definidas umas em relação às outras por sua exterioridade mútua e por relações de proximidade, de vizinhança ou de distanciamento e, também, por relações de ordem, como acima, abaixo e entre; 89

Definimos a categoria campo como uma produção histórica que possui uma estrutura única com mecanismo e regras inerentes as particularidades desse campo. Como um campo de relações sociais, com autonomia em referência a outros campos. Não sendo um espaço homogêneo, porém, encontramos uma relação de dominados e dominantes na produção de um capital específico que se reafirmam relações de poder.

Por conseguinte, na Igreja Católica brasileira da década de 1930 se alternava uma produção discursiva, por sua consonância com as produções das diferentes escalas espaciais da Igreja, no caso norte-rio-grandense, esta produção discursiva estaria correlacionada a outra produção no nível nacional – do Centro Dom Vital –, e estas com a produção na Santa Sé, todas em conformidade às demandas surgidas na contrapartida discursiva nos campos religioso e político aos ditames da Igreja nesse período. Existiria, também, uma constante elaboração do espaço social católico se partimos, por um lado, na busca de redefinir seu diálogo com o campo político, inserido que estava nas dinâmicas da política Varguista da década de 1930 e, por outro lado, no campo religioso, inserido no embate com o protestantismo e a maçonaria.

Julgamos que a produção autônoma do pensamento católico surgiu no Centro Dom Vital em consonância a esse diálogo com os campos, assim como a partir daí se empreendeu uma produção discursiva correlacionada às demandas anteriormente citadas, configurando, assim, o que Bourdieu chamou de ‘luta de classificações’.

Por exemplo, tanto a situação política quanto a oposição no Rio Grande do Norte do início da década de 1930, apontaram o mal que poderia acarretar dos postulados do comunismo no Brasil, como também trabalharam os problemas acarretados pela implantação desse regime na Rússia Soviética. Por sua vez, a Igreja Católica, apontava o comunismo em todos os seus aspectos negativos relativamente aos preceitos cristãos, como sendo seu antigo inimigo desde o século XIX mas, relativamente às posições no estado, trabalhava este como o mais novo mal a ser combatido.

89 Ibidem, p. 18-19.

51 O que se pretende construir é uma proposta, de acordo com as categorias trabalhadas por Bourdieu, da formulação do discurso anticomunista católico nesse período. Quais as tomadas de posição sociopolíticas com quem a Igreja dialogava? A elaboração discursiva anticomunista serviria para quem e para quê? Em resposta a quais contrapartidas nos campos religioso e político?

De fato, todo o meu empreendimento científico se inspira na convicção de que não podemos capturar a lógica mais profunda do mundo social a não ser submergindo na particularidade de uma realidade empírica, historicamente situada e datada, para construí-la, porém, como “caso particular do possível”, conforme a expressão de Gaston Bachelard, isto é, como uma figura em um universo de configurações possíveis. 90

Dessa maneira, o objeto de pesquisa que propomos analisar não requer uma análise que identifique apenas um determinado lugar e seu tempo cronológico, porém, mais do que isso, sua pesquisa implica na análise do espaço simbólico da Igreja católica na década de 1930: a compreensão na correlação com outros agentes em cena como: o integralismo, o comunismo, o liberalismo; com os problemas apresentados ao campo como movimentos sociais, latifúndio, etc., sendo possível, com isso, avançar em uma análise mais peculiar do objeto, e, consequentemente, trazer à tona a produção do espaço simbólico católico.

Pierre Bourdieu, por meio da compreensão destas categorias, nos possibilita perceber as particularidades das práticas e ações da Igreja no período por meio de um empreendimento empírico: através da categoria habitus91 poder-se-ia identificar as reelaboração nos campos e

os condicionamentos para a legitimação das ações e reafirmação de práticas e saberes no espaço social católico. Pensar a sociedade correlacionada à produção nacional e local da Igreja na década de 1930 nos permitiria compreender o habitus católico, permitindo perceber nosso objeto de pesquisa, o anticomunismo católico, nas diferentes ações nos campos em jogo, ou seja, pelas correlações que podem ser pensadas através da observação das práticas, dos saberes e das disposições na relação social frente aos seus campos de lutas e às suas lutas de classificação.

90 Ibidem, p. 15.

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FIGURA 1 – ESPAÇO SOCIAL CATÓLICO

Fonte: elaborado pela autora.

Dessa maneira, evitamos uma análise substancialista, que apenas analisa o objeto de pesquisa por ele mesmo, fechado em si, sem perceber as correlações em que ele está inserido na sociedade, a relação que emerge nas suas diferentes posições sociais. Por intermédio da análise da linguagem do anticomunismo católico podemos perceber toda a produção discursiva da Igreja, a qual se insere em uma relação entre os campos e o espaço, inserido, portanto na compreensão de Pierre Bourdieu: “o real é relacional” 92. Poderíamos, assim, relacionar este objeto a cada uma das disposições, percebendo o seu habitus, a formulação de um discurso relacionado à disposição política em que se situaria a doutrina eclesiástica.

Como também, poderíamos pensar que a historicização desse objeto identifica a posição social da Igreja e também as suas diferenças atuações nos diferentes espaços geográficos, ou seja, perceberíamos as particularidades espaciais do objeto de pesquisa, examinando as relações históricas e geográficas por meio de uma historicidade dos seus campos.

A instituição eclesiástica não é unânime em suas ações e nem homogênea no seu pensamento, possuindo variedades de atuações em determinados tempos e espaços, sendo essa

92 Ibidem, p. 16.

Espaço Social Católico

Práticas

Ação Católica Centro Dom Vital Ação Universitária Católica Juventude Universitária Católica Liga eleitoral Católica Sindicato Católico Saberes Antissemitismo Antimaçonaria Integralismo Anticomunismo Antiliberalismo Anticapitalismo Doutrina Cristã Moral Dogma Disposições Na direita do campo político Habitus

53 particularidade que nos preocupamos em demonstrar: as tramas históricas e geográficas, o conjunto de práticas e saberes, as tomadas de posições dos agentes sociais para elaborar a construção dessa estrutura que a Igreja formula na década de 1930.

As dinâmicas educacionais, morais e políticas a partir das quais a Igreja Católica atuou no seu espaço social, nos permitem inferir estas enquanto posições e práticas que diferem dentro do mesmo espaço na década de 1930, mesmo que relacionadas ao mesmo objetivo, se pensarmos separadamente o campo religioso e político católico, pois cada um destes possuía certa independência dentro da instituição eclesiástica.

Estas posições e práticas foram então definidas e delineadas em relação a outros espaços predeterminados, uma vez “que toda a ‘realidade’ que designa reside na exterioridade mútua dos elementos que a compõem.”93 Por exemplo, o campo religioso católico foi constantemente reelaborado para se firmar frente a outras designações religiosas, mas afirmando sua posição por referência a outras designações com que já divergia, reafirmando, assim o ser católico frente a outros campos religiosos cada vez que estes se apresentavam por referências já existentes. Este problema também aconteceu em relação ao campo político e nos interessa especialmente por conta das referências implicadas na produção do anticomunismo católico.

Nesta aproximação metodológica se permite constatar o tipo de capital aplicado no espaço social católico, se pode compreender a categoria capital não apenas relacionado ao econômico, mas, como ideia imaterial, de uma propriedade relacional que existe em relação a outras propriedades, com uma diversidade, que depende dos valores necessários ao um determinado espaço, ou seja, cada campo tem um capital específico.

Portanto é importante compreender a categoria capital para desnaturalizá-la do preceito econômico e, percebê-la como um acúmulo de diversos valores sociais e culturais imateriais que foram aplicados e estabelecidos no espaço social, como um capital religioso e político católico, que desde o século XIX foi armazenado e, depois, habilidosamente articulado no Centro Dom Vital, sendo empregado numa economia que resultava então na dominação do espaço social católico sobre as variadas posições dos campos político e religioso no Brasil.

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2.2. As posições da Igreja Católica no campo político do século XIX e a formação dos