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2. REVISTA A ORDEM: A ELABORAÇÃO DO ANTICOMUNISMO NA

2.3. Revista A Ordem: a formulação e disseminação do discurso da Igreja por meio do

2.3.6. O Levante Comunista e a rearticulação do discurso católico

Após a tentativa de tomada do poder pelo Partido Comunista do Brasil na insurreição de 1935, Tristão de Athaíde lança na edição do mês de janeiro de 1936 da revista ‘A Ordem’ o primeiro artigo da série “Em face do comunismo”.172

Nesta série, ele traz a discussão o “problema comunista”, definido como uma questão atuante, para a qual roga medidas de combate, na medida em que não seria um problema passageiro, mas:

Um capital da época presente e da nova idade em que estamos ingressando [...] um mal que se difunde, principalmente, na América, onde vemos os exemplos da Revolução Mexicana e as tentativas de disseminação no Chile, Uruguai, e atualmente no Brasil, tendo êxito no Equador e Paraguai. Entretanto, prevalecendo devido aos princípios liberais que norteiam essas

170 GOMES, Perillo. Maçonaria e as Forças Armadas. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 57, p. 329, abr. 1935. 171 Ibidem, p.329.

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89 nações, a falta de firmeza e de convicções religiosas, philosophicas e sociais [...] dos poderes públicos [...] E a única medida plausível cabe na retomada de medidas educativas.

Athaíde, inclusive, identifica a aceitação do comunismo pelas suas particularidades de interesses “às classes populares, à burguesia, às classes intellectuaes”. As classes populares por entenderam à mudança necessária, devido a esta classe em particular sofrer com as desigualdades sociais advindas da exploração de uma sociedade burguesa. Já em relação ao interesse da burguesia e os intelectuais, seria por conta da sua participação no mais novo sistema político em voga, pois acreditavam, dessa forma, sua adequação a um futuro promissor e, que já estariam prontos para a novidade política moderna, por acreditarem na solução das injustiças sociais apenas por meio do socialismo.

Em contradição, as ações de combate ao comunismo seriam melhor explicadas pela “indiferença”, pelo “medo” que ronda sobre o comunismo ou, pelo “interesse” próprio dos que se beneficiam com esse combate, em virtude dos seus privilégios de cunho social e político. Porém, nenhum destes possuiria uma “convicção” própria para que pudesse assumir um posicionamento de combate sistemático, “(...) se bem que se recusem a qualquer comparticipação, na luta anti-communista, que represente um compromisso exagerado e perigoso para a hora em que o vento virar”. Inclusive, Athaíde chama a atenção pelo perigo dos opositores ao mal do comunismo, cuja objeção não possui uma base sólida que compreenda o verdadeiro perigo do comunismo, sendo esses os maiores e verdadeiros opositores ao combate: “Os adversários inconscientes, de dentro, são mais perigosos que os conscientes, de fora”.

Por conseguinte, o verdadeiro adversário do comunismo seria que estabelecesse a sua oposição por uma defesa de valores e preceitos:

Temos finalmente os adversarios por convicção. Oppõem-se ao communismo não por uma questão de pessoas, de posição ou de fortuna, mas por uma questão de princípios. Procuram estudar o phenomeno investigar-lhe os antecedentes, descobril-os na própria sociedade actual. Combatem a esta, em seus males evidentes, e não confundem o anti- communismo com o conformismo burguez. Sabem distinguir o que ha de justo, nas reivindicações comunistas, do que ha de pernicioso. Sem, por isso, diminuírem em nada a sua radical desconformidade com esse falso e monstruoso ideal social. Nem cessarem, por um minuto, a necessária luta

90 indefessa e continua, repressiva e sobretudo preventiva contra essa inversão total da sociedade pela adulteração radical dos princípios em que deve assentar.173

Dessa forma, Tristão de Athaíde fornece a principal atitude perante o comunismo. Não adiantaria ser seu opositor, com atitudes conscientes da importância do seu combate, embasados na defesa dos verdadeiros princípios, neste caso, princípios católicos, os únicos adequados para o verdadeiro combate aos males da modernidade e, a todos os ideais que norteiam o comunismo no Brasil na década de 1930.

É neste raciocínio que Tristão de Athaíde desenvolve o segundo artigo “Em face do Communismo II”, 174 só que dessa vez, deixa claro que o comunismo não se apresenta apenas como um regime político em prol do econômico. Mais além que um simples preceito econômico, um sistema como o liberalismo que tem demonstrado mais de um século todo um regime que disseminou noções também como “filosofia geral da vida”, o comunismo nega qualquer possibilidade de participação da Igreja na vida social e política, devido ao antagonismo com os princípios do catolicismo.

Esse é o grande problema que o autor chama a atenção em relação ao perigo comunista, pois não há quaisquer convergências entre as suas estratégias e dinâmicas com a Igreja Católica, e isto em um país que possui em seu cerne a tradição católica, o comunismo aponta que as diretrizes de um sistema político remeteriam a resolução da questão social apenas pelo viés financeiro, por “um systema econômico não proprietário e integralmente planificado”.

Como bem define Athaíde, não existiria convergência entre a “sociologia marxista” em relação a “sociologia catholica”, mas o problema seria simplificar este antagonismo. Existiria um grande equívoco sobre a verdade da doutrina católica que preza pela igualdade social, mas que respeita as individualidades, como os “princípios de respeito á Personalidade e á Família”, assim como em relação ao sentido do comunismo:

Mas o facto é que o phenomeno communista é um phenomeno, ao mesmo tempo, philosophico, histórico, politico, economico, pedagógico, maçonico, judaico, etc., etc., e não apenas ou mesmo principalmente religioso. Póde-se mesmo dizer que, nos meios communistas ou nos meios anti-communistas, politicos ou sociaes, o problema religioso é apenas um corollario dos demais.

173

Ibidem, p. 259.

91 Nós é que vemos, com razão, sua importancia fundamental, o que não quer dizer que devamos reduzir o communismo, como alguns o fazem, a uma expressão do Anti-Christo ou a uma campanha judaico-maçonica contra a Igreja. Seria simplificar demais o ambito de phenomeno, do ponto de vista social, onde suas ramificações e suas origens são muito mais extensas e complexas.175

Por esses argumentos que o segundo artigo quer deixar evidente que o comunismo é o resultado das normas adotadas pelo liberalismo e, que os ideais do liberalismo disseminados pelas nações, desencadearam a desordem econômica, social e política que fez vários países adotarem preceitos contrários a toda moral da Igreja Católica, nos últimos tempos. Portanto, Athaíde reforça que o combate ao comunismo deve procurar suas raízes e não apenas ver o mal no aspecto econômico, pois este foi o perigo que nos séculos XVIII e XIX fora apresentado pelos contrarrevolucionários.

E neste momento, se mantém as prerrogativas anticomunistas que voltam a remeter o comunismo como o filho do liberalismo: “Esse materialismo soviético é filho do materialismo burguês”. Toda essa desordem foi ocasionada devido às diretrizes liberais que abriram portas para o pior mal do século, ao exemplo da Rússia, que, com sua política expansionista, disseminou valores de concentração de capital que desencadeou na mesma prática capitalista. Ambos possuem a mesma finalidade de se projetaram ao sucesso da industrialização com a valorização da tecnologia. O comunismo possuiria as mesmas prerrogativas do liberalismo, apenas com pequenas diferenças não relevantes, enfatiza o argumento que o comunismo não surge devido ao fracasso econômico.

O mais difícil para esse momento é desvendar o inimigo da atualidade, para os indivíduos como para o Estado, neste caso, fazendo referência a dificuldade de perceber aonde atua o inimigo comunismo. Por isso, o alerta que se faz no campo educacional para perceber de como a educação foi um dos mecanismos utilizados na propagação dos ideais comunistas, principalmente, a referência à sociedade russa.

Para Tristão de Ataíde o Levante de 1935 servira para demonstrar aos “(...) scepticos da imminencia de um perigo social que havia adoptado, com êxito, a tactica da dissimulação,

175 Ibidem, p. 349.

92 para despistar os incautos. E com isso poude ser fixado, com segurança, ao menos um dos inimigos em acção: o Comunismo”.176

Remeter a este assunto não caberia mais numa análise apenas da sua complexidade teórica, mas refletir sobre os mecanismos de dissimulação do perigo comunista e compreender que um dos principais aspectos da disseminação desses postulados fora através da via pedagógica.

A educação passou a ter critérios em favor do tempo, o antigo sendo considerado como o ultrapassado, e as novas modalidades e diretrizes educacionais sendo os mais novos métodos da modernidade considerados como os melhores modelos a serem seguidos na educação brasileira: “Era o passado em face do futuro. O novo passava a ser synonimo de bom. O tempo, um critério de valor”.177

Contudo, o mais importante seria a “finalidade” na educação, e não apenas ensinar e educar sem um propósito, como defenderia a educação moderna. Era preciso uma educação pautada não em critérios da sociedade moderna, porém na “teleologia pedagógica”, a educação tem que ter uma direção que possamos fornecer “a finalidade da educação”.

Bastava, aliás, um golpe de vista pelo mundo de hoje, principalmente pelas nações politicamente revolvidas, como a Russia, a Allemanha, a Italia, A Hespanha, Portugal, a Hungria, o Mexico, etc., para se ver que o problema escolar se apresenta inteiramente ligado ás condições politicas e ao ambiente ideológico dominante. Em nenhum desses paizes se vê mais o domínio do puro liberalismo pedagogico, como entre nós ainda se proclamava ou se proclama, implícita ou explicitamente. Por toda a parte o que se nota é o reconhecimento de que o problema pedagógico está ligado ás condições geraes do Estado e da Vida, de modo que não póde ser considerado apenas como um problema puramente quantitativo, methodologico ou cognoscitivo.178

A educação soviética seria apontada por Athaíde como o resultado dessa educação que não priorizou os objetivos e finalidades educacionais. Uma educação com diretrizes políticas que favoreceu os interesses do Estado, através do Partido Comunista, a disseminar sua

176 LIMA, Alceu A. Educação e Communismo. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 69, p. 318, abr. 1936. “Conferencia pronunciada em maio deste anno, na série de conferencias sobre as directrizes da Educação Nacional, promovida pelo Sr. Ministro da Educação e Saude Publica, Dr. Gustavo Capanema”.

177 Ibidem, p. 319. 178 Idem.

93 ideologia. Toda essa educação fora dirigida a classe proletária com os preceitos da pedagogia comunista sendo pautados no materialismo, por valores externos, onde criou uma própria “filosofia de vida”, não apenas para o trabalho em si, mas para os elementos que rege a vida do homem em todos os aspectos.

Desconsiderando as prerrogativas cristãs de melhoria social, a pedagogia soviética apontou “que a educação é um meio de alcançar um fim superior”.179 As ciências que norteariam essa pedagogia seriam “o naturalismo philosophico”, ciência natural e social, onde se despreza todos os valores sobrenaturais do homem. Os preceitos religiosos são substituídos por uma nova religião que se propaga pelos valores do “trabalho material, a fabricação, a technica”.

Como uma teoria de ensino voltada para os interesses do Estado, essa pedagogia teria se apresentado enquanto apenas vinculada aos preceitos do Partido Comunista, com seus objetivos voltados para a revolução e, onde prevalece a ideia de que a finalidade da técnica e estar voltada para a produção. Assim, o comunismo seria apresentado por Athaíde novamente, pelo argumento de que o comunismo provém do mal do capitalismo: “produzir – é a palavra mágica de toda concepção bolchevista da vida, que ella aliás aprendeu com seu irmão gemeo rancoroso inimigo – o Capitalismo”.180

Seria então necessário demonstrar pela história da pedagogia que esse mal vem desde a “deschistianização”, a qual se iniciou a partir do Renascimento e que agora se apresenta como a decadência da pedagogia da modernidade.

Logo, outro artigo, “A Igreja e o socialismo violento ou moderado” de Paulo de Damasco,181 traz o esclarecimento de que o socialismo, mesmo o considerado “moderado”, que seria o socialismo que pregava contra as injustiças sociais nas diferenças de classes e na negação à propriedade privada, não deveria ser aceito, pois todo socialismo em suas diferentes categorias traria em seu cerne preceitos contrários ao Cristianismo.

Visto dessa forma, é o comunismo que se adentra nas nações como uma doutrina “imoral” que vai de encontro aos preceitos: “contrário ao direito natural e á moral cristã”. Foi reparando nesses aspectos do socialismo, percebendo a essência de injustiça social em uma sociedade que atua por meio da exploração do homem e da supressão de direitos, que muitos católicos viram a possibilidade de atuação no campo socialista. No caso, aponta Damasco, a Igreja imediatamente advertiu desse perigo, conforme Leão XIII: “É como uma peste mortal,

179 Ibidem, p. 320. 180 Ibidem, p. 324.

181 DAMASCO, Paulo. A Igreja e o socialismo violento ou moderado. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 74, p. 31, jan. 1937.

94 uma seita de homens, que se esforçam, sob os mais variados disfarces, por levar a cabo o desígnio de destruir os alicerces da sociedade civil (Leão XIII)”.182

Uma das questões em voga na Revista A Ordem era justamente a atração do socialismo em relação à doutrina católica. Paulo Damasceno chamava à atenção para duas categorias, “socialismo religioso e socialismo cristão”, na medida em que Pio XI advertira da impossibilidade da aceitação ao socialismo, e ao mesmo tempo, de que não poderia haver um bom católico socialista, pois ambas as categorias eram antagônicas. Mesmo qualquer modalidade de socialismo, até as designadas “moderadas”, iriam de encontro aos preceitos da doutrina católica, que consideravam o socialismo “materialista e anti-religioso”, conforme Pio XI reforçara na encíclica Quadragesimo Ano: “declarando que, seja como doutrina, seja como fato histórico, seja como ação, o socialismo não póde conciliar-se com a doutrina católica, visto conceber a sociedade de modo completamente avesso á verdade cristã”.183

Assim, o socialismo seria contra todos os preceitos da doutrina católica e dizer de sua proximidade seria uma das manobras utilizadas pelos comunistas para persuadir os menos desprovidos do conhecimento cristão. Por isso, urgia a necessidade de recorrer as principais encíclicas, os documentos que regem a doutrina e seus seguidores a cada tempo de mudanças e modificações sociais, para que os católicos não caíssem nas armadilhas do perigo comunista disfarçado em um “socialismo moderado”. Os preceitos aceitáveis no socialismo “a verdade socialista” não fariam parte da sua doutrina, pois eram preceitos dos quais o socialismo se apropriara de forma imprópria. Por isso que é indispensável à orientação no Evangelho, a exemplo de Jesus, seria onde se deveria recorrer para apreender a doutrina católica em caso de dúvida. O Evangelho é onde estaria todo o sustentáculo e fundamento para compreender as mazelas das desigualdades sociais, e que forneceria todos os ensinamentos e consolação para os oprimidos.

É violento o socialismo, sob o nome de comunismo, pugnando a ferro e a fogo pela conquista do mundo para a utópica implantação de sistema de governo e de vida, em tudo contrário aos direitos naturais e aos fins sobrenaturais do homem... A Igreja, hoje como hontem e como sempre, ainda não cessou nem cessará nunca de gritar a sua energica condenação a essa espécie de socialismo violento e subversivo.184

182 Idem.

183 Ibidem, p. 32. 184

95 Socialismo e Catolicismo seriam teorias antagônicas, por estarem situadas em duas esferas, a da política e a da religião, mas que são colocadas na mesma posição por fornecerem resposta à filosofia de vida, como também para a atuação ou influência no mundo.

No decorrer desse argumento, Paulo Damasceno apresentaria o comunismo como uma disputa e concorrência à doutrina católica, associado ao perigo da modernidade, o mal que ronda em todas as esferas da sociedade, um sistema político, que adentra nos setores educacionais, nos sindicatos, na política, como também fornece certa concorrência na sua teoria aos preceitos religiosos aos domínios sobrenaturais.