• Nenhum resultado encontrado

2. REVISTA A ORDEM: A ELABORAÇÃO DO ANTICOMUNISMO NA

2.3. Revista A Ordem: a formulação e disseminação do discurso da Igreja por meio do

2.3.2. Comunismo, Integralismo e Catolicismo

Com toda essa produção intrínseca à relação da Igreja Católica com o campo político é importante perceber suas dinâmicas e ações neste espaço específico da relação entre instituição religiosa e suas atuações como parte daquilo que Pierre Bourdieu chamou de ‘luta de classificações’. Também para essa análise do posicionamento da Igreja se faz necessário trabalhar o seu posicionamento frente ao integralismo, por meio do conceito de colusão,127 que permite compreender essa relação de aproximação do catolicismo com o integralismo na década de 1930 enquanto “um entrelaçamento das posições e não uma síntese ou fusão”. 128

Um dos posicionamentos mais complexos de Tristão de Athaíde se verificou na relação da Igreja católica com o integralismo. Para um dos principais intelectuais da revista, na posição também de seu diretor, uma posição para esta situação seria requerida.

Com bastante cautela Tristão inicia seu artigo “Catholicismo e Integralismo”129 argumentando que se fazia necessário uma explicação, e ao mesmo tempo, a definição de qual a relação que se deve ter em relação ao integralismo, tanto por parte dos prelados como do laicado e qual deveria ser o posicionamento do Centro Dom Vital.

Principia exaltando a opinião de um dos chefes do movimento católico, encadeando o início do integralismo com as atitudes de Jackson de Figueiredo, frente à direção da revista ‘A Ordem’ e do Centro Dom Vital, “foi o primeiro que, sem ser socialista ou communista denunciou os erros e os males do liberalismo”.130 Aponta que Figueiredo fora também o primeiro intelectual que se pronunciou a favor da necessidade de um “regime de autoridade” que colocasse ações visando barrar as atividades antidemocráticas. Jackson de Figueiredo teria se autodenominado “reaccionario”, por não favorecer as recentes revoluções e, esse

126 Ibidem, p. 9.

127

PEIXOTO, Renato Amado. Creio no espírito Cristão e Nacionalista do Sigma: Integralismo e Catolicismo nos Escritos de Gustavo Barroso, Padre J. Cabral e Câmara Cascudo’ In. Rede de Intelectuais Católicos. (Org. Gizele Zanotto et all). Passo Fundo: UPF, 2015, p. 10.

128 Idem.

129 Athayde, Tristão. Catholicismo e Integralismo. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 58, p. 173, dez. 1934. 130

70 posicionamento se daria, também, ao seu apoio e concordância ao integralismo lusitano, que resultou no governo de Salazar e na implantação do Estado Novo em Portugal.

Por esses e outros motivos, é incontestável que Jackson de Figueiredo foi o precursor de todos os movimentos de reacção anti-liberal e anti-socialista que em nosso meio constituem para a maioria uma novidade absoluta. 131

Para Tristão, a Igreja deveria se manter neutra e não possuir posicionamentos próximos do liberalismo e tampouco do socialismo. Ela estaria acima das prerrogativas políticas e deveria se colocar no campo da religião como defensora “da fé christã”, do campo sobrenatural. Suas atitudes e ações deveriam ser prerrogativas do campo político, pois defendiam “a liberdade, a justiça social, o amor da paz”, conceitos que confundem sua audiência, por fazer parte dos princípios liberais.

Tristão considerava a atitude de “exaltação” ao integralismo condenável, pois para o autor não se deve associar a Igreja a qualquer forma de sistema político e muito menos a sua exaltação, pois a Igreja deveria permanecer neutra frente aos diferentes posicionamentos políticos. O passado demonstrava os erros dos católicos que apresentaram na imagem de “padre-liberaes” nos movimentos da “Revolução de 1817 e a da Constituinte de 1823”. Por isso seria necessário evitar a “expectativa” desse movimento político e, esperar para saber quais seriam seus resultados.

Frente a esses posicionamentos, o autor levanta o questionamento de como os católicos deveriam se comportar “psycologicamente” frente ao integralismo e, aponta as atitudes de “comprehensão” ou “participação”, pois estas atitudes correspondem à prevalência do integralismo em combater os mesmo inimigos da Igreja Católica e as adversidades que ela vinha combatendo há tempos: “O integralismo possue no campo social, em grande parte os mesmo adversarios que a Igreja. E a luta contra inimigos communs é um laço que crêa approximações indestructiveis”. 132

Ora, nenhum inimigo mais claro possue a Igreja, do que o communismo. Não será o mais perigoso, agora, porque justamente não se embuça, como outros e tem a triste coragen de tirar as conclusões logicas do que os burguezes-liberaes, agnósticos ou anti-clericaes – fabricam surdamente nos seus laboratorios secretos da Maçonaria ou capciosamente nos seus

131

Ibidem, p. 406. 132 Ibidem, p. 410.

71 manifestos reticentes de partidos sem Deus, nos seus banquetes fraternaes de laicismo rotariano ou nas suas cruzadas anti-analphabeticas, de espirito protestante mas de tolerancia universal de credos.133

Como há adversários comuns, há juntamente “amigos communs” e, o integralismo emanaria no emblema pontos defendido pelo catolicismo, “Deus, Pátria e Família”, assim como emanaria os princípios defendidos pela Igreja, “em favor da autoridade, da ordem, da hierarchia, do dever”.

Por conseguinte, segundo o autor, a conduta inerente a todo católico era que naquele momento se fizesse necessária a atitude das direitas. Neste posicionamento de defesa ao integralismo, seria essencial uma atitude não apenas de compreensão ao integralismo, porém, mais que isso, um posicionamento “real e ideal” de atuação: “Considero ambas as participações perfeitamente compatíveis, não só com a doutrina social catholica mas ainda com a pratica effectiva do catholicismo”.134

O comunismo se apresentava então como o principal mal da contemporaneidade a ser combatido. Ao falar sobre o integralismo, Tristão coloca que o comunismo apresentava toda uma aversão aos preceitos defendidos pelos camisas-verdes. O autor também chama o leitor à atenção para perceber a diferença necessária entre um militante integralista, que compreende a sua adesão ao partido acima dos preceitos da Igreja Católica e o perigo do naturalismo no integralismo.

Na continuação desse raciocínio, Tristão publica “Catholicismo e Integralismo II”, onde defende que, apesar da consonância do integralismo com os preceitos católicos, clama pela importância de evitar a contaminação de um ‘naturalismo’ pelos católicos em relação aos integralistas e, reforça que a consciência da religião deve se sobrepor no campo político, para que haja a preservação da soberania do poder sobrenatural. Caso contrário, o integralismo seria mais um partido totalitário, sem a importância dada a uma ação política que se remeta no campo religioso na legitimação do poder sobrenatural e à “consciencia cathólica sobre a consciencia politica”.135

Uma das mais bellas conquistas do Integralismo é, sem duvida, a atmosphera de heroicidade que alimenta. É innegavel que os partidos correntes, meras formações tradicionais ou opportunistas, “liberaes” ou “sociaes” de rotulo,

133 Idem.

134 Ibidem, p. 413. 135

72 “regionaes” e “individuaes” de facto, não offerecem, de modo algum essa renovação de ambiente. Só vamos encontrar esse espirito no extremo oposto, nas hostes communistas. Sejam de burgueses, sejam de proletários, e sobretudo estas, pois os burgueses-communistas são geralmente sentimentaes ( espectaculo das miserias da sociedade capitalista), cerebraes (influencia de Marx, Lenin, Shaw, etc.), ou opportunistas vão ao communismo porque acreditam ser elle inevitavel e querem estar de bem com os dominadores), ao passo que os communistas-proletarios possuem um mesionismo que alimenta a fé, desviada do seu objeto próprio e applicada á Revolução-Social.136

Outro ponto indispensável na nossa análise é a defesa da Ação Integralista Brasileira pela revista ‘A Ordem’ e caberia aqui explicar um pouco o contexto que opunha o Integralismo à Aliança Nacional Libertadora às vésperas da publicação dessa defesa e do artigo “Catholicismo e Integralismo” e “Catholicismo e Integralismo II”.

A Ação Integralista Brasileira (AIB) era então um movimento influenciado pelo fascismo em voga na Europa que surgiria no Brasil em contrapartida aos ideais do liberalismo, às prerrogativas do socialismo e do capitalismo internacional. A AIB tinha como princípio a defesa de um Estado forte nacionalista com o comando nas diretrizes econômicas e política centrada ao Estado, no modelo do corporativismo. Em oposição à pluralidade partidária, a liberdade individual era a favor da substituição da democracia liberal em uma organização hierárquica na sociedade e recusava qualquer idealização da luta de classes e outros princípios revolucionários.

Já a Aliança Nacional Libertadora (ANL) surgiria em oposição ao integralismo. Sendo um movimento que trazia o ideal nacionalista pregava a reforma agrária e a maior participação popular no campo social e político. Porém, situada no outro extremo da política, e formada enquanto uma frente popular tinha como base os princípios do Partido Comunista Brasileiro, enquadrava-se na Internacional Comunista, e se pautava em acordo com as novas medidas do Comintern entre 1934 e 1935, visando a união dos grupos de esquerda para a formação de uma frente única de combate às medidas antifascistas em difusão na Europa.

A AIB visava à pluralidade religiosa, porém respaldada pelo princípio cristão e tinha em sua base, a defesa de elementos do conservadorismo, parte de seus líderes se posicionavam contra os judeus, comunistas e maçons.

136

73 Seria por causa desses posicionamentos que a AIB e a Igreja Católica fornecem apoio mútuo. Tanto os prelados como o Padre Helder Câmara, Cônego Emílio José Salim e vários Bispos, assim como intelectuais católicos do porte de Luís da Câmara Cascudo e outros, desempenharam importante papel na propagação da AIB. Já na região Nordeste a adesão dos Maristas é muito importante:137

(...) o integralismo nasceu em meio católico, intelectual, e atraiu forças sociais, começando a ser mobilizado pelo catolicismo, como na Legião Cearence do Trabalho. Certamente nunca tomou os temas neopagãos que encontraríamos na Alemanha e nos fascismos do norte da Europa. Sem dúvida, a ausência de um partido católico, e talvez o fato de que na República os católicos ocuparam relativamente uma posição marginal, explica o fato do fascínio de cunho religioso do movimento.138

Tristão de Athaíde reforça noutra continuação desse raciocínio, no artigo “Catholicismo e Integralismo III”, a importância da participação dos católicos no movimento, porém, defendia, ao mesmo tempo, a não participação de católicos que fizessem parte na direção da Ação Católica, que a define como uma “acção social” e não política. É nesta afirmação que Tristão deixa claro que os princípios da Ação Católica não deveriam ser confundidos com o integralismo e tampouco percebidos como um movimento de ação no campo político, porém, de atuação em questões que remetiam ao campo social.

Nesse exemplo a LEC também era apresentada enquanto antipartidária, pois, visava o apoio aos partidos que aderissem às prerrogativas da Igreja e mantivessem posicionamento conservador e anticomunista. A LEC havia surgido em 1932 a partir da sua idealização pelo Cardeal Leme e por Alceu Amoroso Lima. Foi considerada então por estes enquanto uma maneira de arregimentar partidários em prol dos interesses eclesiásticos, o que ocasionaria no ganho de direitos e favores em troca do apoio da Igreja. Entretanto, essa relação de apoio entre religião e política desencadeou mudanças significativas na Constituição de 1934, uma vez que em relação às demandas sociais almejadas, a Igreja recuperou significativos privilégios que foram eliminados na Constituição de 1891, ajudando a misturar os campos político e religioso.

Nesse contexto, o integralismo se tornava a única representação política que respeitaria os pressupostos do catolicismo em face dos princípios liberais. Para o autor, em

137 AZZI, Riolando. Os Pioneiros do Centro Dom Vital. Rio de Janeiro: EDUCAM, 2003, p. 23-24. 138

74 nada entrariam em contradição com os pressupostos eclesiásticos, desde que os católicos não esquecessem da sua participação nas ações que remetam à vida espiritual e, da importância da sua participação no campo social por meio da Ação Católica. O autor adverte a primazia dessa esfera antes de se adentrar a movimentos políticos que se fazem como que entusiasmados das finalidades políticas e, se abstém da sua responsabilidade como cristãos na sociedade. “Penso que a nossa atitude, em face do movimento integralista, se não deve ser, nem de hostilidade nem de confusão, só pode ser a da cooperação”. 139

Neste artigo, o Comunismo passa a ser explanado como o “comunismo imperialista”, ou seja, o problema seria muito mais iminente, na medida em que esse mal que já viria de épocas anteriores, agora se apresentaria com prerrogativas expansionistas. Por isso, a importância dada por Tristão ao nacionalismo da AIB que pregava a formação de um Estado forte que se assemelha as prerrogativas dos sistemas totalitários em voga na Europa.

Eis ahi o que, de momento, julgo necessario dizer para esclarecimento de nossos leitores e resposta a muitas consultas. Penso, em resumo, que o integralismo póde ser encarado: a) como uma reacção histórica, b) como uma doutrina politica, c) como uma mystica social. Como reacção histórica é o movimento mais sadio e mais útil do nosso actual momento politico. Repercussão brasileira dos movimentos de vitalidade nacional, que salvaram a Italia, talvez a Allemanha e a Peninsula Iberica, e, porventura, a America do Norte, da anarchia economica e do imperialismo communista, representa para a Patria Brasileira a mais solida garantia de uma fidelidade ás mais puras tradições nacionaes. 140