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2. REVISTA A ORDEM: A ELABORAÇÃO DO ANTICOMUNISMO NA

2.3. Revista A Ordem: a formulação e disseminação do discurso da Igreja por meio do

2.3.4. A URSS, o Comunismo e o Socialismo

Também é importante, em nosso exame dos textos da revista ‘A Ordem’, frisar a importância da coluna Registro, postada habitualmente nas últimas páginas da revista do Centro D. Vital. De autoria de Perillo Gomes, esta coluna fazia rotineiramente referência ao sistema da URSS, seja apontando a implantação de uma Justiça que não levava em conta os pressupostos jurídicos, seja descrevendo as perseguições aos membros da Igreja Católica, seja para denunciar a veiculação de informações de caráter errôneo sobre esse governo. Servindo como uma coluna de informações sobre todos os problemas da atualidade, incluindo os da Espanha e do México, a coluna servia para explanar sobre aquilo que considerava ser as irregularidades sociais e políticas da URSS, enfatizando, principalmente, os males acarretados pelo sistema comunista soviético.

155 Ibidem, p. 105.

156

82 Seguindo a mesma lógica no artigo “O Socialismo”,157

Tristão de Athaíde define o socialismo não mais como um sistema político e econômico uniforme, porém, como uma confluência de teorias. Existiriam vários modalidades de socialismo. Este seria mais um termo utilizado para designar várias formulações políticas e, nesse sentido, utilizado para caracterizar os novos sistemas vigentes do século XX, tais como a esquerda ou à extrema- direita. O socialismo era visto pelo autor como uma categoria que servia para designar vários sistemas novos que haviam surgidos devido ao significado amplo que o propõe. Várias escolas políticas contemporâneas teriam surgido da influência do socialismo, de acordo com o autor, sendo, por isso, classificadas em duas modalidades, “subjetivas” e “objetivas”.

Por socialismo subjetivo, Athaíde se referia ao surgimento das teorias socialistas, formuladas por Saint Simon, Fourier e Owen, que tiveram influência da ‘República’ de Platão, mais se concentrando no campo da subjetividade do ser, pela imaginação: era o “socialismo romântico e imaginativo”, ideais que prevaleceriam na classe proletária. Já o anarquismo era visto por Athaíde como outra teoria socialista subjetiva, mais centrada no individualismo e, menos utópico, por conta de ser o sistema que “creou o realismo socialista, acceitou o terrorismo, insurgiu-se por todos os meios contra a autoridade”158.

Ambas as teorias eram vistas como anacrônicas, pois não se adequavam aos dias atuais, por serem sistemas políticos ultrapassados que não traziam soluções para a problemática da atualidade.

O socialismo nasceu contra o individualismo. Este teve a obsessão do individuo e procurou um regimen social politico e econômico que defendesse, o mais possível, o individuo contra a ingerencia da Classe, da Tradição, da Igreja ou do Estado. Do numero, expressão abstracta da collectividade popular exaltada pela democracia liberal, passou o socialismo a accentuar a massa concreta, real, tangível, com a eliminação tão grande quanto possível do individuo. O direito, a arte, a politica, a economia, tudo passou a ser obra da sociedade, em bloco. O individuo é que era a abstração, o Povo a realidade. O individuo só possuía os direitos que a sociedade lhe outorgava. A declaração dos direitos do Homem, da Revolução

157 LIMA, Alceu Amoroso. O Socialismo. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 66, p. 62, jan.1936. 158

83 individualista, - sucedeu a declaração dos direitos da Massa, pela Revolução Socialista.159

Por sua vez, o nacional-socialismo era definido na categoria de socialismo objetivo, por ter apenas alguma pequena influência do socialismo, e não sendo a teoria por completo. O diferira dos demais socialismos objetivos é que este sistema político estaria centrado no conceito de pátria.

Entretanto, o autor explana os socialismos enquanto frutos do capitalismo, porque foi através do capitalismo, do egoísmo gerado pela ganância da acumulação de bens e pela primazia do liberalismo que a sociedade se transformou numa grande desigualdade e miséria. Como resultado, o socialismo findou na luta dos menos favorecidos, das massas em busca de reivindicar soluções contra a desordem ocasionada pelos princípios do liberalismo que procederam aos ideais do capitalismo. Essa solução se caracterizaria tanto em termos econômicos pela distribuição dos bens por igual, ou pela sua eliminação total por outras formas de distribuição. E, ainda ofereceria uma ideologia que servia para a explicação filosófica de vida, por um modelo de solução embasado no materialismo.

Ora, o capitalismo moderno, na base de uma concepção individualista da sociedade, extralimitou todas essas restrincções e fez do direito de propriedade um uso tão abusivo como do direito á liberdade. E dahi as misérias, a desigualdade, as crises, as revoluções e... o socialismo.160

Segundo Athaíde, as únicas teorias que poderiam ser definidas como socialistas na contemporaneidade seriam o comunismo e o sindicalismo, embasados nos princípios filosóficos e econômicos de Karl Marx, formulados no século XIX e, que traria os preceitos de “luta de classe, materialismo histórico, crises, revolução, lei de concentração, teoria do valor”, tendo como exemplo concreto à defesa desses valores na organização política do sistema soviético.

Porém, na URSS, longe de se demonstrar os resultados econômicos e filosóficos propostos na teoria socialista marxista, país antes apresentado com caracteres pré-capitalistas, e como ainda o era na sua totalidade, tampouco apresentava solução para os problemas sociais pela implantação do comunismo. Isto se explicava, segundo o autor, por conta de que não era pelo viés econômico que as mudanças ocorreriam, que sua explicação não precederia pelo

159 Ibidem, p.66. 160

84 materialismo histórico. Os seus grandes eventos antecedentes, o Renascimento, a Reforma, a Revolução Francesa eram exemplos de que as principais mudanças já ocorridas haviam sido ocasionadas por preceitos religiosos, filosóficos, literário e políticos.

Como vimos, o socialismo representa para o nosso século o que o liberalismo representou para o século passado. As mesmas esperanças, as mesmas ilusões, a mesma pretensão de ser a ultima phase, a definitiva, da historia do mundo, a promessa de resolver todos os problemas sociaes, o desejo de uma felicidade paradiziaca na terra, tudo que os nossos antepassados liberaes proclamaram, aos quatro ventos, ha um seculo, os nossos contemporaneos socialistas, seus sucessores, proclamam hoje nos cinco continentes.161

Após o Levante Comunista de 1935, este seria, exatamente, um dos aspectos importantes para a análise da formulação do discurso anticomunista no Brasil, pois seria a partir da nova configuração política resultante que se desencadearam outras medidas repressivas contra ‘o novo mal do século XX’.

O comunismo deixou de ser visto apenas como uma possível ameaça das diretrizes do Partido Comunista do Brasil ou da Aliança Nacional Libertadora. É com o advento da possibilidade concreta da tomada de poder que a concepção do anticomunismo se reconfigura em novas medidas e diretrizes para combatê-lo. Inclusive, houve aumento significante do número de artigos escritos por intelectuais renomados da sociedade brasileira em torno desse tema em ‘A Ordem’, uma das revistas mais renomadas na formulação do capital intelectual católico e, responsável pela disseminação e reelaboração desse capital no Brasil na década de 1930.

Neste período, os intelectuais da Revista A Ordem propõem a elaboração de um discurso anticomunista que requer não apenas a definição do que é o comunismo ou o que é ser comunista. Agora, em voz mais ativa, o define, e ao mesmo tempo, o identifica e, demonstra suas principais manobras e táticas, assim como o melhor meio para o combate a esse sistema político. Menciona ‘o mal do comunismo’ e explicita que este não teria barreiras, por conta da atuação da União Soviética, o comunismo, não seria identificado com caracteres próprios da dinâmica política, pois, seus ideais teriam sido reformulados para se enquadrarem nesse novo contexto.

161 Ibidem, p. 78.

85 O ideário anticomunista começaria a ser relacionado ao grande perigo e desordem que procederia da União Soviética e que teria passado a adentrar em vários setores da sociedade e, esse era o perigo que rondaria através de instituições como o Rotary, a Maçonaria, os Sindicatos, os Partidos Políticos e as instituições escolares.