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3. A PRODUÇÃO DO ANTICOMUNISMO NO RIO GRANDE DO NORTE

3.5. O anticomunismo católico norte-rio-grandense

O que pensarmos da atuação política da Igreja Católica no Rio Grande do Norte na década de 1930? Por que a formação de um jornal A Ordem que remete ao mesmo nome e aos mesmos ideais políticos, sociais e filosóficos da Revista A Ordem do Centro Dom Vital do Rio de Janeiro?

239 GUERRA. Otto. Ensaio sobre o Homem. In: A Republica, 2 de agosto de 1935. p. 3. 240 Idem.

241 Idem

122 São a essas indagações que as fontes do período nos fornecem uma busca de compreender a atuação política e social da Igreja. Compreender seus mecanismos e estratégias de ações na produção de um discurso anticomunista que permitem adentrar no campo político e continuar a ser um dos agentes responsáveis na produção do capital religioso.

Esse é um dos aspectos importante da produção do capital religioso na imprensa católica do estado. Todos os membros responsáveis pela produção do jornal A Ordem eram membros da Ação Integralista. Podemos afirmar que coube a produção do pensamento católico a participação dos seus membros no integralismo no estado. Podemos apontar que a imprensa integralista se utilizava do jornal A República, órgão oficial do estado, para a disseminação e propaganda do integralismo. Após o surgimento do jornal A Ordem não se verificou mais a permanência atuante das ideias integralistas e de seus intelectuais no jornal

A República, e o jornal católico passou ser o porta-voz do integralismo norte-rio-grandense e,

ao mesmo tempo, o divulgador do pensamento católico nacional.

Por observar essa função de divulgação, a pesquisa nos proporcionou compreender a relação intrínseca entre a produção do pensamento católico nacional com a produção de um pensamento local, na medida em que averiguamos a mesma produção ideológica nos artigos da revista A Ordem e do jornal A Ordem

Uma das preocupações dos católicos era o medo que advinha das organizações que tinham representação do comunismo, como a Aliança Nacional Libertadora. Mesmo já estando colocada na ilegalidade esse vai ser um dos temas que será abortado pela imprensa católica. Esse artigo242 nos traz a informação da ligação da ANL com os objetivos da III Internacional Comunista. Podemos nos perguntar o porquê desse assunto ser abordado no jornal se a ANL já se encontrava impedida de suas funções na política. O que o artigo nos fornece não é a sua ilegalidade, mas a sua relação com um movimento de cunho internacional, e neste caso demonstra as manobras de intervenção da III Internacional Comunista.

O assunto se inicia com a notícia de um jornal soviético que traz a relação da URSS com o Brasil e a China pelo líder comunista Dimitroff, secretário geral do Kominterny, informando o surgimento de uma “frente única anti-imperialista” nos países ditos “coloniais e semi-coloniaes”. O Brasil ficou a cargo da implantação através da Aliança Nacional

242 As Ligações da Alliança Nacional Libertadora com a Internacional Communista. In: A Ordem, 6 de setembro de 1935. p. 1.

123 Libertadora com os ideais advindos do partido comunista. Assim, adverte que essa informação é uma das provas irrefutáveis sobre o perigo do comunismo no país o que justifica o fechamento e sua ilegalidade na nação.

Centro de actividade vermelha, dali se irradiava, atravez de uma campanha de imprensa evidentemente extremista e, sobretudo, atravez da acção tentacular dos vários núcleos espalhados pelo paiz, a propaganda das idéas que teem por objectivo a destruição das conquistas democráticas, no terreno politico, e dos mais elevados sentimentos Moraes, no campo social. 243

Entretanto, adverte que mesmo que a ANL esteja proibida não significa que estejamos protegidos desse mal, é necessário ficarmos atentos, como bem demonstra o jornal, a atuação ilegal que faz parte do comunismo. Logo, devemos nos defender dessas manobras que atuam “projectadas na sombra, com medidas que ponham o povo em condições de se defender victoriosamente dos seus botes traiçoeiros”. 244

Dessa forma, a notícia comenta que um dos objetivos do mal do comunismo é a classe trabalhadora, fazendo que ela passe a acreditar que toda a desordem social, econômica e política são culpa de governos de viés democrático-liberal. Por isso que se faz necessário a defesa, utilizando medidas preventivas, que sejam por meio de uma moral e não pelo “raciocinio” e o “discernimento”.

O Objetivo é crear nas massas um estado de espirito tal que as faculdades do raciocínio e do discernimento se tornem negativas. Todos os descontentamentos parciaes são fundidos, assim, num grande descontamento collectivo de que se faz o aríete demagogigo contra as instituições”. 245

Com esse mesmo argumento em outro artigo246 verificamos novamente os males acarretados pelas relações internacionais que o governo soviético vem traçando pelos países "capitalistas e liberais”, pois não identifica apenas uma relação econômica, mais que isso, por traz dessa relação a III Internacional, com seus “propositos pacifistas”, aproveita para a disseminação dos seus ideais pelo mundo.

243 Idem.

244 Idem. 245 Idem.

246 Como a III Internacional defende a “paz” entre as nações. O protesto dos Estados Unidos Contra A Rússia. In: A Ordem, 30 de agosto de 1935. p.1.

124 Um dos motivos que prova essa situação é a notícia enviada do Rio de Janeiro por via aérea para o jornal A Ordem, uma nota de reclamação do governo dos Estados Unidos com relação às intervenções políticas ocorridas em seu país por parte da União Soviética, isso depois do acordo entre os dois países em novembro de 1933. Membros do partido comunista estadunidense estavam presente no Congresso da III Internacional Comunista, isso foi um dos motivos que levou o governo desse país a considerar ter havido uma transgressão do acordo assumido. O governo dos Estados Unidos considera “recusa ou a incapacidade” por parte da União Soviética em não tomar medidas que reparem esse mal e considera que poderá ocasionar “serias consequencias” na relação entre os países.

FIGURA 3 – ‘A POMBA DA PAZ’ – IMAGEM REPRESENTATIVA DA DIVULGAÇÃO DA PAZ PELA RÚSSIA

Fonte: Jornal ‘A Ordem’ 30/08/1935

O padre Heroncio foi um dos maiores articuladores do anticomunismo católico norte- rio-grandense neste período. Já em setembro de 1935 nos traz o artigo247 em que deixará claro, se referenciando aos postulados do comunismo, que este é inimigo da família e da pátria, utilizando o argumento de Bonald, afirma: “Quando o Estado destroe a família, esta se vinga destruindo o Estado”.248

Deveria prevalecer a importância de manter os valores conservadores que exprimem a valorização da família como “laboratorio sagrado” e, como sendo a extensão da sociedade, por isso a importância da unidade familiar com seus valores mantidos.

247 HERONCIO, Pe. Inimigos da Pátria. In: A Ordem, 13 de setembro de 1935. p. 1. 248

125 Quaisquer ideias que possam quebrar a organização das “familias legitimas” corre o risco de perder a ordem social e está prevalecerá na supressão dos valores da nacionalidade. É a família a responsável pela defesa e provimento desses princípios, assim, “qualquer attentado contra a organização da família redunda em prejuízo da nacionalidade”.249

Padre Heroncio demonstra assim que o comunismo é o inimigo da família, consequentemente da nação, afinal, “assim, se expressa Gogkherg: ‘o partido communista deve substituir a família”. E, por conseguinte, um dos aspectos do mal do comunismo era a permissão das uniões livres serem aceitas como casamentos, o divórcio era aceito por qualquer justificativa, como também a poligamia, o casamento entre pais e filhos e por meio de irmãos.

Outro aspecto que caracterizaria o comunismo seria a permissão do aborto pelo governo, outro, a liberdade da mulher que não roga mais da autoridade dos pais e maridos. Heroncio mostra também o exemplo das mulheres da cidade de Saroloff que foram “nacionalizadas” e, como resultado, as mulheres comunistas haviam passado a ser posse do Estado sofrendo nas mãos de homens e “aos mais baixos costumes dos selvagens”. Por fim, faz uma ressalva ao perigo que ameaça ao Brasil, que se faz necessário afastar os “pseudo- patriotas” que querem ameaçar a moral da família brasileira.

Pensará alguem que os communistas brasileiros são differentes dos da Russia? Engano. Aliados aos barbaros modernos, os communistas brasileiros estão ás portas da nacionalidade, aguardando o momento opportuno para o festim do sangue e da vingança, da obstruição e do saque. Não os demoverá o respeito á santidade da familia. Inimigos da familia, são, consequentemente, inimigos da patria. Transfugas da brasilidade vendem- nos ao inimigo extrangeiro, pelo preço da traição. 250

Padre Heroncio dá continuidade em outro artigo essa argumentação a respeito dos males do comunismo, agora associados a “offensiva contra Deus”,251

pois, segundo ele, nunca ocorrera antes de um povo ser contrário à ideia de Deus. A divindade era algo presente em todos os povos, até os bárbaros possuíam e respeitavam suas divindades.

Heroncio afirma que o comunismo não se declara contrário a figura de Jesus Cristo, mas se coloca em “guerra de morte” de prontidão contra todos os tipos de crédulos religiosos,

249 Idem. 250 Idem. 251

126 seguindo a frase de Marx “A religião é opio para o povo”, portanto, somado com os pressupostos do materialismo de Marx e do evolucionismo de Darwin o comunismo agiria com o objetivo de extinguir a ideia de Deus.

O mesmo Heroncio argumenta ainda com a fala de Zinoviev, presidente da III Internacional, que o programa desta se baseia no materialismo científico, logo, esta defenderia o princípio do ateísmo. Também afirma que Bukarin escrevera que Deus teria que ser julgado pelos males acarretados na terra. Além do mais, o governo soviético teria sido o responsável pelo fechamento de “1119 igrejas, 126 synagogas e 122 mesquitas”. Finalmente, chama atenção para a difusão do ateísmo nas escolas e programas soviéticos como sendo “processos diabolicos de perversão das almas”.

Em pleno seculo vinte, o mundo assiste a essa revolta contra Deus, e consequentemente, contra a razão e contra a logica; a esse espectaculo de blasphemias e maldições, que assombra os dias dos Neros e Dominicanos. 252

Com relação a esse mesmo aspecto, o jornal nos traz o artigo “Communismo e Atheismo” de padre J. Cabral 253

em que este adverte que os soviéticos estão influenciando o as convicções do povo brasileiro e, tentando convencer que o comunismo não se apresenta contrário à religião e que o combate não se faz ao catolicismo, porém, ao capitalismo e aos capitalistas. Dessa forma que o comunismo, principalmente na região Nordeste, tenta camuflar que não são ateus, emitem uma imagem que há uma boa relação com o catolicismo no país. Todavia, fazendo referência ao ateísmo russo e, por meio da propaganda comunista, apresentam ações que justificam seus posicionamentos antirreligiosos. Assim, descreve os princípios e medidas utilizando como exemplo o livro “Moscovo sem mascara” de Joseph Douillet, a repressão às religiões na Rússia descreve três posicionamentos:

1 - Organização de uma propaganda systematica contra a religião; ao lado desse modo de combate, uma tolerancia absoluta e plena a todo e qualquer ataque á religião, sobretudo quando se trata de actividades da juventude communista;

2 - Pressão legislativa e fiscal do Estado contra a Igreja; desse modo se tenta tornar impossivel o funccionamento regular do culto publico.

252 Idem.

253

127 3 – Perseguição directa, por via da G.P.U., que mantem e ampara toda empresa capaz de decompôr ou enfraquecer a religião. 254

Padre J. Cabral deixa evidente e com mais detalhes demonstrando por meio de estatísticas e de dados dos inúmeros casos de intolerância a religião na Rússia em seu livro ‘A Miragem Soviética’. O governo fornece subsídios a grupos ateístas como a “Komsomol, a mocidade communista” e que não pune seus atos “assegura a impunidade de todos os attentados sacrillegos, quer perpetrado em manifestações publicas, quer effectuados sob certa reserva”.255

Tudo isto ficaria a cargo da Sociedade dos Atheus Militantes que desempenhariam um movimento de repressão e de disseminação de princípios para “apagar da consciencia humana a idéa de Deus, os principios da moral e as noções religiosas”. 256

Os meios de comunicação de rádio, cinema e, em específico a imprensa da União Soviética que possui inúmeros jornais e revistas espalhados pelas regiões e, em vários idiomas, são um dos mecanismos utilizados na disseminação dos princípios ateus.

Pouco depois, Padre Heroncio um artigo que remete a pergunta: “Communismo é aquillo?”. 257

Fica novamente a cargo desse sacerdote a atribuição de definir o comunismo e alertar suas causas e consequências no país. “Os attentados communistas” que já se apresentam no Brasil são um alerta da disseminação das “idéas subversicas” no meio operário:

Os planos diabolicos de inutilizar serviços publicos, e occasionar a morte a pessoas, em bloco ou isoladas, é uma demonstração dos processos utilizados pelos communistas. Tendo o odio por principio e não reconhecendo a Justiça de Deus, cuja existencia combate, o communismo é friamente criminoso, comprazendo-se em assistir a agonia de suas victimas. Só está bem quando o sangue lhe ensopa as garras de terrível abutre. O massacre é o seu mandamento, o attentado contra a vida e a propriedade o seu credo. 258

Heroncio continua sua argumentação descrevendo o regime comunista implantado na União Soviética pelo regime bolchevista, enfatizando as inúmeras mortes e fuzilamentos de operários, camponeses e intelectuais, todos assassinados pelo governo. Também descreve em 254 Idem. 255 Idem. 256 Idem.

257 HERONCIO, Pe. Communismo é aquillo? In: A Ordem, 9 de outubro de 1935. p. 1. 258

128 números os genocídios que acontecem em quase todas as regiões da Rússia. Relata que 10.000 mil operários haviam feito manifestações em Astrakan, em torno de em protesto em prol dos seus direitos e que destes 2.000 mil tinham sido massacrados. Ninguém escapava da tiraria do governo bolchevista e isso incluía mortes de crianças, velhos e mulheres.

Padre Heroncio descreve um governo de viés comunista para exemplificar o que seja o sistema comunista e chama a atenção para o perigo disto acontecer no Rio Grande do Norte. Seu medo já evidencia a atividade comunista no estado e, adverte contra a infiltração comunista no meio dos operários do Rio Grande do Norte. Por todos os exemplos de violência e mortes que o comunismo pode acarretar, padre Heroncio exclama porque ainda havia quem se deixasse levar a influenciar pelo comunismo. E lamentava que muitos não queriam enxergar os perigos que o comunismo acarretava, rogando para que os operários não se deixassem aproveitar, pois “a dictadura do proletário” na Rússia é uma ilusão que na verdade leva a escravidão, enquanto enriquece os líderes comunistas: “Não é mais licito por em duvida os intuitos dos communistas. A realidade, a triste realidade, está ahi, a desafiar qualquer illusão”. 259

Dando continuidade à definição do que seria esse comunismo Emília Pinheiro, no artigo “Santo Thomaz de Aquino e o Communismo”,260

vem apontar os perigos que rondam a sociedade brasileira por meio da ANL estar infiltrada com os adeptos do comunismo. Ela deixa evidente que os ideais comunistas são antagônicos aos princípios do integralismo.

A autora chama a atenção à desordem ocasionada pelos adeptos do socialismo da ANL no Brasil, principalmente se referindo as desordens confirmadas pela polícia no Rio de Janeiro, em contraposição a ordem defendida pelos adeptos do Sigma. Sua preocupação era em relação à disseminação dos ideais comunistas junto aos operários, é neste aspecto que se estaria ocasionado a desordem, pois os homens estariam a cada dia mais adeptos aos valores do materialismo e desfavorecendo os princípios cristãos. Acusa com os males ocasionados pela liberal democracia que prevaleceu na Constituição de 1891 e coloca que a solução do problema requer que fossem seguidas as orientações da Igreja e os mandamentos da moral da sua doutrina.

259 Idem.

260 PINHEIRO, Emilia M. M. Santo Thomaz de Aquino e o Communismo. In: A Ordem, 6 de novembro de 1935. p. 1.

129 Abandonando o lado politico da questão, e considerando que a Igreja acima de todo o regimen e partido, a nenhum compete apoiar, se não, pela sua doutrina, orientar e dirigir os indivíduos que se acham á sua testa (...) 261

Na doutrina social da Igreja, Emília Pinheiro remete a Santo Tomaz de Aquino quando este profere que ao homem está correto de possuir fortuna, mas esta que o sirva com o objetivo “requerido para o exercício da virtude”. Chama atenção da desigualdade econômica existente, com inúmeros indivíduos a sofrer pela pobreza e, pede que os ricos possam na caridade e justiça auxiliar os menos favorecidos para a sua salvação, aos pobres, cabem a eles aceitarem a sua condição. Só dessa forma se poderá combater os princípios defendidos pelo comunismo no meio operário.

Ha paginas inconfundiveis nas Encclicas dos Papas que atemorizariam muitos egoistas, convencendo-os de que a fraternidade christã, unicamente, poderá salvar a sociedade do communismo: os ricos auxiliarão aos pobres que, por sua vez, deverão acceitar a inevitavel desigualdade de condições. 262

No discurso anticomunista que prevaleceu no jornal A Ordem antes do Levante Comunista de 1935 há a uma ênfase nos males acarretados pelo comunismo, especificamente ao partido de sua representação a Aliança Nacional Libertadora, das ações da III Internacional Comunista, e aos países que prevaleciam ao sistema político de viés comunista. São artigos em que predomina a advertência da insatisfação que se apresentava na forma concreta dos “bárbaros modernos” e suas influências na contemporaneidade.