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2. REVISTA A ORDEM: A ELABORAÇÃO DO ANTICOMUNISMO NA

2.3. Revista A Ordem: a formulação e disseminação do discurso da Igreja por meio do

2.3.1. A Constituinte de 1934

A Revolução de 1930 trouxe ainda uma nova clivagem da ordem social com a introdução de novos atores no cenário político brasileiro que possibilitaram à Igreja Católica vários ganhos no sentido apontado anteriormente. Tendo se iniciado com o decreto de abril de 1934 que favoreceu a volta do ensino religioso nas escolas, o estabelecimento da Assembleia

116 Idem.

65 Constituinte que permitiu restabelecer a relação de princípios da Igreja Católica com o Estado, definiu na terceira constituição brasileira a volta dos interesses eclesiásticos protegidos judicialmente.

Esse é justamente um dos temas relevantes na revista A Ordem. No artigo “Primeiras Victorias” de Tristão de Athaíde, o líder católico comemora os ganhos iniciais da Igreja na Constituinte e aponta seus adversários.

Começa por dizer de seu preâmbulo “A confiança em Deus”, para depois observar que no artigo 16 passava a ser lei sobre a necessidade de “colaboração recíproca em vista do interesse collectivo”, entre o Estado e a Igreja”.118

O autor atribui a essas conquistas, uma de “caracter philosophico” e outra de “sentido sociológico”, por conta de serem medidas que prezavam pelo bem estar da sociedade e, essa nova relação havia sido aprovada por se ter em vista a melhoria social e não por que era devida aos interesses para a Igreja.

A primeira delas teria tido a imensa maioria dos votos da Assembleia, pois a maioria dos “deputados que votam por Deus” haviam sido adeptos a integrar o caráter religioso da nação à Constituição, pois que este, mesmo desprezado, era algo inerente ao povo brasileiro. O êxito para dispor o nome de Deus no seu Preâmbulo fora, para o autor, a afirmação de onde devia preceder o conhecimento para as tomadas de decisões na política brasileira:

Collocar o nome de Deus no Preambulo era, pois, collocar o problema da autoridade politica em seus verdadeiros termos. Em vez de invocar, apenas aquellas forças que, por assim dizer, vem de baixo, como a democracia ou o Bem Estar economico, - quizeram os constituintes adherir espontaneamente a unica doutrina racional sobre a origem da Autoridade, o que a faz derivar ao proprio Bem em Si. 119

Tristão apontava que a oposição a estes ganhos se dera na figura do “comunista” Zoroastro Gouvéa, do “anachronico anti-clerical campista” Cesar Tinoco e, do pastor protestante Guarani Silveira.

Em relação ao segundo ganho, Tristão argumenta em relação ao número de votos, 111 votos a favor, e 66 contra, que esta diferença em relação à votação do Preâmbulo se devera ao fato de não haver “a menor pressão política ou eleitoral”, ainda que esclarecesse a mudança na configuração constitucional do Brasil provocada por essa votação. A associação entre

118

ATHAYDE, Tristão de. Primeiras Victorias. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 51, p. 333, mai. 1934. 119 Ibidem, p. 333-334.

66 Igreja e Estado era, segundo o autor, uma “verdadeira revolução jurídica” e acusava os marxistas de divulgarem que esta era, por parte da Igreja, uma maneira de obter auxílio financeiro do Governo. Tristão refutava este argumento dizendo que a aproximação da Igreja com o Estado era apenas uma forma de cooperação e não da busca de privilégios. Essa nova associação era vista como a conquista de valores pertencentes à sociedade brasileira, “factos sociaes” que seriam a partir de então respaldados constitucionalmente, o que o fazia diferir dos “phenômenos sociais”, acontecimentos considerados passageiros, algo não inerente à sociedade.

A primeira das observações, portanto, que despertam essas nossas victorias iniciaes, é que não pleiteamos privilegios e sim a incorporação dos factos sociaes ao direito constitucional brasileiro da 2ª Republica.120

Adverte que se estabelece uma diferença com a Constituição de 1891, que fora influenciada pelo positivismo, mas teve como ganho impedir de a política do país se transformasse em algo semelhante à política do México ou da Espanha. Já a Constituição de 1934 tinha o mérito de enaltecer mais os católicos, por estes terem conseguido se unirem sem nenhum interesse, apenas para o bem da nação:

A “collaboração reciproca” é a expressão jurídica das mais modernas concepções do direito social. A assistencia ás classes armadas foi espontânea e geral nos movimentos de tropa que há doze anos temos tido. O ensino religioso facultativo nas escolas publicas é o que ha em todos os paízes modernos mais civilizados, catholicos, protestantes ou orthodoxos. (...) Não provocamos a quem quer que seja. Não abrimos luta; aceitamol-a apenas. Não pedimos senão o que nos devem conceder por estreita justiça distribuitiva. E em troca damos ao Estado, em forma de justiça social, toda a reciprocidade exigida da collaboração no bem commum. 121

Tristão de Athaíde daria continuidade a esse raciocínio noutro artigo sob outro contexto, quando os ganhos dos católicos na Constituinte já pareciam estar definidos. Em “Os Perigos da Victoria”,122

ele coloca a seguinte pergunta, dirigida aos católicos: Qual seriam os perigos que acarretariam suas vitórias na Constituinte?

120 Ibidem, p. 336.

121 Ibidem, p. 338.

67 Com esse questionamento ele deixa evidente que os primeiros perigos seriam os “perigos interiores” que designa de “illusão da facilidade”. A conquista das prerrogativas na Constituinte fora fácil, não por causa da defesa unânime da maioria de políticos católicos praticantes que por uma simples concordância com os preceitos católicos promulgaram o nome de Deus no preâmbulo da constituição e votaram contra o divórcio. Tristão deixa claro que essa conquista se deveu a todo um trabalho organizado de “cultura cathólica”, que já durava em torno de 15 anos, e do surgimento de uma participação política “extra-partidária” permanente em todo o país. Ele se referia diretamente à atuação da Ação Católica e ao esforço de organização da Liga Eleitoral Católica (LEC). Os dois terços que votaram a favor das prerrogativas católicas, nessa maioria, seriam indiferentes à religião, mas teriam votado a favor delas “por motivos políticos ou sociaes”.

Entretanto, não fora uma conquista fácil, mas se deveu ao resultado da participação cada vez mais ativa dos católicos na sociedade e, principalmente nas questões que remetiam ao político e ao social, comprovando que as atitudes da maioria dos políticos não representavam e tampouco correspondiam à vontade da população.

Outros perigos, segundo Tristão, eram a “illusão da força” e o “providencialismo commodista”. Pelos últimos ganhos obtidos na Constituição e por acreditarem que “Deus é brasileiro” os católicos seriam levados a acreditar que não seria necessária a continuidade das ações para a defesa dos preceitos católicos na sociedade, como diziam então: “por isso, não vale a pena fazer força, já que temos por nós a força do numero e a bôa vontade da Providencia...”.123

É a este ponto que o autor chamava à atenção: pelos católicos acharem que haviam conseguido esse novo apoio que garantiu as novas diretrizes e ações respaldadas no Estado, não seria mais importante a continuação na luta por meio das organizações que foram pautadas pela Ação Católica. Tristão argumenta quer era indispensável a continuidade da união das organizações do meio católico para o combate ao “perigo iminente”, sendo o maior perigo no momento é a “deturpação da LEC”, devido a demonstração real do seu poder na concretização dessas vitórias na Constituinte. Seu medo era, inclusive, de alguma intervenção dos partidos que pudessem influenciar os princípios da LEC, acarretando prejuízos a essa organização extrapartidária.

E quanto ao perigo externo que ameaça â Igreja e, que se colocava como “inimigo commum” de forças que tentaram e ainda prevaleciam no sentido da derrubada do catolicismo, se referia à maçonaria, ao judaísmo, ao espiritismo, ao protestantismo e pôr fim

68 ao comunismo. Esses já seriam os inimigos revelados, que, mesmo com o êxito na Constituinte, fazia indispensável a continuidade na união dos grupos católicos para a luta e combate à esses inimigos de ontem e de sempre.

Offerecemos agora um alvo mais facil a esses adversarios. Temos uma Constituição em que os postulados catholicos mais immediatos foram incorporados e que se presta, portanto, a ataques diretos. Torna-se mais facil reunir soldados quando se póde mostrar um objectivo bem nítido a alcançar. Intensifica-se, pois, a luta contra a Egreja. Esta, que para muitos vivia “agonisantesinha”, ou, pelo menos, se contentava de uma existencia apagada e puramente exterior – mostrou-se de repente apparelhada para emprehender uma longa campanha de idéas e conseguiu obter, em 1934, o que jamais alcançara anteriormente. Isso representa, para muitos de nossos de adversarios latentes, uma bomba. Ficam desorientados um momento, deblateram e insultam, mas quando realmente hostis, não se limitam a isso. Voltam então á lucta. A Egreja já não está moribunda como pensaram, mas ao contrario se mostra viva e bem viva, E é preciso voltar á lucta. Atacal-a como um adversario sério e não apenas tolera-la como um velho inimigo sem forças. E assim se intensificará, certamente, a campanha contra nós. A Maçonaria, o Judaismo, o Espiritismo, o Protestantismo e o Communismo, são de momento, e de sempre, os adversarios declarados e systematicos com que temos de contar. E embora se encontrem em contradição de idéas e pessoas, entre si, unem-se para atacar o inimigo commum que é a Egreja da Verdade, promptos a engalfinharem-se furiosamente, uns aos outros, uma vez alcançado esse objectivo... 124

A nova etapa de ação seria a defesa contra estes inimigos que queriam tomar o posto de privilegio ganho pela Igreja. Um desses inimigos, a maçonaria iria, segundo o autor, utilizar de todas as manobras para a intervenção política e social, principalmente, por meio das lideranças na área educacional. Tristão afirma que a maçonaria “(...) trabalha na sombra e com mil mascaras, valendo-se da analogia de seu estado de espirito com o do liberalismo corrente”,125 de modo a poder evitar o ensino religioso nas escolas.

Também faz referência aos marxistas, a “quadrilha communista” que pouco a pouco tenta a derrubada dos líderes católicos na educação para a disseminação de suas ideias, como

124 Ibidem, p. 6-7. 125

69 também toda em influência que remete ao ensino jurídico. Existe todo um “complot anti- catholico” que age às escondidas para a derrubada das conquistas cristãs:

Liberaes e communistas, maçons e espiritas, protestantes e judeus, agitam secretamente os meios politicos para galgar as posições e dahi poderem annullar a victoria catholica na Constituinte”126