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2. REVISTA A ORDEM: A ELABORAÇÃO DO ANTICOMUNISMO NA

2.3. Revista A Ordem: a formulação e disseminação do discurso da Igreja por meio do

2.3.5. O Rotary e a Maçonaria

As mesmas características do comunismo inimigo serão enxergadas em associações como o Rotary e a Maçonaria. Qualquer associação beneficente que tivesse como objetivo a ajuda na melhoria social, mas, tivesse um alcance no nível nacional e internacional, estaria demonstrando maneiras de melhoria social contrárias à moral católica. No caso do Rotary, essa organização seria apontada como o mal que partira dos princípios imperialistas estadunidenses.

O alerta se fez por intermédio do artigo de Jesus Saborido que cita o Bispo de Orense: Rogamos a quantos se orgulhem de ser verdadeiros catholicos, que se abstenham de inscrever-se e pertencer a alguns desses clubs que se dizem rotaryos e que, segundo todos os signaes e documentos e testemunhos fidedignos, e mesmo a juízo e prova de insignes e meritíssimos catholicos e Prelados da Igreja, não são outra cousa que nóvos organismos satânicos, de igual espirito e procedencia que o maçonismo, embora procurem disfaçar-se e apparecer com o cunho de humanitarismo puro e até de caridade christan e de fraternidade universal, generosa, ampla, e legitima, com que, dito está, que tal organização rotary, ainda desconhecida em Orense, segundo nos comprazemos em crêr, é desde logo, suspeita, e deve considerar-se vitanda, execrável e maldita”.162

Segundo Afrânio Coutinho, no artigo “O Rotarianismo”, um dos motivos apontados para o perigo da “civilização ianque” era a sua semelhança com o bolchevismo no processo que levava à sujeição do indivíduo ao coletivo na extinção da individualidade: “Já Lenine, com seu alto senso profético, aconselhava a americanização da Russia antes de bolchevizá-la, isto é, como um primeiro passo obrigatório para a sua bolchevização”.163

Portanto, era uma civilização que desprezava todos os valores da vida espiritual, “utilitarista”, a favor da valorização a toda forma de diversão e tecnologia. Coutinho utiliza, mesmo, a favor desse argumento a teoria da psicologia em voga dos Estados Unidos, o

162SABORIDO, Jesus. O Rotary-Club. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 67, p. 114, fev. 1936. 163

86 behaviorismo, em que, segundo ele, predominariam as influência externas no comportamento humano, colocando em segundo as qualidades individuais de cada ser. Assim, o autor acusa o surgimento do Rotary como consequência desse modelo na sociedade, disseminado por grande parte daquele país e, agora, adentrando em outros países como fosse uma “indústria”.

Em seguida, o autor lança a pergunta: “e que espirito é esse?” E responde: toda essa idealização provém da junção da religião protestante e da doutrina filosófica do pragmatismo. O Rotary era apresentado como uma ação beneficente à sociedade, um civismo que ia de acordo com o “idealismo primário, totalmente penetrado de ingênuo materialismo dos homens de negócio do Middle West americano”. 164

Para Coutinho, a doutrina que fundamentaria essa associação eram os preceitos que defendiam uma moral insubmissa à religião e a “lei divina”. Todos esses preceitos se baseariam, por conseguinte, na “razão humana, único arbitro de conduta, o que leva a que se baseia toda a disciplina dos costumes e toda a honestidade nas leis da matéria e da natureza, bases do acumulo das riquezas e consecução dos prazeres”.165

Essa postura justificaria, para o autor, o seu posicionamento pragmático.

No enfoque social, o Rotary seria o resultado da sociedade moderna que teria surgido da influência do pensamento de Spencer e de Kant, culminando no ensino antirreligioso que propiciou as associações burguesas identificadas com as ideias do “humanitarismo burguês, de internacionalismo e pacifismo da Sociedade das Nações e de panamericanismo”. 166

Em esplendido e irrespondível estudo sobre o rotarismo, J. Saborido analisa com acerto o código referido, que se apresenta como uma escola de aperfeiçoamento moral. Sem uma norma em relação com uma finalidade suprema, exclusivamente limitada a vida aos âmbitos terrenos (‘duas as datas em uma pedra funeraria’), que outra lei sinão as da própria consciência individual e da vontade de cada um, muitas vezes abafadas ou comrropidas, como diz Saborido, poderá ditar a conduta social? Ai esta justamente o erro inaugurado no pórtico do mundo moderno pela rebeldia luterana, fonte de todo o individualismo atual, reforçado pelo jansenismo e culminado nos nossos dias pelo libertarismo comunista.167

164 Ibidem, p. 531. 165 Ibidem, p.531-532. 166 Ibidem, p.532. 167 Ibidem, p.533.

87 Todos os preceitos do Rotary se baseariam num valor “imediatista e utilitarista”, sem uma moral voltada a valores divinos e apenas referenciado pela vida material. O engano de sua doutrina estaria no disfarce das boas ações, que na verdade desencadeariam em ações puramente voltadas a uma conduta social pautada por princípios apenas defensáveis em seu código de ética. Assim, o Rotary recusaria todos os preceitos cristãos e divinos, pois o verdadeiro bem seria aquele que, no exemplo dos santos, se realiza por desinteresse e abnegação, algo impossível de surgir por meio do Rotary. Deste modo, o solidarismo do Rotary serviria para atuar em grupos “impessoais e anonimos, em vez de obedecer ao verdadeiro mandamento, o amor ao próximo: “assistencia pessoal, a beneficencia coletiva e social. Ao invês de próximo, todo mundo”.168

E, conforme Coutinho,

Com esta neutralidade e identicos protestos de prescindir da Religião e mesmo da politica para chegar á paz universal, mediante uma moral laica, apresentaram-se no seculo passado aquellas sociedades secretas que tantas perseguições suscitaram contra o Altar e contra o Throno, desde a politica, onde as fazia fortes, seu próprio internacionalismo. 169

No caso da Maçonaria, deve-se primeiro colocar que no final do século XIX ocorreu um dos principais embates entre Igreja e Estado no Brasil, resultando na chamada ‘Questão Religiosa’, devido à influência da Maçonaria no prelado.

A doutrina católica apontava então a incompatibilidade dos princípios em relação aos da Maçonaria, resultando surgir ataques de parte a parte na imprensa. O Bispo de Olinda e Recife Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, recém-chegado de Paris, com formação diferenciada dos bispos do Brasil, trouxe dali os preceitos de romanização difundidos na época pela Europa. Dom Vital passou então a enfrentar as influências maçônicas na sua Diocese, medidas que prevaleceram devido ao sistema do Regalismo no Império, solicitando o afastamento dos ordenados e membros das irmandades que confirmavam vínculo com a maçonaria. Suas ordens chamaram a atenção do Governo, dominado pelos maçons e Dom Vital, junto com o bispo do Pará, Dom Antônio de Macedo Costa, foram presos e condenados à trabalhos forçados.

Por conta disso, Dom Vital se tornou o símbolo de resistência contra a maçonaria e símbolo de independência da Igreja Católica brasileira, o que nos leva a poder afirmar que a

Questão Religiosa foi o início de mudança frente à necessidade de retomar a autonomia da

168

Ibidem, p.535-536.

88 instituição, tornando possível, também, a implantação das prerrogativas do ultramontanismo no Brasil, o que resultou na incompatibilidade de ações e medidas da Igreja frente ao Estado Monárquico.

Portanto, fazer alusão à Questão Religiosa e aos males ocasionados pela Maçonaria se tornaria um dos temas presentes na formulação do discurso anticomunista católico, englobados nos males do comunismo.

Segundo Perillo Gomes, no artigo “Maçonaria e as Forças Armadas”, essa instituição teria contribuído desde o século XIX para a proliferação das ideias filosóficas racionalistas, naturalistas e materialistas no Brasil. Dessa maneira, se deveria entender que a Maçonaria era outra associação que, no nível internacional, por meio de suas diretrizes, regia as ações políticas brasileiras, utilizando-se do mistério para poder planejar e agir na formação das revoluções que abalaram a ordem social dos últimos tempos. 170

A maçonaria é uma internacional política como o Socialismo e o Comunismo. Com a differença, porém, de que estas são francas em seu programma, e declaram abertamente suas intenções. Ao passo que a Maçonaria occulta sua finalidade politica disfarçando-a com a capa de humanitarismo de modo a illudir aos incautos.171